Até 2030, 30% dos oceanos têm de estar protegidos; mas hoje só 2,8% o estão

Há um abismo entre os compromissos assumidos pelos Estados e a realidade. É preciso um novo impulso para garantir a conservação e criar novas áreas. Em Portugal, só 0,2% está sob protecção efectiva.

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Baleias francas austrais mergulham com as crias ao largo da Patagónia, na Argentina Agustin Marcarian/REUTERS
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Há um compromisso internacional para proteger 30% do oceano até 2030, no contexto da Convenção das Nações Unidas para a Biodiversidade. Mas, a seis anos da meta, estamos longe do objectivo: só 8,3% dos oceanos a nível global foram designados como áreas marinhas protegidas e, mesmo assim, a protecção fica só no nome. Apenas 2,8% dos mares da Terra estarão verdadeiramente protegidos da pesca excessiva ou ilegal, da poluição ou outras actividades destruidoras dos ecossistemas.

“A designação de uma área protegida não é o fim. É apenas o princípio do fim de uma viagem”, afirmou Beth Pike, do Instituto de Conservação Marinha, uma organização norte-americana dedicada à protecção dos oceanos, numa conferência de imprensa online para apresentar o novo relatório On track or off course? Assessing progress toward the 30x30 target in the ocean, lançado nesta quinta-feira.

O que acontece é que, depois da designação de uma área marinha protegida, tardam as medidas para pôr em prática a protecção, incluindo o financiamento e a vigilância, sublinhou Beth Pike.

O objectivo de conservar pelo menos 30% da terra, da água doce e do oceano até 2030 (identificado como 30x30) foi firmado em 2022 no final da Conferência da Convenção das Nações Unidas da Biodiversidade (COP15; as conferências desta convenção realizam-se apenas de dois em dois anos), em Montreal, no Canadá.

Mas a área marinha global que está sob alguma forma de protecção aumentou apenas 0,5% desde 2022. Se se mantiver esta taxa de progresso, em 2030 só 9,7% do oceano estará protegido em 2030, conclui o relatório.

“Eu sou cientista, não sou política, mas não sei como é que se pode olhar para estes números e não ficar deprimido. Mas não podemos ficar só a olhar, a achar que não há nada que possamos fazer para mudar isto”, afirmou Beth Pike.

É verdade que os dados são deprimentes. Mesmo nos países em que as áreas marinhas protegidas aumentaram (ligeiramente) entre 2022 e 2024, é muito reduzida a porção de território que está sob uma protecção eficaz. A maior parte continua a ter actividades que põem em causa a sua integridade.

Só 14 países designaram mais de 30% das suas águas como áreas protegidas:

  • Mónaco (100%);
  • Palau (99%);
  • Reino Unido (68%);
  • Cazaquistão (52%);
  • Nova Zelândia (49%);
  • Austrália (48%);
  • Argentina (47%);
  • Alemanha (45%);
  • Chile (41%);
  • Colômbia (40%);
  • Bélgica (38%);
  • França (33%);
  • Seychelles (33%);
  • Países Baixos (32%).

Parece até encorajador. Mas a realidade é que apenas dois destes países protegeram de forma eficaz mais de 30% das suas águas, diz o relatório: Palau (78%) e o Reino Unido (39%). E 90% das áreas protegidas britânicas ficam nos seus territórios ultramarinos, com as ilhas Pitcairn (Polinésia), Tristão da Cunha e Geórgia do Sul (Atlântico Sul).

Quatro países aumentaram de forma significativa a protecção das suas áreas marinhas desde 2022; Comoros (mais 28%), Omã (mais 16%), França (mais 11%) e Austrália (mais 5%).

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Dourada-de-hotentote nada numa área marinha protegida no oceano Índico, perto da Cidade do Cabo, na África do Sul NIC BOTHMA/EPA

A região onde foram designadas mais áreas marinhas protegidas foi a da América Latina e Caraíbas, cerca de 27%. Mas só 2,5% pode ser considerada como estando sob protecção eficaz. A Europa protegeu 20% da sua área marinha – mas, segundo o relatório, só 7% está realmente protegida. E se a América do Norte protegeu 22% das suas águas marinhas, esse estatuto só vigora de forma efectiva em 17%.

Portugal só com 0,2% de protecção efectiva

No relatório, os valores apresentados para Portugal são reduzidos também: 4,5% de áreas marinhas protegidas, mas só 0,2% sob protecção efectiva, bem abaixo dos valores europeus.

