Escassez de água põe em risco metade da produção de alimentos a nível mundial até 2050

A crise da água exige uma nova economia da água, que tem de começar “pelo reconhecimento de que o ciclo da água deve ser governado como um bem comum global”, diz relatório.

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Um refugiado rohingya na Indonésia a transportar água BEAWIHARTA/REUTERS
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Precisamos de uma nova economia da água, valorizá-la de forma diferente, para mudar a situação actual, em que três mil milhões de pessoas vivem em locais afectados pela seca, ou onde é incerto o acesso à água para os fins mais básicos, como beber, lavar-se ou produzir alimentos, diz um novo relatório.

A má gestão persistente da água e o uso destrutivo do solo combinaram-se para criar a crise da água, que as alterações climáticas agravaram.​ A escassez de água põe em risco metade da produção de alimentos a nível mundial em 2050, diz o relatório A economia da Água: Valorizar o Ciclo Hidrológico como um Bem Comum Global, lançado nesta quarta-feira pela Comissão Global sobre a Economia da Água.

Muitos países podem perder cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2050 por causa do mau uso da água. Nos países de rendimentos mais baixos, a queda do PIB pode chegar a 15%, diz o estudo desta comissão, criada por iniciativa do Governo dos Países Baixos, enquanto anfitrião da Conferência da Água das Nações Unidas de 2023. O objectivo deste órgão é redefinir a forma como valorizamos e governamos a água para o bem comum, a Comissão Global sobre a Economia da Água junta um leque variado de especialistas, da economia às alterações climáticas, passando pela elaboração de políticas públicas.

É co-dirigida pela economista Mariana Mazzucato, pela directora-geral da Organização Mundial de Comércio Ngozi Okonjo-Iweala, pelo director-adjunto do Instituto de Potsdam para a Investigação do Impacto das Alterações Climáticas (Alemanha) Johan Rockström, e pelo Presidente de Singapura, Tharman Shanmugaratnam.

“Hoje, metade da população mundial enfrenta a escassez de água e este recurso vital está a rarear cada vez mais. A segurança alimentar e o desenvolvimento humano estão em risco – e estamos a permitir que isto aconteça”, observou, numa conferência de imprensa online, Johan Rockström.

“Pela primeira vez na história da Humanidade, estamos a pôr em desequilíbrio o ciclo global da água. Já não podemos confiar na regularidade da precipitação, que é a origem de toda a água doce, devido às alterações climáticas causadas pela actividade humana. As alterações no uso da terra estão a pôr em causa as bases do bem-estar humano e da economia global”, acrescentou o cientista climático.

A crise da água exige uma nova economia da água, que tem de começar “pelo reconhecimento de que o ciclo da água deve ser governado como um bem comum global”, diz o relatório. “É crítico que seja redefinida a forma como damos valor à água, para reflectir de forma adequada a sua escassez, e ao mesmo tempo reconhecer os múltiplos benefícios da água e de um ciclo hidrológico global estável em todas as economias”, salientou Ngozi Okonjo-Iweala, na conferência de imprensa online.

Se o valor da água for devidamente levado em conta desde o início, a expectativa é que se evite ter de resolver problemas como a poluição da água por uma indústria, por exemplo – ou outras “externalidades”, um conceito económico que se refere aos efeitos colaterais, benéficos ou prejudiciais, que uma dada actividade económica tem sobre terceiros, que não estão envolvidos no processo.

A posição da água nas nossas economias tem de mudar. “Temos de ultrapassar a abordagem reactiva fixada nos mercados para uma pró-activa, que seja capaz de reformular o mercado”, disse Mariana Mazzucato, directora do Institute for Innovation and Public Purpose no University College de Londres. Aquilo a que Mazzucato chama “mudança de paradigma” precisa de ser abordado como uma missão, que envolva todos os níveis da sociedade, do local ao global.

“Para resolver a crise da água temos de pensar em termos mais amplos sobre a forma como a governamos, reconhecer as interacções da água com as alterações climáticas e a biodiversidade”, salientou Tharman Shanmugaratnam, o Presidente de Singapura. O financiamento público e privado tem de ser mobilizado para investir e inovar na água, apelou.

Hoje em dia, morrem mil crianças todos os dias por não terem acesso a água potável. “Se pensarmos e agirmos de forma multilateral, podemos salvar a vida de milhões de crianças e melhorar a vida de muitas comunidades hoje, mas também garantir um futuro melhor e mais seguro para todos”, afirmou o governante.