Temperatura está a pôr em causa os ecossistemas das lagoas dos Açores

Cinco lagoas da ilha de São Miguel revelaram perdas significativas da biodiversidade e alterações nos ecossistemas face ao aumento da temperatura do planeta. Este fenómeno pode ser um padrão mundial.

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As alterações climáticas e o aquecimento do planeta são os responsáveis pela mudança dos ecossistemas das lagoas açorianas João Silva
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Investigadores portugueses e espanhóis concluíram num estudo que o aumento da temperatura está a danificar os ecossistemas das lagoas nos Açores, pondo em causa a biodiversidade e as reservas de água.

Vítor Gonçalves, investigador da Universidade dos Açores, refere que o estudo concluiu que "a partir de 1982, quando se começa a sentir o efeito das alterações climáticas em geral e do efeito do aquecimento global", as lagoas, "em simultâneo, sofrem uma alteração ecológica sem precedentes no passado", algo que é "sincrónico em todos os lagos".

Realizado em cinco lagoas da ilha de São Miguel, o estudo, publicado na revista Nature Communications Earth & Environment, sustenta que as lagoas "estão a perder parte da sua biodiversidade e da capacidade para prestar serviços ecossistémicos". A investigação "comprovou que a quantidade de espécies de diatomáceas, algas unicelulares que estão na base da cadeia trófica, se reduziu em média 27% em todos os lagos da ilha de São Miguel a partir de 1982".

Aumento da temperatura do planeta

A temperatura no hemisfério norte "aumentou 0,35ºC em relação à média do século XX". Vítor Gonçalves explica que no passado cada uma das lagoas "teve evoluções particulares em função de fenómenos naturais ou antrópicos", mas com a alteração da temperatura assiste-se a uma "homogenização e transformação simultânea de todas as lagoas".

Uma das consequências mais visíveis na redução da biodiversidade foi observada pelos investigadores num grupo de algas "muito importantes no funcionamento das lagoas", que sofreram uma redução de 27% nas espécies presentes nas massas de água estudadas. Vítor Gonçalves acredita que este "novo patamar ecológico é difícil de reverter", mas que "deve-se actuar em factores que poderão ser controlados pelo próprio homem, que são as pressões locais resultantes das actividades humanas que decorrem nas bacias hidrográficas".

As alterações relativas ao uso do solo, a intensificação das actividades agrícolas e agro-pecuárias, a par do aumento da erosão e da introdução de espécies exóticas nos ecossistemas das lagoas, contribuem para a diminuição da resistência que o sistema tem para as mudanças. "Na redução destas actividades externas poderá estar um factor importante para atenuar os efeitos decorrentes das alterações climáticas, que são difíceis de controlar a curto e médio prazo", explica o cientista.

Os Açores estão muito vulneráveis a eventos extremos, cada vez mais frequentes no nosso planeta. O furacão Lorenzo, que atravessou o arquipélago em 2019, evidenciou diversas vulnerabilidades da região. As zonas "baixas" e as "falésias de materiais mais brandos" são novas preocupações que não estavam abrangidas nos planos de ordenamento do território e que precisam de ser revistas face às consequências das alterações climáticas, segundo explicou Helena Calado, doutorada em Geografia, numa reportagem do Azul.

Um padrão mundial

Na publicação, os especialistas consideram que "é provável que as mudanças detectadas nos lagos do arquipélago estejam também a ocorrer noutros ecossistemas lacustres em todo o planeta". De acordo com a investigação, o conjunto de perturbações antropogénicas sobre o ecossistema "provocou o desenvolvimento de fitoplâncton composto por algas de menor tamanho e cianobactérias, frequentemente acumuladas à superfície da água, que impedem que a luz solar penetre em áreas mais profundas dos lagos".

A diminuição da disponibilidade de luz contribui para a "redução do habitat disponível" para as diatomáceas bentónicas, consequentemente levando à diminuição do número de espécies e "simplificando profundamente o ecossistema", referiu Vítor Gonçalves. É fulcral apostar numa prática de "restauração ecológica que tenha em conta a situação económica e social dos que vivem na ilha".

Desde 1990, 53% dos lagos a nível mundial encolheram, segundo um estudo publicado na revista Science. No início deste ano, assistimos ao degelo dos Grandes Lagos dos Estados Unidos, um conjunto de cinco lagos que tiveram a menor quantidade de gelo dos últimos 50 anos. A seca extrema e o degelo, que têm implicações profundas em todos os ecossistemas, vão continuar a acontecer enquanto a temperatura do ambiente continuar a aumentar.

O estudo envolveu cientistas do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade dos Açores, das universidades Autónoma de Barcelona, Évora, Corunha e Barcelona, do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid, e dos institutos CREAF, GEO3BCN-CSIC e CEAB-CSIC.

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