“Será difícil realizar as eleições normalmente em Cabo Delgado devido à ameaça contínua de ataques”

Secretariado eleitoral diz que há condições para o escrutínio na província moçambicana, em guerra desde 2017. Analista e investigador falam de zonas onde a situação é instável e o medo ainda perdura.

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Clésio Foi, analista eleitoral e porta-voz da Plataforma Mais Transparência DR
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Moçambique vai às urnas esta quarta-feira mais uma vez com uma guerra no extremo norte do seu território. Com o Governo, as autoridades eleitorais e a Frelimo assegurando que estão reunidas as condições para os pouco mais de 1,4 milhões de eleitores recenseados em Cabo Delgado exercerem o seu direito voto, as empresas de análise de segurança avisam para riscos em toda a província.

Por exemplo, a empresa de consultadoria estratégica Sibylline, no seu relatório sobre Moçambique de 17 de Setembro, alertou para “o risco elevado” de o grupo jihadista Al-Sunnah wa al-Jamaa, conhecidos habitualmente por Alshabab entre os moçambicanos, procurar “perturbar o processo eleitoral para capitalizar a instabilidade, aumentando os riscos de ataque na província de Cabo Delgado”.

Segundo o investigador João Feijó, do Observatório do Meio Rural, a situação de segurança “varia muito de distrito para distrito” e, por isso, há condições para votar no Sul e Oeste da província, “mas ao longo da costa, entre Quissanga (inclusive) e Mocímboa da Praia (exclusive) a situação é mais complicada”. Em Quissanga até há segurança, só que “a população está muito zangada porque deixou de receber ajuda humanitária e muitos ameaçam que não vão votar”.

Se na costa de Macomia, distrito de densas florestas onde decorre uma operação militar conjunta entre o exército moçambicano e as forças ruandesas para erradicar os jihadistas, a situação não está controlada, o mesmo se poderá dizer da zona costeira de Mocímboa da Praia, vila onde os primeiros ataques dos jihadistas se realizaram faz este mês sete anos.

Na zona maconde, nos planaltos de Mueda e Muidumbe, “a novidade talvez seja a existência de um maior número de jovens a fazer campanha para a oposição, gritando ‘Frelimo, suka’, expressão que quer dizer "vai-te embora de forma muito depreciativa". A tendência maconde de apoio à oposição já vinha de antes, lembra o investigador, mas continua a aumentar.

Esta terça-feira em Pemba, o director provincial do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), garantia, citado pela Agência de Informação de Moçambique, que “onde existe um caderno vai existir uma mesa, e essa mesa vai funcionar esta quarta-feira”, explicando: “Todo o material já está nas vilas sedes distritais e a estratégia é colocar os materiais em zonas mais seguras. Nas menos seguras vamos colocar através de meios alternativos, nomeadamente, aéreos e barcos.”

Clésio Foi, analista eleitoral e porta-voz da Plataforma Mais Transparência, não está muito convencido. Em declarações ao PÚBLICO, garantiu que “há zonas sob influência de grupos insurgentes, principalmente no norte de Cabo Delgado, onde as condições de segurança permanecem instáveis”, e onde “será difícil realizar as eleições normalmente devido à ameaça contínua de ataques”.

Questionada sobre o assunto, a porta-voz da Frelimo, o partido no poder, foi cautelosa na resposta sobre se estariam garantidas as medidas de segurança para realizar o acto eleitoral desta quarta-feira em toda a província. “Como partido, não o podemos afirmar, mas penso que as Forças de Defesa e Segurança junto dos órgãos eleitorais estão a fazer um trabalho aturado para garantir que a segurança seja suficiente”, disse Ludmila Mwa Maguni.

“Durante a campanha tivemos a oportunidade de estar em Mocímboa, de estar em Mueda, de estar em locais que são considerados críticos em relação à situação da segurança e conseguimos fazer a campanha com bastante tranquilidade. Então esperamos nós que as forças de defesa e segurança continuem a manter a segurança nestes locais para que todos aqueles com direito de votar o possam fazer”, acrescentou.

O porta-voz da Plataforma Mais Transparência reconhece que “alguns partidos” conseguiram “realizar as suas actividades em várias partes da província”. Aliás, como lembra Feijó, Venâncio Mondlane, o grande outsider nesta corrida presidencial que ameaça o segundo lugar do candidato da Renamo, Ossufo Momade, fez em Pemba uma marcha que ficou “famosa” porque conseguiu mobilizar “espontaneamente milhares de jovens locais”.

No entanto, “a campanha foi limitada em áreas com maior presença de insurgentes, como é o caso dos distritos de Quissanga, Macomia, Mocímboa da Praia, Nangade e um pouco de Ancuabe”, explica Clésio Foi. Aliás, “em regiões mais afectadas, como Mocímboa da Praia, as operações de campanha foram seriamente prejudicadas”.

Nas últimas eleições, lembra João Feijó, “os alshababs ameaçaram a população para não participar nas eleições, o que desincentivou a participação, sobretudo fora das vilas-sede distritais”. Desta vez, isso não aconteceu, mas mesmo assim, o temor não se desvaneceu. “O ambiente de medo entre os eleitores e as dificuldades logísticas limitaram o alcance das campanhas”, sublinha o analista eleitoral.

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