Não sei quantos dos nossos leitores ainda se lembram porque é que o Azul se chama Azul. O nome é inspirado no pontinho azul-claro, do tamanho de um grão de areia, que Carl Sagan descreveu um dia para falar sobre a Terra. A nossa casa, o único lar que sempre conhecemos, escreveu o autor do livro O Ponto Azul-Claro, editado pela Gradiva em 1994 e que voltou a ser lançado pela Planeta em Setembro de 2023. Hoje, regresso a Carl Sagan. 

"Em algum lugar, algo incrível está à espera para ser descoberto." Esta é uma das muitas citações famosas atribuídas ao cientista, físico, biólogo, astrónomo, astrofísico, cosmólogo, escritor, divulgador científico e activista norte-americano. Mas é apócrifa: na verdade, não é de Carl Sagan. Aproveitamos o pretexto para esclarecer o equívoco: não terá sido Carl Sagan que escreveu esta frase, ainda que tenha sido escrita a propósito da sua obra e vida. 

Afinal, a citação pertencerá à repórter Sharon Begley e aparece no fim de um artigo da Newsweek de 1977, um perfil extenso de Carl Sagan. Independentemente da autoria, Carl Sagan terá seguramente concordado com ela. E nós também.

A frase merece destaque quando confirmamos que, apesar de tudo, há coisas incríveis à nossa espera. Nem que seja debaixo do chão do mar, como nos mostrou esta semana a história com o título "Cientistas descobriram vida animal debaixo do fundo do mar". 

Já sabíamos que à volta das fontes hidrotermais gravitam mexilhões, caracóis e vermes vestidos de plumas vermelhas. O que não imaginávamos é que a vida animal também poderia prosperar debaixo do leito oceânico. Quando os investigadores levantaram um pedaço de crosta no fundo do Pacífico, encontraram cavidades recheadas de adultos de espécies conhecidas. Acredita-se que as larvas apanhem "boleia" na coluna de água, permitindo que estes seres vivos colonizem o submundo do Pacífico. 

A beleza desta novidade é que, agora, já não sabemos bem onde começa e acaba o habitat destes animais que vivem em condições extremas. "As comunidades da superfície e do subsolo do fundo do mar estão ligadas e podem depender umas das outras (mas não sabemos até que ponto)", explicou à jornalista Andréia Azevedo Soares a bióloga marinha Sabine Gollner, co-autora do estudo publicado na Nature Communications. Por outras palavras, o chão não é o limite. 

A descoberta é importante por diversas razões e ainda mais relevante se tivermos em conta o debate aceso sobre as restrições aos planos para a mineração em mar profundo. Como podemos avançar para o fundo do oceano em busca de lucro, quando não podemos calcular o prejuízo? Se é difícil estudar o impacto da mineração no mundo que sabemos que existe lá em baixo, no fundo do mar, como prevenir a destruição de um território que ainda não conhecemos bem? 

Ainda assim, a descoberta de vida debaixo da crosta do oceano é uma história com um princípio feliz. Temos já demasiados exemplos de histórias que têm tudo para correr mal. De coisas que já conhecemos e não conseguimos proteger. Pior do que isso, territórios e vida que estamos a destruir. 

Hoje mesmo, quinta-feira, a repórter Clara Barata trouxe mais uma preocupante realidade lembrando que, apesar da meta que ambiciona ter 30% do oceano protegido até 2030, o que temos, de facto, actualmente são uns meros 2,8%. "Há um abismo entre os compromissos assumidos pelos Estados e a realidade. É preciso um novo impulso para garantir a conservação e criar novas áreas. Em Portugal, só 0,2% está sob protecção efectiva", diz-nos a notícia.

Antes disso, tivemos a grave conclusão com que fomos confrontados também esta semana após a leitura de um relatório sobre o planeta (a tal parte que já conhecemos): a escassez de água põe em risco metade da produção de alimentos a nível mundial até 2050. 

Estamos a falar de um horizonte de 25 anos para encontrar uma nova economia da água, que tem de começar "pelo reconhecimento de que o ciclo da água deve ser governado como um bem comum global", avisam os autores do relatório, lançado nesta quarta-feira pela Comissão Global sobre a Economia da Água.

Não são boas notícias. Mas repito: Em algum lugar, algo incrível está à espera para ser descoberto - e protegido. A notícia que veio debaixo do chão do mar esta semana é uma prova disso. E o princípio (a esperança?) vale para tudo. Entre o fundo do mar e o pico mais alto do nosso pontinho azul-claro.