Rios de todo o mundo tiveram caudais mais baixos de sempre em 2023

Relatório da Organização Meteorológica Mundial mostra que 50% das bacias hidrográficas apresentaram condições anormais em 2023, reduzindo a disponibilidade de água para a agricultura e a indústria.

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Relatório sobre o “Estado dos Recursos Hídricos Globais” foi apresentado pela Organização Meteorológica Mundial esta segunda-feira SALVATORE DI NOLFI / EPA
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Os caudais dos rios em todo o mundo atingiram mínimos históricos em 2023, o ano mais quente de que há registo, pondo em perigo o abastecimento de água numa era de aumento da procura, revela esta segunda-feira um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM).

De acordo com o relatório sobre o “Estado dos Recursos Hídricos Globais”, baseado em dados dos últimos 33 anos, as secas prolongadas reduziram os caudais dos rios em grande parte da América do Norte, Central e do Sul, com as bacias dos rios Mississípi e Amazonas a registarem baixos níveis de água recorde em 2023. A seca na Amazónia, que se repetiu este ano, tem deixado um lastro dramático, com bancos de lama a surgirem em segmentos anteriormente navegáveis. As bacias dos rios Ganges e Mekong também registaram condições abaixo da média.

A nível global, 50% das bacias hidrográficas mundiais apresentaram condições anormais, a maioria das quais em défice, o que reduz a disponibilidade de água para a agricultura e a indústria.

São já cinco anos consecutivos de caudais fluviais e afluências às albufeiras abaixo do normal. O ano de 2023 foi marcado por secas prolongadas e inundações por todo o mundo, impulsionadas tanto pela transição do La Niña para o El Niño como pelas alterações climáticas de origem antropogénica.

“Não estamos a proteger as reservas”

“A água está a tornar-se o indicador mais revelador do nosso tempo de perturbações climáticas e, no entanto, enquanto sociedade global, não estamos a tomar medidas para proteger estas reservas”, afirmou Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, numa conferência de imprensa em Genebra.

Celeste Saulo alertou para o facto de os ciclos hidrológicos estarem a tornar-se mais irregulares devido às alterações climáticas e apelou a uma maior monitorização para acompanhar e responder às mudanças.

“Já não há uma semana em que não haja uma inundação em algum lugar do mundo”, afirmou Stefan Uhlenbrook, director de hidrologia, água e criosfera da OMM, na conferência de imprensa. Fenómenos extremos como as cheias estão a tornar-se mais frequentes e instáveis, mas exemplos como a Grécia mostram que os sistemas de alerta precoce podem ajudar a mitigar o impacto das enchentes, mesmo as mais devastadoras.

“Precisamos de nos adaptar”

Stefan Uhlenbrook afirma que se espera mais escassez de água este ano em partes do mundo onde foram registados novos recordes de calor. “É muito provável que este tempo quente e seco continue a traduzir-se num baixo caudal dos rios”, disse aos jornalistas.

Esta escassez, por seu lado, continua a afectar as comunidades, a agricultura e indústrias, e também os ecossistemas. “Precisamos de nos adaptar a estas mudanças na hidrologia”, alertou ainda o especialista. Um dos exemplos é a produção de energia hidroeléctrica, que em alguns países da América Latina afectados pela seca tem colocado em risco o abastecimento de energia, com apagões nos meses mais secos.

As mudanças no ciclo da água terão que despertar “diferentes usos da água”, nota Stefan Uhlenbrook. “Temos que mudar a forma como usamos os nossos recursos cada vez mais escassos”, assevera.

Glaciares com perdas recorde

O calor recorde do ano passado também resultou nas maiores perdas de massa dos glaciares do mundo em 50 anos, segundo o relatório da OMM. “Os glaciares estão a encolher rapidamente”, alerta o director de Hidrologia da OMM. No total, num ano de degelo extremo, perderam-se 600 gigatoneladas de gelo.

Os dados do relatório mostram que a última vez que houve leve recuperação da massa de glaciares foi nos anos 1990, mas o fenómeno de degelo está agora a acelerar. “É algo que está a mudar rapidamente e está a mudar agora”, alertou Uhlenbrook, dando o exemplo dos Alpes suíços, cujos glaciares perderam 10% da sua massa em apenas dois anos.

O degelo dos glaciares, explica o especialista da OMM, “muda completamente o regime hidrológico”. Os rios alimentados por glaciares, como os da Europa e da Escandinávia, registaram elevados caudais, disse Uhlenbrook, mas que estes diminuirão significativamente nos próximos anos. “Quando os glaciares desaparecerem, dentro de mais algumas décadas, será muito dramático”, afirmou o especialista. com Reuters