Por qué no te callas, Pedro Nuno Santos?

Montenegro quer agora fazer-nos crer que o “não é não” ao Chega também se estende à negociação do Orçamento. É falso e só tem um objectivo: amarrar o PS a uma viabilização.

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É muito difícil ser secretário-geral do PS depois de o partido ter perdido as eleições, ao fim de oito anos no poder.

As dificuldades do secretário-geral – e são múltiplas – não justificam a espécie de “lei da rolha” que está a tentar impor aos dirigentes do seu partido que são comentadores nas televisões ou dão entrevistas à comunicação social.

As mensagens deste fim-de-semana, nos discursos dos congressos federativos em que participou, a invectivar socialistas a descer do seu “pedestal” (os comentários televisivos), a pedir um PS “a intervir a uma só voz”, a avisar os seus antigos colegas (Pedro Nuno Santos também foi comentador, ainda que brevemente) que "não são comentadores como os outros", não são aceitáveis num partido como o PS. Vindas de um homem como Pedro Nuno Santos que, durante toda a sua carreira política, nunca se inibiu de criticar publicamente a estratégia do seu partido quando não concordava, é uma contradição total.

A menos que Pedro Nuno tenha aderido àquela teoria de que a liberdade de expressão e a "coragem" para afrontar as direcções partidárias são boas quando somos nós a fazer uso delas e uma tragédia quando são os outros. Infelizmente, essa é a marca de muitos dirigentes quando chegam ao poder. O estranho desejo de uma unanimidade cega, em que ninguém anda na rua a divergir do “chefe”, além de ser uma inanidade, é contraditória com o percurso político do secretário-geral.

Isto é preocupante por duas razões: a primeira é que o PS sempre foi um partido plural, embora tenha havido momentos piores. Essa liberdade diminuiu no tempo de José Sócrates e António Costa não adorava a divergência interna.

Mesmo assim, havia sempre alguém que resistia: Pedro Nuno Santos resistiu a António Costa e até a Sócrates – quando esteve em causa a legalização do casamento gay.

É agora o homem que afrontou António Costa com uma moção quase de “estratégia” no congresso da Batalha, em 2018, que vem pedir aos “comentadores” para serem bem-comportados e seguirem o líder? É tão descolado da realidade do que sempre foi o PS (e ele próprio) que parece não ter explicação.

Façamos duas tentativas de interpretação. Pedro Nuno Santos está desesperado com o processo do Orçamento e começa a disparar, qual Lucky Luke, mais rápido do que a própria sombra. A outra tentativa de perceber o que deu ao secretário-geral não é melhor: será que Pedro Nuno Santos sente que o partido lhe está a fugir? É que nenhum líder que se sinta seguro diz aquelas coisas no espaço público. Não há uma alminha, entre os seus amigos e assessores políticos, que o mande calar?

Quanto às negociações Governo-Chega: independentemente da quantidade de mentiras que André Ventura possa ter dito nas entrevistas que deu esta semana, é óbvio que o Governo negociou com o Chega, mesmo que não tenha prometido nenhum lugar no Governo.

As duas reuniões do Governo com o Chega em São Bento estão confirmadas. Hugo Soares, o líder parlamentar do PSD, deu várias entrevistas onde afirmou que evidentemente o PS era “o parceiro preferencial”, mas a negociação era com “todos, todos, todos”.

Lá porque Luís Montenegro quer agora fazer-nos crer que o “não é não” ao Chega também se estende à aprovação do Orçamento do Estado, não deixa de ser uma falsa narrativa do primeiro-ministro com um objectivo político: amarrar o PS a uma viabilização.

É óbvio que dá muito mais jeito ao Governo ser o PS a abster-se no Orçamento do que ser o Chega a votar a favor. Foi Hugo Soares, no Chão da Lagoa, na Madeira, que admitiu que o Chega viabilizasse o Orçamento – tal como tinha feito na Madeira. Depois de ter sublinhado que o programa do Chega tinha semelhanças com o do PS (por causa das propostas do fim do pagamento das Scuts aprovadas no Parlamento), o líder parlamentar do PSD disse: “Creio que é possível também que o programa do Chega tenha ideias com similitude com os demais programas”.

A 11 de Abril, em entrevista PÚBLICO/Rádio Renascença, Hugo Soares, apesar de pedir ao PS “um juízo construtivo”, disse que iria dialogar com “todos, todos, todos” e admitiu ir falar também com o Chega com vista à aprovação do Orçamento.

Nunca o “não é não” expresso por Montenegro excluiu a negociação do Orçamento do Estado entre Governo e Chega. O primeiro-ministro só diz agora o contrário porque lhe dá jeito encostar o PS à parede.

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