Detonautas traz seu rock pesado para Portugal, sempre atento à defesa da democracia

Banda brasileira tem shows marcados para o Porto (11/10) e para Lisboa (12/10). Vocalista do grupo, Tico Santa Cruz promete momentos de celebração, com grandes sucessos de 21 anos de carreira.

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Banda de rock brasileira se apresenta pela primeira vez na Europa: Detonautas promete muita emoção DIVULGAÇÃO
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Aos 21 anos, a banda brasileira de rock Detonautas finalmente fará sua estreia na Europa. A entrada se dará por Portugal, onde o grupo tem shows marcados no Porto (11/10) e em Lisboa (12/10). “Deveríamos ter feito isso no começo dos anos 2000, mas não foi possível”, diz o vocalista Tico Santra Cruz. “Naquele momento, a nossa gravadora, a Warner, entendeu que Portugal não era um mercado prioritário pelo tamanho. Mas outros artistas conseguiram consolidar um trabalho muito bem feito no país”, acrescenta.

Tanta demora para pisar nos palcos lusitanos só aumenta a expectativa da banda em relação aos shows, que também passarão por Londres. Tico afirma que, no Brasil, o Detonautas está acostumado a se apresentar para grandes plateias, de até 100 mil pessoas, em festivais. “Sabemos, porém, que os lugares que nos apresentaremos em Portugal não comportam tanta gente, mas vemos esses shows como um primeiro passo, a construção de uma relação com profissionais locais, pessoas que, de alguma maneira, estão produzindo espetáculos e poderão observar como o Detonautas funciona”, ressalta.

Para o vocalista, os shows em Portugal serão importantes para falar com os milhares de brasileiros que cruzaram o Atlântico em busca de uma vida melhor. “Será uma oportunidade para falarmos com um público que não nos conhece profundamente”, frisa. “Sabemos que a comunidade brasileira tem contribuído muito para o desenvolvimento econômico de Portugal, que oferece uma boa qualidade de vida, onde o Estado, na maioria das vezes, funciona, provendo serviços de saúde, educação e segurança”, complementa.

A estreia do Detonautas na Europa ocorre em um momento em que o rock já não cativa mais a juventude — não como no auge desse estilo musical. Tico reconhece que, no Brasil, um país multicultural, outros estilos musicais, como o sertanejo, o samba e o funk, assumiram o protagonismo e arrastam multidões. “Agora, vemos a juventude muito conectada com o trap (subgênero do hip-hop) e o rap, estilos que têm a ver com o comportamento subversivo dos jovens que estão enfrentando os pais, o sistema. O trap, por sinal, dialoga muito com isso, coisa que o rock já fez”, analisa. “Mas o rock continua com um espaço importante”, assegura.

Mundo mais careta

Na opinião do vocalista, o momento não tão promissor para o rock and roll não é uma característica só do Brasil. “Vemos o mesmo nos Estados Unidos e no Reino Unido, que geram muitas tendências nesse estilo musical. Não há nomes icônicos sendo revelados. Vemos, sim, grandes bandas dentro de nichos que são consumidas de uma forma diferente”, assinala. Para ele, isso tem a ver com a maneira como as pessoas se relacionam com a internet, com as redes sociais. “De qualquer forma, o rock não deixou de ter sua produção e seu público”, enfatiza.

Tico conta que tem feito uma reflexão sobre se a perda de protagonismo do rock tem a ver com o mundo mais careta, mais conservador. “Na verdade, estamos vivendo a era dos algoritmos, que influenciam o que as pessoas consomem. Antigamente, havia outras formas de influenciar a juventude, como a MTV. Agora, são as redes sociais que fazem esse trabalho, em que não há o fator humano, mas os algoritmos, a inteligência artificial”, afirma. Ele diz mais: “Nesse mundo da tecnologia, há dois universos que se confrontam, de um lado, um mais conservador, de outro, aquele sem limites. São dois extremos se chocando”.

