Farofa, açaí, tapioca, pão de queijo, havaianas. Vai um produto brasileiro aí?

Produtos característicos do Brasil ganham espaço em Portugal e o público já não se restringe aos brasileiros que vivem no país. Empresas querem crescer para outros países da Europa.

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Liel Miranda, presidente executivo da Alpargatas, tem planos de expandir a marca em Portugal Wanezza Soares
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Nos últimos anos, Portugal se tornou um destino cada vez mais atrativo para empreendedores brasileiros, atraídos por um ambiente econômico favorável e a proximidade cultural. Esses empresários não apenas levam seus produtos e serviços para terras lusitanas, como, também, o espírito inovador que caracteriza o Brasil. Segundo estudos do Banco de Portugal e da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), o estoque de investimentos diretos brasileiros em solo luso alcançou 53 bilhões de euros (53 mil milhões de euros, o equivalente a R$ 318 bilhões) em 2023, um crescimento de 10% em relação ao ano anterior.

Essa injeção de capital gera mais do que empregos, traz frescor cultural ao mercado local, refletindo a força da imigração e do empreendedorismo. É o caso da Oakberry, que surgiu em 2016 em São Paulo, onde o primeiro quiosque foi inaugurado. A proposta era simples: oferecer uma alternativa saudável e saborosa à alimentação urbana.

Em apenas dois anos, a marca expandiu suas operações internacionalmente, chegando a mercados como Austrália e Emirados Árabes. Ao entrar em Portugal, em 2019, a Oakberry encontrou consumidores receptivos, movidos pelo crescente interesse por alimentos saudáveis e pela proximidade cultural com o Brasil. A marca consolidou rapidamente sua presença em Portugal, estabelecendo 45 unidades espalhadas pelo país, com mais oito em fase de implantação.

A estratégia de expansão foi agressiva, visando garantir presença em diversas regiões, sobretudo, Lisboa e Porto. O planejamento incluiu investimento de cerca de 1 milhão de euros (R$ 6 milhões) em logística e distribuição, o que potencializou a capacidade de atender à demanda. A Oakberry prevê faturamento de 12 milhões de euros (R$ 72 milhões) em 2024, aumento de 50% em relação ao ano anterior.

Parte desse sucesso se deve ao posicionamento do açaí como uma refeição saudável, não apenas uma sobremesa. A marca se diferenciou ao enfatizar os benefícios nutricionais da fruta, atraindo um público preocupado com saúde e bem-estar. Os consumidores portugueses têm incorporado o açaí em suas dietas diárias, não apenas como lanche, mas, também, como refeição completa, refletindo uma mudança nos hábitos alimentares.

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Ricardo Cherto, sócio da Oakberry, comemora as 45 unidades espalhadas por Portugal e anuncia mais oito em fase de implantação. Arquivo pessoal

Apesar do sucesso, o caminho não foi fácil. Um dos maiores desafios enfrentados pela Oakberry foi a burocracia. Uma das questões enfrentadas pela marca foi a necessidade de readequar o rótulo do açaí. “No Brasil, o termo orgânico é amplamente utilizado, mas, em Portugal, a legislação exige o uso do termo biológico para produtos que não passam por processos industriais”, diz Ricardo Cherto, sócio-diretor de Franquias na Oakberry Açaí Bowls, que detém a licença da marca em Portugal.

Com uma base sólida em Portugal, a Oakberry planeja se expandir pela Europa, para mercados estratégicos como França, Reino Unido e Holanda. Além disso, a diversificação do portfólio com novas opções de snacks e barrinhas de proteína deve solidificar a presença da marca no continente. A empresa também está explorando parcerias com influenciadores e nutricionistas para aumentar a visibilidade e reforçar seu compromisso com um estilo de vida saudável.

Conforto nos pés

A marca Havaianas, conhecida mundialmente por suas sandálias icônicas, se consolidou em Portugal como um exemplo de como a brasilidade pode ser um diferencial no exterior. Sob a liderança de Liel Miranda, presidente-executivo da Alpargatas, a marca estabeleceu um forte plano de expansão na Europa, com Portugal figurando entre os 15 países prioritários.

