Seguradora cria centro de estudo para as alterações climáticas em Portugal. Fogos são prioridade
Novo “centro de conhecimento”, apresentado esta segunda-feira pela Fidelidade, vai financiar programa de bolsas de mestrado sobre o clima e um “grande estudo” sobre os riscos de incêndio em Portugal.
Um “centro de conhecimento” dedicado ao estudo científico das alterações climáticas foi apresentado esta segunda-feira, em Lisboa, pela seguradora Fidelidade. Ao inaugurar o Impact Center for Climate Change (ICCC), a empresa afirma ter como objectivo criar parcerias com entidades externas, incluindo universidades, centros de investigação, entidades públicas, resseguradores e consórcios internacionais.
O ICCC tem um orçamento previsto de cinco milhões de euros para os cinco primeiros anos de actividade. Este montante servirá para não só financiar bolsas de mestrado na área das alterações climática, mas também promover estudos de grande dimensão em parceria com universidades.
“Neste momento estamos a definir um estudo de grande dimensão sobre análise de risco de incêndios florestais em Portugal em articulação com o nosso conselho consultivo; estamos a mobilizar os investigadores adequados para alcançar resultados que gerem valor acrescentado”, afirma ao PÚBLICO Rui Esteves, co-coordenador do ICCC e director de estatística e estudos técnicos não-vida da Fidelidade.
O conselho consultivo do ICCC é composto por seis membros: o jornalista ambiental Andrew Revkin, ex-repórter do diário norte-americano New York Times; Butch Bacani, director das Iniciativas para a Indústria Seguradora das Nações Unidas; Júlia Seixas, pró-reitora e investigadora em energia e clima da NOVA FCT; Luísa Schmidt, investigadora em sustentabilidade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Nuno Oliveira, CEO da Natural Business Intelligence e, por fim, Pedro Matos Soares, investigador em modelação climática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O físico da atmosfera Pedro Matos Soares explicou ao PÚBLICO que vê como importante esta aproximação do sector empresarial às universidades para aprofundar o conhecimento científico na área do risco e da adaptação climática. O cientista, que já foi responsável pelo Roteiro Nacional para a Adaptação 2100, frisou que há “uma grande vontade de começar logo a trabalhar” e que uma reunião “para definir estratégias” já estava agendada para esta terça-feira, o dia seguinte à apresentação do ICCC.
O novo centro deve apostar nos fogos em zonas rurais como tema preferencial de estudo, embora outros temas ou fenómenos climáticos extremos também estejam a ser considerados, como é o caso das inundações e da vulnerabilidade das habitações em Portugal.
“Estabelecemos como prioridade os incêndios florestais. Temos de começar por algum lado e sabemos que o aumento da temperatura média vai aumentar o número de dias muito quentes e isso vai ter um impacto em termos de incêndios. Mas a nossa ambição não é só tratar dos incêndios, temos uma preocupação ao nível das tempestades, das inundações e das ondas de calor, que afecta a saúde das pessoas”, diz Rui Esteves, numa conversa telefónica.
Rui Esteves refere que a “ideia inicial” para a criação do centro ganhou força à medida que as alterações climáticas “começaram a acelerar” e a ter consequências visíveis. “Nós precisávamos de uma iniciativa estruturada para garantir que a Fidelidade estava preparada para lidar com estes desafios”, explica o responsável, uma vez que “as seguradoras estão particularmente expostas devido às consequências físicas que estes eventos extremos implicam.”
A informação obtida a partir dos estudos que venham a ser desenvolvidos poderá integrar o “ecossistema de dados” da seguradora, tornando as análises de riscos mais precisas. “Não consigo dizer que tipo de informação vamos pedir aos cientistas, mas queremos trabalhar com dados científicos conhecidos e rigorosos”, afirma o responsável.
A actividade do novo centro poderá contribuir para sensibilizar cidadãos e decisores para o risco climático, ajudando a reduzir o chamado protection gap (fosso de protecção, numa tradução livre), que consiste numa grande parcela da sociedade que não protege o património através da subscrição de seguros. “Falta uma cultura de subscrição”, refere Rui Esteves.
“Nós não queremos fazer sozinhos [produzir conhecimento]. Sabemos que o valor que pretendemos criar não se esgota na actividade de seguradora – não querendo ignorar que o impacto que tem na actividade é enorme, desde logo em duas componentes: capacidade de gerir sinistros e redução do protection gap”, diz Rui Esteves, lembrando que cerca de 95% das perdas geradas por tempestades, incêndios e inundações nos últimos 40 anos em Portugal “não estavam garantidas” por apólices.