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A banda Detonautas quer falar com os brasileiros que vivem em Portugal. Vocalista do grupo, Tico Santa Cruz admite que o rock precisa se reinventar DIVULGAÇÃO

Há outro fator importante para explicar o atual momento do rock: o envelhecimento das pessoas que sempre curtiram esse estilo musical. “A galera que gostava de rock nos anos 80, 90 e 2000 já está acima dos 30 anos, casando, tendo filhos, talvez, sem condições de ir a shows, festivais”, reflete o vocalista do Detonautas. Por outro lado, reconhece ele, essas pessoas têm poder aquisitivo maior, que permite que se interessem por um artista ou um show específico, e podem pagar para assisti-lo.

“Mas isso dificulta o surgimento de outras bandas, que elas ganhem protagonismo. Quando surge alguma coisa nova, as pessoas mais velhas batem, dizem que não é bom, que é chato. Há um choque de gerações”, diz Tico. Para atravessar esse momento, ele acredita que o rock, necessariamente, terá de se rejuvenescer, falar com os adolescentes, que são a matriz de explosão de um cantor ou uma banda. “O trap está fazendo tanto sucesso porque sabe usar a linguagem dos jovens. Assim, se o rock readaptar a sua linguagem, com sua rebeldia, talvez consiga falar de novo com os mais jovens”, ressalta.

Força da cultura

Ainda que defenda a volta da rebeldia do rock, Tico optou por uma postura mais contida quando o assunto é política, por conta do elevado grau de polarização que se vê no Brasil e em várias partes do mundo. E, sobretudo, pelos ataques que recebeu quando se posicionou a favor da democracia. “Essa polarização está em todos os segmentos, inclusive na música”, destaca. “Estamos vivendo um novo tempo, em que tudo é ditado pelos algoritmos. E temos de aprender com isso. Quando olhamos para o período da Segunda Guerra Mundial, percebemos que o mundo estava totalmente polarizado, o que permitiu o surgimento de lideranças extremistas”, lembra.

No entender dele, o momento atual é perigoso, pois, se um lado radicaliza, ou outro também se sente no direito de reagir, e o diálogo deixa de existir. “O diálogo é fundamental para equalizar a sociedade em um ambiente saudável, em que as pessoas possam conviver com seus problemas de uma maneira tranquila, democrática. Eu, como artista, me posicionei durante muitos anos em defesa da democracia. Foram embates pesados. Fui muito atacado, sofri muitas represálias, com dificuldades de apresentação do Detonautas. Sei que foi necessário, mas me afastei, pois não vejo nenhum território que possa frutificar dentro das redes sociais para um debate saudável, democrático”, assinala.

O músico entende, contudo, que está mais fácil respirar no Brasil. “Os últimos dois anos no país foram positivos. Voltamos a ter espaço em grandes festivais, em grandes eventos. Creio que, de certa forma, foi entendido que a cultura é um braço econômico importante para qualquer nação. Qualquer pessoa que jogue contra a cultura está jogando contra o próprio país, uma ignorância”, frisa. Segundo ele, a cultura é a forma mais eficiente de se entrar no inconsciente coletivo para que as pessoas consumam. “Isso sempre foi feito de maneira muito efetiva pelos Estados Unidos e, agora, vem sendo realizado pela Coreia do Sul por meio da música, do cinema, de séries. É o que definimos como soft power”, diz.

Tico tem exata noção de que, num mundo conturbado, de ascensão da extrema-direita, é preciso estar sempre em alerta para que haja uma reação da sociedade contra os supremacistas e pela manutenção de valores básicos de cidadania e da democracia. Política à parte, ele afirma que a mensagem do Detonautas é de celebração, com grandes sucessos da banda.

“Uma pessoa que assistiu a um dos nossos shows recentemente me disse que a banda é um estado de espírito. E acho que é isso mesmo. Quando chegamos em algum lugar, a nossa mensagem é de acolhimento, de compartilhamento de energia. É isso que o Detonautas está levando para a Europa”, conclui.

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