Segundo a direção, apesar de sua popularidade, com reconhecimento superior a 90% entre os portugueses, a marca enfrenta o desafio de manter a autenticidade ao competir com grandes nomes da moda em um mercado dinâmico. A logística de importação, uma vez que todas as havaianas são produzidas no Brasil, também apresenta complexidades.

Para facilitar a entrega e manter a qualidade do produto, a Alpargatas estabeleceu centros de distribuição na Espanha. Esse processo envolve um planejamento logístico rigoroso, pois a empresa deve garantir que as sandálias cheguem aos pontos de venda em condições ideais.

A identidade das havaianas está intrinsecamente ligada ao estilo de vida descontraído e alegre dos brasileiros. Este soft power tem impactado positivamente as vendas, com a bandeira do Brasil na tira das sandálias sendo um dos modelos mais vendidos em Portugal. A marca não apenas representa um produto, mas uma conexão emocional com a cultura brasileira. Eventos promocionais como festas de verão e shows têm sido utilizados para aumentar a visibilidade dos produtos e reforçar a conexão emocional.

Com um plano de marketing robusto e colaborações de prestígio, como a parceria com a Dolce & Gabbana, a Alpargatas busca constantemente inovar. “A empresa pretende expandir sua presença no mercado português, explorando campanhas que reforcem sua imagem como ícone de estilo e conforto”, diz Liel Miranda. Além disso, a companhia está atenta às tendências de moda e ao comportamento dos consumidores, adaptando seus produtos e lançando novas coleções que reflitam essas mudanças.

Tradição fala alto

A M. Dias Branco, uma das maiores indústrias alimentícias do Brasil, está se estabelecendo em Portugal, particularmente, por meio da sua marca de biscoitos e snacks, Piraquê. César Reis, diretor de exportação da empresa, destaca que Portugal é visto como uma plataforma para a expansão da M. Dias Branco na União Europeia.

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César Reis, diretor de exportação da M. Dias Branco, prevê novos produtos para o mercado luso Arquivo pessoal

Embora a empresa não tenha criado uma marca específica para o mercado português, os produtos da Piraquê têm conquistado os consumidores. A estratégia é levar o "sabor do Brasil" para terras lusitanas sem modificar as receitas, garantindo autenticidade e qualidade. A linha de biscoitos e snacks é um reflexo das tradições culinárias brasileiras, o que a torna única no mercado português.

A participação da M. Dias Branco nas exportações para Portugal ainda é pequena. O foco nos próximos anos será expandir sua atuação nas Américas, enquanto mantém um olhar atento para as oportunidades no mercado europeu. A empresa está explorando novas categorias de produtos que podem ser introduzidas no mercado português, adaptando-se às preferências locais.

Culinária em crescimento

O pão de queijo, uma das iguarias mais queridas do Brasil, tem encontrado um lar em Portugal por intermédio da marca Seu Sabor, criada por Bruno Barbosa e a mulher, Ana Fonseca. Desde sua fundação, em 2021, a empresa tem crescido exponencialmente, levando o sabor autêntico do pão de queijo a um público cada vez maior.

A aceitação do produto começou na comunidade brasileira, mas rapidamente se espalhou entre os portugueses, que se apaixonaram pelo pão de queijo. Barbosa relata que, além de atender à comunidade brasileira, o pão de queijo se tornou um item apreciado, sendo consumido em lanches, mas, também, em festas, eventos e até em cerimônias de casamento.

A Seu Sabor começou com uma produção modesta, mas a qualidade e a autenticidade rapidamente se destacaram. A fábrica, localizada no Parque das Nações, em Lisboa, inicialmente tinha capacidade para produzir cinco toneladas de pão de queijo por mês. No entanto, com o aumento da demanda e a crescente popularidade do produto, a produção já atinge 10 toneladas mensais. Além do pão de queijo, a marca introduziu, entre os portugueses, outros salgados brasileiros, como coxinhas e bolinhas de queijo, ampliando ainda mais seu portfólio.

