Fome de electricidade leva Google, Amazon e Microsoft à energia atómica

Grandes empresas tecnológicas investem no nuclear para ter energia para alimentar o crescimento dos centros de dados e da inteligência artificial. EUA apoiam renascimento da indústria do átomo.

Foto
Centro de processamento de dados da Equinix, no Prior Velho Daniel Rocha
Ouça este artigo
00:00
04:42

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Os “tech bros” estão a apostar em força na energia do átomo, para alimentar a fome voraz de electricidade dos centros de dados usados para treinar a inteligência artificial: a Google e, agora, a Amazon anunciaram ter assinado acordos com outras empresas para desenvolver a tecnologia dos pequenos reactores nucleares – muito falada como o futuro do nuclear civil, mas que ainda não existe.

A primeira a anunciar os seus planos foi a Microsoft, que investiu na empresa que desenhou o ChatGPT, a OpenAI. Anunciou já em Setembro ter assinado um contrato de duas décadas com a Constellation Energy, para reabrir a central nuclear de Three Mile Island – onde houve o pior acidente nuclear civil nos Estados Unidos, em 1979 –, para obter energia nuclear para os centros de dados.

Como resultado de todo este interesse dos patrões da tecnologia, as acções da Oklo, uma startup nuclear participada pelo patrão da OpenAI, Sam Altman, subiram 100%. O mesmo aconteceu com outras empresas da área, como a NuScale, uma empresa do Oregon que tem autorização da Comissão Reguladora Nuclear dos Estados Unidos para desenvolver projectos de pequenos reactores modulares – SMR, na sigla em inglês, que, além de menor dimensão, deveriam ser mais seguros do que os actuais –, embora não espere concretizar nenhum projecto até ao final da década.

Na segunda-feira, foi a vez de a Google revelar um acordo firmado com a Kairos Power para ter SMR a funcionar a partir de 2030, sintetiza a Reuters. Por fim, a Amazon anunciou na quarta-feira ter assinado acordos com as empresas X-Energy e Dominion Energy para explorar o desenvolvimento de SMR.

Estes investimentos surgem porque as grandes empresas tecnológicas procuram electricidade produzida sem emissões de dióxido de carbono (que aumentam o efeito de estufa e causam as alterações climáticas) para alimentar a expansão dos negócios da inteligência artificial e outras áreas. Precisam de electricidade para pôr a funcionar os centros de dados e também para refrigerar estas imensas instalações de servidores.

Depois de investirem em energias renováveis, estão agora a virar-se para o nuclear – alimentando mais uma vez a expectativa de um renascimento da indústria do átomo, marcada por vários acidentes que reduziram a sua aceitação: Three Mile Island, Tchernobil, Fukushima.

Limpa? De "baixo carbono"

A electricidade nuclear é “limpa”, se falarmos de emissões de carbono, embora seja “suja” em vários outros sentidos: produz resíduos radioactivos (para os quais ainda não há uma solução definitiva), os riscos de uma indústria cuja origem é militar e, além do potencial catastrófico de um acidente, acarreta ainda o de proliferação de armas nucleares. Por isso, é referida como uma tecnologia "sustentável", de “baixo carbono”, em vez de “verde” ou “renovável”, como a energia solar ou do vento.

A procura global por electricidade deve crescer, em média, 3,4% por ano até 2026, segundo um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE). Mas o consumo de energia eléctrica pelos centros de dados, inteligência artificial e sector das criptomoedas pode duplicar até 2026.

Vejamos: ao nível global, o consumo de electricidade dos centros de dados atingiu um valor estimado de 460 terawatt-horas (TWh) em 2022, segundo a AIE. Mas, em 2026, pode chegar a 1000TWh. “Esta procura é mais ou menos o equivalente a todo o consumo de electricidade do Japão”, diz o relatório, que faz apelo à modernização tecnológica, eficiência e regulamentação para moderar esta forme eléctrica.

As grandes empresas tecnológicas comprometeram-se a usar só energias limpas até 2030 – mas isso foi antes da explosão da inteligência artificial, que exige cada vez mais energia, recorda o New York Times.

Um relatório da empresa de serviços financeiros Morgan Stanley de Setembro estimava que a indústria dos centros de dados vai emitir 2500 milhões de toneladas de gases de estufa a mais até ao fim da década, o que é três vezes mais do que seria se a inteligência artificial generativa não tivesse sido inventada. Outro relatório, da consultora IDC, estima que o consumo de energia vai aumentar 44,7% durante o mesmo período até 2027, por causa da procura de serviços da inteligência artificial.

A Administração de Joe Biden tem apoiado o investimento na energia nuclear como uma alternativa livre de emissões de carbono. Em Março, o Congresso dos EUA aprovou legislação destinada a apoiar o desenvolvimento de uma nova geração de reactores nucleares.

Hoje, a energia nuclear fornece 18% da electricidade nos EUA. Mas apenas três reactores entraram em funcionamento desde 1996 – o maior problema, além das preocupações sobre a segurança, é o custo da construção de centrais nucleares. Frequentemente, os projectos que têm sido edificados demoram o dobro do tempo previsto a serem construídos, e a factura aumenta na mesma proporção.