Relatório da ONU expõe crimes cometidos durante presidenciais venezuelanas

O relatório documenta várias violações e crimes, incluindo contra a humanidade, entre eles a prática de tortura. Venezuela diz que o documento é “novelesco”.

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Há registo de mais de duas mil detenções e de mais de duas dezenas de vítimas mortais na sequência de maifestações que contestavam a vitória de Maduro Alexandre Meneghini / REUTERS
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A Missão Internacional Independente de Determinação dos Factos da ONU para a Venezuela divulgou na terça-feira um relatório a denunciar crimes cometidos pelas autoridades durante as eleições presidenciais de Julho no país.

O relatório, que completa um outro divulgado recentemente, documenta várias violações e crimes, incluindo contra a humanidade, entre eles a prática de tortura para que as vítimas se incriminem por crimes graves como terrorismo.

“Estas violações incluem a detenção arbitrária, a tortura, os desaparecimentos forçados de curta duração e a violência sexual, que são levados a cabo como parte de um plano coordenado para silenciar os opositores ou os presumíveis opositores. Entre as vítimas contam-se crianças e adolescentes, assim como pessoas com deficiência”, explica a Missão.

O documento, de 158 páginas, acusa as forças de segurança e grupos civis armados afectos ao regime de cometerem “assassínios, desaparecimentos forçados, actos de tortura e violência sexual e de género”, antes, durante e depois de umas eleições que foram marcadas pela perseguição a opositores e a repressão de protestos.

A Missão acusa ainda o Serviço Bolivariano de Inteligência (SEBIN, serviços de informações), a Direcção Geral de Contra-Inteligência Militar (DGCIM, serviços de informações militares), a Guarda Nacional Bolivariana (polícia militar) e a Polícia Nacional Bolivariana de estarem “maciçamente envolvidas” em violações dos direitos humanos da população.

“Os detidos são ameaçados, incluindo através de actos de tortura, para se incriminarem por crimes graves como o terrorismo. A falta de provas e a ausência de advogados da sua escolha colocam as vítimas numa posição particularmente vulnerável, uma vez que a auto-incriminação pode conduzir a penas de prisão desproporcionadamente elevadas”, explica o relatório.

De acordo com o documento “é particularmente grave a situação das crianças e adolescentes detidos, que enfrentam as mesmas ameaças e não beneficiam das medidas de protecção especiais exigidas pelo direito internacional”.

Ainda segundo a Missão, 25 pessoas foram assassinadas com arma de fogo, centenas ficaram feridas e milhares foram detidas simplesmente por exercer o direito fundamental à liberdade de expressão.

No relatório, a Missão reitera o apelo ao Estado venezuelano para que liberte todas as pessoas arbitrariamente detidas e respeite a integridade física e psicológica dos detidos, e o direito a um processo justo.

Venezuela diz que relatório da ONU é "novelesco"

A Venezuela condenou o relatório da Missão Internacional Independente de Determinação dos Factos da ONU e classificou o documento de "ser novelesco".

"A Venezuela rejeita energicamente o panfleto publicado pela vergonhosa Missão de Determinação dos Factos, por ser um documento novelesco, um guião fantasioso herdado do defunto Grupo de Lima e do regime norte-americano que, apesar da sua danificada moral em matéria de direitos humanos, finge dar lições ao mundo", reagiu na terça-feira Caracas em comunicado divulgado pela Missão Permanente da Venezuela junto da ONU, em Genebra

Na nota, Caracas acusa a Missão Internacional de Determinação dos Factos da ONU de nunca ter estado na Venezuela e de mesmo assim ter gastado mais de seis milhões de dólares (5,5 milhões de euros) "em propaganda política a favor da direita fascista venezuelana".

"A existência desta missão nula é um sinal do sequestro do Conselho dos Direitos Humanos [da ONU] por um pequeno grupo de países ocidentais que tenciona levá-lo a sofrer o mesmo destino que o da antecessora, a falhada Comissão dos Direitos Humanos. Como se isso não bastasse, o seu mandato inválido decorre de uma resolução que obteve mais votos contra e abstenções do que votos a favor", notou.

Segundo o documento, "a missão, além de ter um impacto nulo na cooperação em matéria de direitos humanos com a Venezuela, a pseudo-metodologia e as fontes que utiliza são amplamente questionáveis devido à falta de rigor ao tomar como verdadeiros os relatos das redes sociais” e da imprensa.

"A Missão Permanente da República Bolivariana da Venezuela junto da ONU-Genebra continuará a trabalhar sob o sólido compromisso com os Direitos Humanos e reitera a condenação a qualquer tentativa de impor mandatos aos países sem o seu consentimento", concluiu.

A Venezuela, país que conta com uma expressiva comunidade de portugueses e de luso-descendentes, realizou eleições presidenciais a 28 de Julho, após as quais o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) atribuiu a vitória a Nicolás Maduro com pouco mais de 51% dos votos, enquanto a oposição afirma que o seu candidato, o antigo diplomata Edmundo González Urrutia obteve quase 70% dos votos.

A oposição venezuelana e diversos países da comunidade internacional denunciaram uma fraude eleitoral e exigiram que sejam apresentadas as atas de votação para uma verificação independente, o que o CNE diz ser inviável devido a um ciberataque de que alegadamente foi alvo.

Os resultados eleitorais foram contestados nas ruas, com manifestações reprimidas pelas forças de segurança, com o registo de mais de duas mil detenções e de mais de duas dezenas de vítimas mortais.

Segundo a ONG Fórum Penal (FP), a Venezuela tem 1.916 cidadãos detidos por motivos políticos, dos quais 240 são mulheres e 70 são adolescentes com idades entre os 14 e 17 anos.