Barbosa e Ana investiram 130 mil euros (R$ 780 mil) de capital familiar para iniciar a operação. Atualmente, a empresa gera cinco empregos diretos e pelo menos dez indiretos, movimentando a economia local e contribuindo para a criação de postos de trabalho em um setor que, até então, era pouco explorado por empreendedores brasileiros em Portugal. Essa geração de emprego fortalece a marca e ajuda a integrar a cultura brasileira na comunidade local.

A adaptação ao mercado português e a superação de preconceitos iniciais foram obstáculos. Muitas pessoas questionavam a aceitação do pão de queijo, contudo, o boca a boca provou que havia espaço para produtos brasileiros de qualidade. “Se o produto for bom, o mercado está sempre aberto. Portugal é um país que valoriza a qualidade e a tradição, e nós conseguimos entregar isso com o nosso pão de queijo”, afirma o empresário.

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Para atender à demanda, a produção de tapioca pela TAPIOFIT vai saltar de duas toneladas para cinco toneladas ao mês. Divulgação

Para o futuro, a Seu Sabor planeja consolidar presença no mercado português e expandir as operações de exportação para outros países europeus. Barbosa já começou a sondar mercados na Espanha, Inglaterra e França, com a expectativa de que a aceitação do pão de queijo se repita por lá. A marca também busca aumentar sua presença em supermercados, revendedores e hotéis em Portugal, ampliando o alcance e diversificando seus canais de venda.

Colonização

A tapioca é um produto derivado da mandioca, que foi a base da alimentação no Brasil durante a colonização do território pelos portugueses. É muito tradicional da culinária brasileira e tem conquistado espaço em Portugal, graças ao esforço de Cláudia Freire e o marido, o português Paulo Amaral. Desde a chegada a Portugal, em 2017, Cláudia tem trabalhado para popularizar a tapioca, um produto que, até então, era pouco conhecido entre os portugueses.

Cláudia começou sua jornada empreendedora no setor de confeitaria, produzindo doces sem glúten. Porém, a introdução de seus produtos no mercado português foi lenta, uma vez que a demanda ainda era pequena à época. O ponto de virada ocorreu quando ela começou a fazer tapioca em casa e os vizinhos se mostraram encantados com a novidade. Incentivada pelo feedback positivo, Cláudia decidiu investir na produção de tapioca e criar sua própria marca, a TAPIOFIT.

Para introduzir a tapioca no mercado, Cláudia e Paulo realizaram workshops e degustações em diversas localidades, incluindo hospitais e pequenas lanchonetes. A insistência em educar os consumidores sobre o que era a tapioca foi crucial para quebrar a resistência inicial. Durante a pandemia de Covid-19, a busca por opções de alimentação saudável aumentou, e a tapioca se destacou como uma alternativa prática e nutritiva, contribuindo para o crescimento das vendas.

Atualmente, a empresa produz cerca de duas toneladas de tapioca por mês. O portfólio da marca inclui não apenas a tapioca tradicional, mas também variações como a de batata-doce e a de açaí. Claudia planeja aumentar a capacidade para cinco toneladas mensais nos próximos dois anos, com foco especial em atender o mercado europeu.

Um de seus principais clientes já começou a vender os produtos da TAPIOFIT na Espanha, o que representa uma oportunidade de expansão. O casal acredita que o mercado europeu está mais aberto a produtos brasileiros de qualidade, e a tapioca pode conquistar espaço não apenas em Portugal, mas em todo o continente.

Cláudia reconhece que o crescimento em Portugal é um processo lento, que demanda paciência e resiliência. A construção da marca e a fidelização dos consumidores são aspectos essenciais para o sucesso. “Em Portugal, as coisas acontecem devagar, mas, com persistência, conseguimos ver resultados. Cada feedback é uma oportunidade de melhorar e adaptar nosso produto ao gosto dos consumidores”, afirma.

