Pressa para distribuir fundos europeus no fim do prazo leva a cada vez mais erros

Auditoria ao orçamento da UE para 2023 mostra que as administrações nacionais cometem cada vez mais falhas, sobretudo nos fundos de coesão. Taxa de erro sobe pelo quarto ano consecutivo.

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Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia STEPHANIE LECOCQ (Arquivo)
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Depressa e bem há pouco quem. Diz o ditado e diz o Tribunal de Contas Europeu, depois de auditar o orçamento da União Europeia (UE), concluindo que a pressa que os 27 Estados-membros sentem para gastar dinheiro na parte final dos quadros de apoio europeu leva a cada vez mais erros nas despesas da UE.

“À imagem dos anos anteriores, a taxa de erro estimada nas despesas do orçamento da UE aumentou”, resumem os auditores, “é generalizada e passa dos limites”. No último exercício anual, relativo a 2023, esta taxa de erro voltou a subir, pelo quarto ano consecutivo, dos 4,2% em 2022 para 5,6%.

Porquê? Porque, à medida que os diferentes fundos europeus se aproximam do fim do seu período de validade, as “administrações dos países estão debaixo de muita pressão para usarem depressa as verbas”, para não correrem o risco de perderem o dinheiro.

O problema nota-se mais na distribuição de verbas dos chamados fundos de coesão, de que são grandes “clientes” países como Polónia, Espanha, Itália, Grécia, entre outros – como Portugal.

Em três anos, de 2021 a 2023, a taxa de erro estimada nas despesas da UE praticamente duplicou, de 3% para os tais 5,6%.

Esta é uma percentagem apurada por uma análise feita não a todas as despesas, mas a uma amostra. O chamado limiar de materialidade – isto é, a taxa de erro máxima definida pela Comissão Europeia – é de 2%. Pelo que se conclui que a proporção de problemas encontrados ultrapassa largamente o desvio admissível.

A “culpa” desta subida quase a pique é das falhas cada vez mais frequentes no pagamento dos fundos de coesão, que apresentam uma taxa de erro muito superior (de 9,3%) à taxa geral. Como os fundos de coesão são a parte substancial do orçamento, o contributo dessas falhas para o desempenho geral redunda num retrato cada vez mais negativo a cada ano que passa.

O que se verifica em 2023 é um crescimento muito “significativo” da taxa de erro, anota João Leão, antigo ministro das Finanças do Governo PS liderado por António Costa e actual representante português no Tribunal de Contas Europeu (TCE), para quem esta “subida substancial” é “preocupante”.

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João Leão representa Portugal no Tribunal de Contas Europeu

Estão em causa, segundo o mesmo responsável, pagamentos feitos a projectos e custos que não eram elegíveis e problemas na contratação pública, resumiu. É um problema “generalizado”, diz o TCE, que também afecta Portugal. O país sofre dos mesmos problemas dos restantes, não se destacando pela negativa face aos outros 26 países da UE.

Na amostra usada nesta auditoria foram identificadas sete situações problemáticas referentes ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português, das quais duas envolveram pagamentos que não deveriam ter sido autorizados. Já quanto aos restantes fundos, foram identificados nove casos com falhas, dos quais quatro envolveram pagamentos que deveriam ter sido recusados.

No total, saíram do orçamento europeu 239.200 milhões de euros de despesa no ano passado, dos quais 191.200 milhões dizem respeito ao quadro financeiro plurianual e 48 mil milhões são relativos ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência (o instrumento que paga o PRR dos 27 Estados-membros).

Aliás, no comunicado de divulgação que acompanha o relatório de auditoria disponível online desde esta noite, o TCE afirma-se “inquieto” com este cenário, que é agravado por mais duas constatações negativas: o facto de o financiamento do PRR assentar num “sistema com falhas e pagamentos irregulares”; e de a dívida contraída pela UE “pesar cada vez mais sobre as finanças da união”.

As falhas cada vez maiores no pagamento de despesas levam o TCE a emitir uma opinião “adversa”. Já quanto às despesas inerentes ao financiamento do PRR, a opinião dos auditores é menos negativa, porém merece, na mesma, “reservas” a esta entidade fiscalizadora sediada no Luxemburgo e cuja principal missão é vigiar as contas da UE e da Comissão Europeia, na perspectiva da protecção dos interesses financeiros da união.

Apesar disso, os auditores consideram que não houve ou não há deturpação das contas, e por isso emite uma “opinião favorável” sobre a fiabilidade da documentação, considerando que ela reflecte “com exactidão” a situação financeira da UE.

Quanto à dívida, ela aumentou 32% entre 2022 e 2023, e duplicou face a 2021. Tudo por causa dos diversos programas criados para apoiar as economias nas crises da pandemia e da guerra na Ucrânia. A factura começa a ser paga em 2028.

Diz o TCE que "a UE é a entidade que mais dívida emitiu na Europa e não se sabe se a proposta da Comissão Europeia para os recursos próprios lhe dará meios suficientes para saldar as contas do fundo de recuperação da pandemia". Por outras palavras, o actual modelo do quadro financeiro plurianual poderá ter de ser revisto, se for preciso encontrar dinheiro para servir aquela dívida crescente – o que pode significar reduções nos envelopes financeiros para os países que hoje mais dinheiro recebem, os chamados países da coesão, um lote de que faz parte Portugal.

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