Imposto sobre passageiros frequentes poderia angariar 60 mil milhões na União Europeia

Em Portugal, uma taxa sobre passageiros frequentes poderia gerar receitas fiscais de 2,3 mil milhões de euros, com uma redução de 23% nas emissões. Dezenas de organizações assinam uma carta aberta.

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Uma taxa sobre passageiros frequentes teria de diferenciar as taxas aplicadas a viagens de trabalho e de lazer, ou ser acompanhada de uma compensação para os trabalhadores Nuno Ferreira Santos
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Cerca de metade da população europeia não entrou num avião no último ano para férias. Por outro lado, em média, uma em cada dez pessoas viajou em lazer mais de três vezes no último ano. Um relatório publicado nesta quinta-feira pelo think tank New Economics Foundation (NEF) em conjunto com a rede Stay Grounded (à qual pertence o movimento português Aterra), com base em estimativas da consultora CE Delft, mostra que uma taxa europeia sobre estes passageiros frequentes poderia gerar receitas fiscais de 63,6 mil milhões de euros, sem qualquer custo financeiro para a maioria das pessoas.

A estimativa é que a aplicação de uma taxa desta natureza possa reduzir as emissões de carbono da aviação europeia em 21%, já que estes meros 5% das pessoas — os passageiros mais frequentes — passariam a efectuar menos voos.

Ao afunilar o foco apenas para a União Europeia (ou seja, deixando de lado países como o Reino Unido), as receitas geradas seriam de 50,9 mil milhões de euros — calculam os autores do relatório —, e poderiam financiar 20% do investimento público anual necessário para a UE cumprir os seus objectivos em matéria de clima. Em jeito de contexto, o relatório nota que a ordem de grandeza é semelhante às despesas da UE com a política agrícola comum (PAC), que custou 55,7 mil milhões de euros em 2021.

Em Portugal, as receitas fiscais estimadas pela consultora CE Delft seriam de 2,3 mil milhões de euros, com uma redução de 23% nas emissões de CO2.

Taxa progressiva

A taxa sobre os passageiros frequentes seria aplicada de forma progressiva. O primeiro voo de ida e volta do ano não seria tributado — o que significa que mais de dois terços da população não pagaria nada — e a taxa aumentaria depois a cada novo voo de ida e volta realizado por uma pessoa durante um ano. De acordo com as estimativas do NEF, uma média de 28% dos agregados familiares pagaria encargos com a taxa, uma proporção que cai para 15% entre os agregados familiares que ganham menos de 20 mil euros por ano.

Ao contrário de um imposto transversal sobre a aviação, uma taxa desta natureza poderia reduzir o impacto nas pessoas que viajam menos, transferindo o peso para os passageiros frequentes (em geral, os mais ricos). “Para que a transição para uma economia sem carbono seja bem-sucedida, ética e rápida”, escrevem os investigadores, “as políticas devem ser justas e devem ser sentidas como justas”. O relatório propõe ainda uma sobretaxa para as viagens mais poluentes, ou seja, voos de médio e longo curso, assim como os lugares de classe executiva e de primeira classe.

“Neste momento, não importa se uma pessoa está a voar para visitar a sua família pela primeira vez em anos ou se está a fazer o décimo voo anual para a sua casa de luxo no litoral — pagará o mesmo imposto por esse voo”, afirma Magdalena Heuwieser, activista na rede Stay Grounded, citada em comunicado. “Uma taxa sobre os voos frequentes seria uma medida justa no sector da aviação, que reduziria os voos excessivos para os passageiros ricos e, ao mesmo tempo, aumentaria as receitas — incluindo para expandir e disponibilizar comboios e transportes públicos a preços acessíveis.”

Uso exagerado por uma “fatia pequena”

Nesta quinta-feira, no embalo da publicação do relatório, mais de 80 organizações e 60 académicos assinam uma carta aberta a apelar às instituições europeias para adoptarem esta medida. Para Francisco Pedro, activista do movimento Aterra, a proposta é uma “medida de senso comum para trazer alguma justiça àquele que é o meio de transporte mais injusto que existe”.

“Tem havido muita falta de imaginação em relação a este tema”, desabafa, notando que o debate em Portugal — onde “o lobby, quer da aviação, quer do turismo, é muito forte” — é toldado pelo que considera ser um consenso a nível partidário e dos grandes meios de comunicação sobre a expansão do tráfego aéreo. Algo que se nota, por exemplo, em discussões como aquela sobre a construção de um novo aeroporto em Lisboa.

Esta necessidade de expansão, afirma, servirá apenas uma elite, uma “fatia muito pequena da população que usa de forma exagerada este meio de transporte”. No verso da moeda, em cidades como Lisboa, problemas como a crise da habitação vão-se agravando à medida que a cidade se mantém como um destino “muito fácil e cómodo” para turistas e outros viajantes frequentes.

Mais financiamento para a acção

O estudo da CE Delft fez uma estimativa dos efeitos de uma taxa europeia de passageiro frequente. Ao calcular os orçamentos de carbono da aviação, a análise conclui que é necessária uma redução substancial da aviação a curto prazo para alinhar o sector com os objectivos do Acordo de Paris.

Com os dados resultantes dos modelos económicos em mãos, o New Economics Foundation (NEF) tratou de analisar os desafios da implementação de uma taxa deste género — e o que seria possível fazer com o excedente conseguido. “Quando se trata de travar o colapso climático, a Europa enfrenta uma enorme lacuna no financiamento disponível”, diz Sebastian Mang, investigador do NEF, citado em comunicado.

Uma taxa sobre as viagens aéreas frequentes, explica, poderia “dar uma contribuição considerável para os fundos da UE”, de modo a gerar “centenas de milhares de milhões de euros em capital para investimento em transportes públicos, energia eólica e solar e regeneração da natureza”. Ao mesmo tempo, acrescenta o economista, “uma parte dos fundos deveria ser reservada para a contribuição da UE para os países de baixo e médio rendimento que enfrentam a crise climática”.

Protecção de dados — mas há soluções

Os investigadores do NEF sugerem um sistema de identificador único de passageiro (semelhante, por exemplo, ao Known Traveller Number dos EUA), contando com uma base de dados centralizada para rastrear o número de voos.

Seria necessário também encontrar uma forma de diferenciar as taxas aplicadas a viagens de trabalho ou a viagens de lazer, ou levar as empresas a compensarem os trabalhadores pelas viagens — afinal, os passageiros não devem ser obrigados a pagar mais pelas viagens de férias por causa das viagens que fizeram em trabalho.

De acordo com a análise, a aplicação é legalmente viável tanto a nível da UE, quanto dos países, mas os investigadores sublinham que será preciso cuidado com os dados pessoais, de forma a cumprir o Regulamento Geral de Protecção de Dados.

As propostas do relatório contaram com uma avaliação jurídica da Adastone Law, para reforçar a robustez dos dados.

Sem desculpas

Stefan Grebe, autor do estudo da CE Delft para prever o impacto económico da taxa sobre passageiros frequentes e a redução de emissões, explica que, caso não haja uma “redução imediata” das emissões de carbono para alinhar o sector da aviação com os objectivos do Acordo de Paris, “é provável que a aviação contribua para ultrapassar os orçamentos de carbono que restam”.

O comunicado cita ainda Marlene Engelhorn, milionária austríaca que herdou a fortuna da família e acabou por fundar a iniciativa taxmenow.eu. “É mais do que tempo de a democracia usar esta última força da natureza humana para travar a destruição desnecessária que os hábitos luxuosos da minha classe provocam e para exigir efectivamente que contribuamos para os custos de salvar este planeta”, afirma.