Sabor e identidade

A Yoki, marca icônica no Brasil, tem desempenhado papel fundamental na manutenção das tradições culinárias brasileiras em Portugal. Com a crescente demanda por produtos que representem a culinária do Brasil, a Yoki já está presente em diversas redes de supermercados e planeja dobrar as exportações para o país. Para brasileiros expatriados, os produtos Yoki são memória afetiva. A farofa, em particular, se destaca como um acompanhamento típico do churrasco brasileiro.

Nos últimos anos, a Yoki tem se destacado pela sua presença crescente em Portugal, uma resposta direta à demanda da comunidade brasileira da ordem de 600 mil pessoas, que buscam manter viva a tradição culinária do Brasil. A marca já está presente nas maiores redes de supermercados do país, como Continente, Auchan e Intermarché, além de lojas especializadas em produtos brasileiros. Essa expansão tem permitido que tanto brasileiros quanto consumidores locais descubram os sabores tradicionais do Brasil.

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A farofa é dos produtos mais consumidos pelos brasileiros em Portugal, e o motivo é a saudade de casa Divulgação

Apesar do sucesso, o processo de exportação de alimentos não é simples. Trazer produtos alimentícios de um país para outro envolve uma série de desafios logísticos e regulatórios. A Yoki, no entanto, tem conseguido superar essas barreiras por meios de sua parceria com a Origins Foods, parte do Grupo Requinte Brazil, que atua como distribuidora oficial dos produtos da marca em território português. O plano de expansão da Yoki para o mercado português não se limita ao aumento das exportações. A General Mills, dona da Yoki, pretende continuar ampliado a distribuição no país.

Celebração da cultura

O Rock in Rio Lisboa é um evento que vai além da música, funcionando como uma plataforma para a promoção da cultura brasileira em solo europeu. Realizado pela primeira vez em 2004, o festival se tornou um marco na cena musical e cultural de Portugal, atraindo visitantes de todo o mundo.

Desde sua primeira edição, o Rock in Rio Lisboa tem evoluído significativamente. A 10ª edição, realizada em junho de 2024, não só celebrou duas décadas de história, mas também reafirmou o festival como um dos maiores eventos de música da Europa. Com um público de 300 mil pessoas, a edição deste ano incluiu artistas de renome internacional.

O festival gerou impacto econômico significativo, não apenas para a indústria da música, mas também para o setor de turismo em Lisboa. Os números falam por si: 80 mil visitantes em dias de pico e milhões de pessoas alcançadas por transmissões ao vivo. Essa conexão entre Brasil e Portugal se reflete na troca cultural e na promoção de artistas e músicos de ambos os países.

Um dos aspectos mais impactantes do Rock in Rio Lisboa é seu engajamento com a comunidade local. O festival promoveu uma série de workshops e atividades voltadas para jovens, incentivando a criatividade e a expressão artística. Isso não só fortaleceu os laços entre os organizadores do festival e a população local, como ofereceu aos jovens a oportunidade de se envolver em um evento de grande escala, criando uma sensação de pertencimento e orgulho cultural.

A lista de artistas (line-up) da 10ª edição do festival foi cuidadosamente selecionado, para refletir a diversidade cultural que caracteriza tanto Portugal quanto o Brasil. Com a presença de diferentes gêneros musicais, como rock, pop, e música eletrônica, o festival se tornou um espaço onde diversas culturas se encontram. Com o sucesso desta edição, as expectativas para futuras realizações são altas. Roberta Medina, vice-presidente do Rock in Rio, destacou que o festival continuará a se expandir, introduzindo novas experiências e atrações que vão além da música.

A organização está planejando um novo espaço dedicado à arte e à cultura, onde os visitantes poderão explorar diferentes expressões artísticas. O Rock in Rio Lisboa se compromete a ser uma plataforma de transformação social, promovendo inclusão e sustentabilidade em cada edição.

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