Dia Nacional da BD Portuguesa é celebrado pela primeira vez na sexta-feira

Agentes do sector lamentam que não tenha havido uma “discussão transversal” com vista à escolha da data, mas esperam que a efeméride possa ser benéfica, trazendo mais visibilidade aos criadores.

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A BD portuguesa "tem dado provas recentes de grande crescimento, maturidade, profissionalização e qualidade", diz o Livre, que foi o partido a propor esta celebração no Parlamento Maria Abranches
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O Dia Nacional da Banda Desenhada Portuguesa é assinalado em Portugal pela primeira vez esta sexta-feira, 18 de Outubro, e a efeméride é acolhida com algum entusiasmo por autores e editores contactados pela agência Lusa.

A celebração deste dia foi proposta pelo partido Livre e aprovada por unanimidade pelos deputados da Assembleia da República, no final de Setembro.

Num projecto de resolução, o Livre sugeriu que a efeméride fosse a 18 de Outubro porque nesta data, em 2023, a Academia Nacional das Belas-Artes reconheceu a banda desenhada como uma "forma superior de expressão cultural e artística". Para o Livre, esse reconhecimento representou um "passo decisivo que contribuiu para o reconhecimento e a credibilização da banda desenhada portuguesa e de todos os seus intervenientes".

A BD portuguesa "tem dado provas recentes de grande crescimento, maturidade, profissionalização e qualidade", e o reconhecimento pela Academia Nacional de Belas-Artes poderá permitir, por exemplo, "a valorização das potencialidades pedagógicas" da BD no ensino do Português, defendeu o Livre.

Contactado pela agência Lusa, Paulo Monteiro, autor e editor de banda desenhada e director do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, disse que a celebração deste dia "é mais uma maneira de se falar da banda desenhada, e isso é importante".

"Não acho que o dia seja o mais significativo na história da BD portuguesa, mas acho que é importante a sua entrada como uma das disciplinas da Academia de Belas-Artes. É uma data em que cabem todas as outras datas", disse.

Se pudesse, Paulo Monteiro teria escolhido como Dia Nacional da Banda Desenhada Portuguesa a data de 3 de Agosto — foi nesse dia que, em 1850, foi publicada na Revista Popular "Aventuras Sentimentais e Dramáticas do Sr. Suplício Baptista", considerada a primeira prancha nacional de banda desenhada, da autoria de Flora.

Em declarações à Lusa, o investigador académico Pedro Moura lamentou que não tenha havido "nenhum tipo de discussão transversal" sobre a escolha da data a não ser aquela referência à decisão da Academia Nacional de Belas-Artes.

"A data não é uma efeméride em particular, sobre uma publicação ou o nascimento de alguém — e esse alguém deveria ser o [Rafael] Bordalo Pinheiro. [...] Não nego que haja valor, [mas] não houve discussão com a comunidade, entre investigadores, autores, editores. Foi uma decisão de um grupo pequeno, ainda bem, mas não reflecte a história da BD em Portugal", disse.

Pedro Moura, ele próprio com obra publicada enquanto investigador e argumentista, considera que a data poderá ser aproveitada por editoras ou entidades na promoção e divulgação de BD, mas, frisa, continua a não haver crítica e pensamento sobre este género literário.

Sobre a relevância deste dia nacional, Paulo Monteiro concorda que servirá para o mercado promover e divulgar banda desenhada.

"Não sei se vai trazer mais leitores, mas é mais um motivo para se falar, para se conversar, e isso não é necessariamente mau. E acaba por funcionar como um pretexto para os livreiros acarinharem a BD pelo menos neste dia, de uma forma diferente, nas livrarias generalistas; por isso, alguma coisa fará mexer", diz.

"A BD não é fazer um bonequinho em cinco minutos"

Jorge Deodato, um dos fundadores da editora independente Escorpião Azul, cujo catálogo é maioritariamente composto por autores portugueses, contou à Lusa que a criação da efeméride "tem uma relevância imensa". "É um reconhecimento importante de que a banda desenhada é uma forma de arte, que esteve durante anos esquecida e que, de há uns anos a esta parte, estava a lutar para ter um impacto maior", afirma.

O editor acredita que esta celebração será importante para o meio artístico. "A banda desenhada não é fazer um bonequinho em cinco minutos. É uma arte exigente e a maioria dos autores faz tudo sozinho."

Sílvia Reig, responsável pela editora Levoir, aplaude a decisão de se criar este dia nacional, porque ainda há "um certo menosprezo da banda desenhada" em relação a outros géneros literários. "É um dia importante. Vai mudar muito? Não, mas é com pequenos movimentos que conseguimos mudar as opiniões", diz à Lusa.

Uma das colecções recentes publicadas pela Levoir, em colaboração com a RTP, é dedicada a adaptações de grandes clássicos da literatura portuguesa, como Os Maias (Eça de Queirós), A Mensagem (Fernando Pessoa) e Os Lusíadas (Camões). O primeiro volume sai na próxima semana.

"Muitos professores já vieram dizer-me que os livros eram bons e que iriam recomendar aos alunos, e que os dossiers pedagógicos estavam bem feitos. [...] O importante é que os miúdos e graúdos peguem num livro e leiam. É uma porta de entrada para outro mundo", sublinhou Sílvia Reig.

No projecto de resolução para criar este dia nacional, o Livre sustentou que a BD portuguesa "tem demonstrado grande vitalidade e capacidade de renovação" e que, na última década, os números de publicação de BD em Portugal "demonstram um sector em crescimento e com maior visibilidade".

Jorge Deodato também tem a percepção de que a produção está a aumentar, a oferta é maior e há "uma maior densidade de autores", enquanto Paulo Monteiro descreve-o como "um momento particularmente positivo". "Estamos muito longe dos anos 1980 e 1990, em que o mercado franco-belga dominava", refere este último. "Neste momento são mais de 200 autores a trabalhar. Há muita gente a fazer BD e a publicar, nomeadamente nas publicações alternativas e fanzines. Há uma série de festivais — antes só havia o Amadora BD. Há a Bedeteca de Beja e a da Amadora, a renovada Bedeteca do Porto, a Fanzineteca de Aveiro", enumera.

No início de Setembro, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) divulgou um estudo, encomendado à empresa GfK, sobre hábitos de leitura e de compra de livros: este concluía que, nos últimos 12 meses, 22% dos inquiridos tinham comprado banda desenhada.

No que toca aos hábitos de leitura, 11% dos inquiridos disseram ter lido banda desenhada no último ano, numa tabela que era liderada pelo romance. Segundo a APEL, a leitura e a compra de banda desenhada decrescem à medida que a idade do leitor aumenta.

A agência Lusa solicitou à APEL dados específicos sobre vendas de banda desenhada em Portugal, mas não os obteve em tempo útil.

Sobre a existência de banda desenhada nas colecções da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, e sobre o volume de empréstimos deste género literário, fonte da Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas disse à Lusa que os inquéritos feitos regularmente a estes equipamentos apenas revelam uma "caracterização genérica" de actividade e não possuem um grau de detalhe sobre género.