E o que é mais perturbante, quando estamos a lidar com um calendário apertado – 2030 está já aí – é que nenhuma destas regiões anunciou planos para aumentar a cobertura de protecção marinha, com a COP16 da biodiversidade à porta (21 de Outubro a 1 Novembro em Cali, na Colômbia), salientou Melissa Wright, da Iniciativa Bloomberg para o Oceano, outra das entidades que promoveu este relatório.

“A meta 30x30 é uma oportunidade histórica para garantir um futuro sustentável para o oceano. Apesar de uns pontos brilhantes, aqui e ali, e algum impulso para a ratificação do Tratado do Alto Mar, este novo relatório mostra que quase não houve progressos desde 2022”, afirmou Wright.

Um outro estudo, da empresa Dynamic Planet e da iniciativa Pristine Seas da Sociedade National Geographic quantifica o atraso nesta meta calculando quantas áreas marinhas protegidas seria preciso criar até 2030 para passar dos actuais 8% de protecção para os 30% com que os países que assinaram a Convenção das Nações Unidas da Biodiversidade se comprometeram.

Usando dados da Base de Dados das Áreas Marinhas Protegidas, os investigadores consideraram dois padrões de zonas de protecção, em termos da sua dimensão: áreas marinhas protegidas grandes (com 100 mil km2, em média), em áreas remotas, para além das águas territoriais (12 milhas) ou em torno de ilhas oceânicas; e pequenas áreas de protecção, com 10 km2 em média, nas zonas territoriais (dentro das 12 milhas costeiras).

Mais 190 mil áreas protegidas...

Então, para cobrir o abismo que hoje nos separa entre a realidade e a meta prometida para 2030, seria preciso criar 190 mil pequenas áreas marinhas protegidas nas regiões costeiras, e mais 300 áreas protegidas em zonas mais distantes, dizem. O artigo foi submetido para publicação numa revista científica com revisão pelos pares, a Marine Policy, mas uma versão está disponível para consulta aqui.

“O número exacto de novas áreas marinhas protegidas que será necessário criar depende da sua dimensão e dos padrões estabelecidos, que permitam dizer se está realmente protegida. Mas a escala do desafio é inegável”, comentou Juan Mayorga, co-autor do estudo e cientista da iniciativa Pristine Seas da National Geographic, citado num comunicado de imprensa.

Países com extensas costas e grandes zonas económicas exclusivas (até 200 milhas marítimas) têm de fazer contribuições significativas para a meta 30x30, sublinham os cientistas. Entre eles, Indonésia, Canadá, Rússia e Estados Unidos, com a maior necessidade de novas áreas protegidas na região do Leste da Ásia e do Pacífico, seguindo-se a Europa, Sul da Ásia e o Triângulo de Coral (Malásia, Papuásia-Nova Guiné, Filipinas, Ilhas Salomão, Timor-Leste e Indonésia também).

O problema, adiantou Melissa Wright, é que “é pouco provável que a maioria das áreas marinhas protegidas que já existem e que estão a ser criadas garantam uma protecção significativa para a biodiversidade marinha”, dado o baixo nível de protecção geral.

Até 23 de Setembro, só 19 países e a União Europeia tinham submetido metas nacionais de conservação da biodiversidade marinha ao secretariado da Convenção da Biodiversidade das Nações Unidas, em preparação da COP16, adianta o relatório.

Financiar e garantir que a protecção das áreas marinhas é efectiva, aumentar o número de zonas protegidas a nível nacional e internacional, e envolver as populações locais ou indígenas são factores fundamentais para o sucesso da meta 30x30, identifica o relatório.

E ratificar o Tratado do Alto Mar, para se começarem a criar áreas para proteger a biodiversidade marinha internacionais, para além das zonas de jurisdição nacional de cada país. “Ainda há tempo para os governos cumprirem os seus compromissos, se agirem de forma urgente. A COP16 da Biodiversidade é a oportunidade para anunciar novas contribuições e financiamentos para o objectivo 30x30 e manter-nos no rumo certo”, afirmou Melissa Wright.

Já 105 países assinaram o Tratado do Alto Mar, Portugal incluído, mas só entrará em vigor quando se atingirem as 60 ratificações. No entanto, poucas nações o ratificaram e nem um sequer da União Europeia: Bangladesh, Barbados, Belize, Chile, Cuba, Maldivas, Maurícia, Estados Federados da Micronésia, Mónaco, Palau, Seychelles, Singapura e Timor-Leste.