A pegada carbónica no sector da saúde em debate

Este é o tema da 2ª edição da conferência “Healthy Planet, Healthy People”, onde serão abordados os bons exemplos internacionais e deixadas recomendações de um Documento de Consenso.

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Quem tem doenças respiratórias ou alérgicas, como asma ou Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), recorre com frequência a inaladores pressurizados doseáveis (MDI). Talvez não saiba é que, sempre que os usa, está a libertar gases para a atmosfera e que estes têm um impacto ambiental muito significativo. O seu consumo só em Portugal equivale a 30 mil toneladas de CO2, a pegada de 150 viagens transatlânticas entre Londres e Nova Iorque. Para capturar estes gases da atmosfera teriam de ser plantadas anualmente mais de 1,3 milhões de árvores (ou um Parque de Monsanto).

Esta é também uma realidade ainda desconhecida de cerca de 47% dos médicos que responderam ao inquérito sobre o impacto ambiental dos inaladores e que foi publicado na Acta Médica, no início de Setembro. O trabalho de investigação do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), a Sociedade Portuguesa de Pneumologia e a Associação Respira realizou um inquérito a 348 especialistas médicos, tendo 70% deles referido que não consideram aspectos ambientais aos prescreverem inaladores. E 15% identificaram erradamente os inaladores de pó seco (DPI) como sendo os mais poluentes.

“Deve ser uma prioridade a redução destas emissões e esse objectivo passa pela elaboração de recomendações de sustentabilidade ambiental em todas as áreas da Saúde. Esse é um dos objectivos do Conselho Português para a Saúde e Ambiente”, refere o seu presidente, Luís Campos, autor principal do Documento de Consenso que resultou deste estudo, e que será debatido e apresentado a 9 de Outubro na segunda edição da iniciativa “Healthy Planet, Healthy People: A pegada carbónica do sector da saúde”. A conferência é uma colaboração entre a Embaixada Britânica em Portugal (que acolhe o evento, a 9 de Outubro, na sua residência oficial em Lisboa) e o Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), com o apoio da GSK e em parceria com o PÚBLICO.

Entre os participantes estão a directora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, responsáveis de sociedades médicas e associações com especialistas prescritores destas terapêuticas, como Pneumologia, Medicina Interna, Pediatria, Medicina Geral e Familiar, Alergologia, e associações de doentes. Também se prevê a presença da secretária de Estado da Saúde, Ana Povo (em representação de Ana Paula Martins, ministra da Saúde), bem como de representantes do Infarmed, ACSS e SPMS.

“Esta iniciativa irá dar continuidade ao diálogo entre especialistas na área da saúde e sustentabilidade, bem como à partilha da experiência entre os dois países, e delinear acções concretas para uma redução efectiva da pegada carbónica neste sector, com especial atenção na gestão das doenças respiratórias, que afectam cada vez mais pessoas”, sublinha Lisa Bandari, Embaixadora do Reino Unido em Portugal.

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A colaboração internacional é a única forma de darmos respostas efectivas, capazes de proteger os cidadãos e os próprios sistemas de saúde" Lisa Bandari, Embaixadora do Reino Unido em Portugal

Para a diplomata, “este é um tema que não conhece fronteiras, que não é responsabilidade de um país em detrimento de outro, mas sim de todos”, pelo que “a colaboração internacional é a única forma de darmos respostas efectivas, capazes de proteger os cidadãos e os próprios sistemas de saúde.” O exemplo concreto das acções tomadas pelo serviço nacional de saúde britânico, o NHS, será abordado nesta conferência por Manraj Phull, Senior Net Zero Delivery Manager do NHS England, e Laura Jane-Smith, Respiratory Consultant no Kings College Hospital, em Londres.

Segundo explica Eric King, director-geral da GSK Portugal, “vários países começam a incluir a pegada de carbono como critério no processo de tomada de decisão para a escolha de inaladores. No Reino Unido, o NHS desenvolveu uma calculadora para informar a pegada carbónica do inalador. A Suécia recomenda o uso de inaladores de pó seco em vez dos pressurizados, devido ao seu menor impacto ambiental. A Noruega, por seu lado, vai limitar a comercialização dos inaladores pressurizados com câmara expansora, incentivando a prescrição de inaladores com baixa pegada carbónica”, refere.

“O que a maioria desconhece”, continua o director-geral da GSK, “é que alguns dos tratamentos mais utilizados no controlo destas doenças, nomeadamente, os inaladores pressurizados, têm um impacto enorme na saúde do planeta, devido à sua elevada pegada carbónica”, como exemplifica Eric King, “um inalador pressurizado tem uma pegada ambiental equivalente a 196km percorridos de automóvel. Já um inalador de pó seco (DPI), somente a 8km de carro, ou seja, cerca de 25 vezes menos.” Do outro lado da moeda, refere Eric King, “são as pessoas com doença respiratória as mais sensíveis à qualidade do ar, uma vez que a poluição ambiental agrava e piora a sua condição e qualidade de vida.”

Recomendações para uma boa saúde global

Em Portugal, de acordo com o relatório Health Care Without Harm, 4,8% das emissões anuais com efeitos de estufa são geradas pelo sector da saúde – sendo este valor superior à média global, que se situa nos 4,4%. Mas este é um desafio que deve ser encarado de modo global, afirma Carlos Robalo Cordeiro. O director da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e membro da Sociedade Portuguesa de Pneumologia sublinha as metas já instituídas pela União Europeia – sobretudo com o Green Deal, que pretende fazer da Europa um emissor líquido zero de gases com efeito de estufa até 2050, e a recomendação do Conselho Europeu de eliminação progressiva dos gases fluorados até 2030. Todavia, sublinha Robalo Cordeiro, que também está entre os oradores da conferência, “o mundo é muito desigual” no acesso a terapêuticas (seja pela sua inovação ou preço), pelo que este trajecto, “vai acontecer a diversas velocidades”.

Além das principais conclusões, a conferência que decorre na residência da Embaixada Britânica, em Lisboa, será também um momento de promoção de um diálogo interdisciplinar sobre as recomendações feitas pelo Documento de Consenso. “Vamos ter todas as condições para sinalizar aos prescritores, por exemplo, qual é a pegada carbónica com determinado tipo de opções e a possibilidade de utilização de alternativas” ou dar indicações sobre “estratégias de reciclagem destes dispositivos”, exemplifica Carlos Robalo Cordeiro.


NP-PT-NA-COCO-240005 | 09/2024