Áreas Marinhas Protegidas na Europa não garantem protecção da biodiversidade

Estudo em que participaram investigadores da Universidade do Algarve aponta a ineficácia das zonas de conservação no mar. Estamos longe de cumprir a meta da UE de proteger 30% do oceano até 2030.

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Selvagem Grande: a primeira Área Marítima Protegida criada em Portugal foi a Reserva das Ilhas Selvagens, em 1971 Carlos Lopes
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A maior parte das Áreas Marinhas Protegidas (AMP) na União Europeia não garante uma protecção eficaz da biodiversidade, apenas no papel. Apesar de 11,4% de toda a área marinha da UE estar classificada como protegida em 2022, na maior parte destas águas (86%) continuam a ser permitidas actividades altamente prejudiciais, como a dragagem e a mineração, além de práticas de pesca destrutiva, conclui um estudo em que participam investigadores da Universidade do Algarve.

“Estes resultados revelam que estamos apenas no início do processo de protecção das águas que banham a União Europeia”, comentou Juliette Aminian-Biquet, investigadora do Centro de Ciências do Mar do Algarve (CCMAR) e da Universidade do Algarve, e primeira autora do estudo publicado na revista One Earth, feito juntamente com outras instituições científicas europeias.

“As Áreas Marinhas Protegidas, tal como estão actualmente configuradas, não se destinam a proteger fortemente a biodiversidade marinha, uma vez que são flexíveis nos impactos a limitar e, consequentemente, nos regulamentos a aplicar”, salientou Juliette Aminian-Biquet, citada num comunicado de imprensa.

Instrumentos legais como a Directiva-Quadro da Estratégia Marinha, as directivas Aves e Habitat levaram à criação de AMP incluídas na Rede Natura 2000 nos 22 Estados costeiros europeus. Convenções como a Nordeste do Oceano Atlântico (OSPAR), HELCOM (Mar Báltico) e Barcelona (Mar Mediterrâneo) permitiram também o estabelecimento de zonas marinhas protegidas na Europa.

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Quantidade e tipo de protecção das Áreas Marinhas Protegidas na UE, gráfico do artigo científico Juliette Aminian-Biquet et al

A União Europeia estabeleceu uma meta ambiciosa: até 2030, 30% das águas dos 27 Estados-membros devem estar protegidas, e 10% destas devem estar sob protecção rigorosa. Portugal partilha essas metas, que pretendem responder à emergência que vemos acontecer com os oceanos. Mas Portugal é um dos países com menos áreas protegidas, e as que tem estão apenas "ligeiramente" ou minimamente protegidas, na melhor das hipóteses. Cerca de metade não corresponde sequer aos critérios para assim ser classificada, de acordo com os critérios usados.

O oceano tem um papel fundamental na regulação do clima na Terra, mas é também essencial em várias actividades humanas. As pescas alimentam milhões de pessoas, mas o oceano é também fonte de bem-estar e cultura. No entanto, o aquecimento global e a poluição estão a pôr em causa o equilíbrio do oceano e a sua biodiversidade. Há uma "urgência oceânica", como disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a par da urgência climática.

"Um alerta"

“Apesar de estas políticas estarem em vigor, vários indicadores ecológicos mostram poucas ou nenhumas melhorias à escala da UE (como as avaliações da Lista Vermelha de Espécies e a da Agência Europeia de Ambiente)”, escrevem os investigadores. “Financiamento e fiscalização insuficientes, falta de pessoal, uma reduzida prioridade em termos políticos, processos poucos participados e falta de restrições nas actividades com impacto nas áreas marinhas impedem as áreas marinhas protegidas de cumprir os objectivos socioecológicos com os quais foram criados”, resumem.

Assim sendo, o estudo analisou, pela primeira vez, o nível legal, a protecção oferecida por 4858 Áreas Marinhas Protegidas em toda a União Europeia, utilizando um sistema de classificação internacionalmente reconhecido, o Guia de Áreas Marinhas Protegidas (MPA Guide) Este sistema classifica as áreas protegidas com base nos impactos das actividades ali permitidas: desde as que são totalmente protegidas, onde não pode haver actividades extractivas, até àquelas cuja oferta foi considerada incompatível com a protecção da biodiversidade, onde são permitidas acções de impacto muito elevado.

A conclusão foi que, apesar de existirem várias legislações (nacionais, internacionais e europeias) que promovem a criação destas áreas, não estão a ser eficazes na protecção e conservação da vida marinha.

“Este estudo é um alerta”, afirma Bárbara Horta e Costa, co-autora e investigadora sénior do CCMAR. “Para que as áreas marinhas protegidas possam desempenhar o seu papel na preservação da biodiversidade e para atingirmos as metas estabelecidas para 2030, é necessário que as regulamentações sejam revistas e reforçadas”, realçou a investigadora da Universidade do Algarve.

É no Mar Báltico que há uma percentagem maior de áreas marinhas protegidas (17%), e 3% delas estão altamente protegidas – o que é bastante acima da média de 0,3% a nível global na União Europeia.

No Nordeste do Atlântico, onde se insere Portugal, só 9% da área marinha está protegida – mas apenas 1% está altamente protegida. A maior parte deste território, 55%, tem uma protecção mínima, e 17% suporta actividades incompatíveis com a classificação protegida.

“Para que as Áreas Marinhas Protegidas europeias protejam a biodiversidade marinha, é urgente expandir a sua caixa de ferramentas para poderem reduzir as pressões sobre os ecossistemas marinhos, regulando as actividades de forma mais ampla”, escreve a equipa no artigo. Os resultados deste trabalho põem em causa a forma como têm sido usadas as AMP e os processos de decisão necessários para garantir a sobrevivência económica e dos ecossistemas, sublinham.

"Estes resultados mostram que os actuais níveis de protecção nas áreas marinhas da UE estão distantes das metas estabelecidas para 2030", alerta a equipa no artigo científico.