Sindicato do Ensino Superior critica “clima de suspeição” contra docentes na UTAD

Em causa declarações do reitor onde se vangloria de ter acesso a informação que lhe permite saber tudo os professores: “quando faltam às aulas, quando fazem batota”. Reitor emitiu comunicado interno.

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Emídio Gomes foi presidente da CCDR-Norte e é reitor da UTAD desde 2021 Fernando Veludo/NFACTOS
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O Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP) criticou esta quarta-feira o reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) por se "vangloriar de tudo saber" sobre os docentes e alertou para um "clima de suspeição" naquela academia.

Através de um comunicado interno, divulgado esta quarta-feira e a que a Lusa teve acesso, o reitor Emídio Gomes disse que em nenhum momento interferiu, ou interfere, com qualquer docente da UTAD, no que "respeita aos rigorosos princípios de liberdade, isenção e lealdade para com todos eles, sem excepção".

"Esta é uma prática de que me orgulho e todos sabem que a pratico", afirmou.

A posição do sindicato foi tomada depois de declarações do reitor da academia transmontana, em 9 de Outubro, durante um evento na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

Na ocasião, e segundo cita o SNESUP, o reitor disse: "Eu quatro vezes por ano fecho-me com a totalidade dos meus núcleos de curso, à porta fechada, e com um "confidencial agreement" em que o que lá se passa não é utilizado como fonte. Eu sei tudo sobre os meus professores! Já agora, eu antes de ser reitor da universidade, eu fiz uma amostra de 100% dos meus docentes do quadro da universidade. Sei exactamente o que cada um deles faz, como está, quando faltam às aulas, quando fazem batota com as aulas, quando não põem lá os pés! Sei isto tudo sobre cada um com este cuidado, conheço as debilidades da minha própria instituição, no sentido de a fortalecer".

"O teor destas declarações lança um clima de suspeição relativo à prestação dos docentes da UTAD, que não é de todo admissível", frisou o SNESUP.

Acrescentou que o "recurso ao método alardeado pelo magnífico reitor da UTAD, de delação anónima em ambiente não institucional, não permite aos docentes qualquer tipo de contraditório, lesando os seus direitos e ofendendo a sua dignidade pessoal e profissional".

O sindicato garantiu que defende que as observações dos estudantes ao desempenho dos docentes são de enorme importância e devem ser tidas em conta, mas para tal, acrescentou, existem, em todas as instituições de ensino superior, e também na UTAD, instrumentos validados para esse efeito.

Apelo a que Governo repudie declarações

Para o SNESUP, as declarações do reitor revelam "que existe na UTAD uma cultura do medo e da prepotência", e pediu "à comunidade académica da UTAD, ao seu Conselho Geral e ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação que repudiem este tipo de práticas não conformes com o estado de direito democrático".

A Lusa tentou ouvir o reitor, que optou por não reagir publicamente.

No entanto, na comunicação interna, Emídio Gomes disse que a sua intervenção, na Universidade do Porto, aconteceu na resposta a uma questão colocada pelos estudantes sobre a sua participação efectiva na avaliação dos modelos pedagógicos, nomeadamente dos docentes.

"A realização regular de reuniões do reitor com os núcleos de estudantes é uma prática pública, saudável, já que são eles o nosso maior foco, sempre assumida de forma transparente perante a academia. Nestas reuniões são analisados diversos aspectos do funcionamento geral da UTAD e dos Serviços de Ação Social (SASUTAD), incluindo as unidades curriculares da vasta oferta formativa", escreveu ainda.

Emídio Gomes acrescentou: "É óbvio que sempre que são reportadas ocorrências de práticas pedagógicas indevidas, mesmo que pontuais, é meu dever dar cumprimento escrupuloso ao direito de reserva e confidencialidade, nunca sendo a informação usada directamente pelo reitor, constituindo este um princípio fundamental".

E, por fim, salientou que continuará "a ouvir os estudantes da UTAD, como parte fundamental dos interesses da instituição", e que "não será uma minoria que irá alterar esta prática de elementar importância".

Emídio Gomes é reitor da UTAD desde 2021.

BE questiona o ministro

Entretanto, o Bloco de Esquerda questionou esta quarta-feira o ministro da Educação, Ciência e Inovação sobre estas declarações.

Na pergunta, dirigida ao ministro Fernando Alexandre, o grupo parlamentar bloquista diz ter sido informado de que estas declarações surgem "no seguimento de outras semelhantes em reuniões internas e estão relacionadas com processos disciplinares a docentes" e referem que os professores universitários e dirigentes sindicais André Carmo e Pedro Oliveira denunciaram esta situação no artigo "As vigilâncias do senhor reitor", publicado no jornal PÚBLICO.

"Este caso aponta para um problema de falta de democracia interna na UTAD. Infelizmente, as insuficiências democráticas do regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES), que atualmente se encontra em revisão, tornam as Universidades e os Politécnicos permeáveis ao excesso de centralização do poder e a todos os problemas que daí decorre. Tirar lições deste tipo de situações só fortalece a necessidade de uma gestão verdadeiramente democrática das instituições de ensino superior", é defendido na pergunta.

Para o BE, as declarações em causa do reitor da UTAD "são da maior gravidade", argumentando que "comportamentos persecutórios, de intimidação e antidemocráticos não podem ter lugar nas instituições de Ensino Superior".

Neste contexto, os bloquistas pretendem saber se o Governo teve conhecimento desta situação, como se posiciona e que acções irá tomar "para responder às preocupações da comunidade académica com o ambiente persecutório denunciado pelos sindicatos e patente nas palavras do próprio reitor da UTAD".

Texto actualizado às 18h54 com a pergunta do Bloco de Esquerda