Colisões de tubarões-baleia com grandes navios podem aumentar 15 mil vezes até 2100

Estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature Climate Change prevê que colisões de tubarões-baleia com navios de grande porte aumentem devido ao aquecimento dos oceanos.

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Os tubarões-baleia (Rhincodon typus) são a maior espécie de tubarões – e o maior peixe que existe –, e estão ameaçados Gonzalo Araujo
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O aquecimento global poderá aumentar a ameaça que os grandes navios representam para os tubarões-baleia, conclui um artigo publicado esta segunda-feira na revista Nature Climate Change, em que também participaram investigadores portugueses. "O aumento da temperatura dos oceanos fará com que esta espécie, já em perigo de extinção, seja empurrada para novos habitats atravessados por rotas marítimas movimentadas", lê-se num comunicado de imprensa sobre o novo estudo, feito por uma equipa de investigadores da Universidade de Southampton (no Reino Unido), da Marine Biological Association (MBA), com a participação de cientistas da Okeanos (Universidade dos Açores) e do Cibio (Universidade do Porto).

As previsões são impressionantes: os cientistas calculam que a co-ocorrência de tubarões-baleia e navios de grande porte poderá ser 15.000 vezes superior até ao final do século, em comparação com os dias de hoje.

“Estas alterações no habitat dos tubarões-baleia foram mais extremas em cenários de emissões elevadas. Uma remodelação global poderá conduzir a perdas de habitat nalgumas áreas, bem como a uma maior co-ocorrência com o tráfego marítimo, à medida que os oceanos aquecem e outras variáveis se alteram”, refere a autora principal, Freya Womersley, da Universidade de Southampton e investigadora de pós-doutoramento do MBA, citada na nota de imprensa.

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Tubarão-baleia com lesão na barbatana dorsal, provavelmente causada por colisão com uma embarcação Gonzalo Araújo

O problema desta perigosa interacção não é algo novo. Em 2022, um outro estudo já tinha concluído que a colisão de grandes navios com tubarões-baleia pode ser uma das razões para que esta espécie esteja em perigo. Neste trabalho, um grupo de cientistas – em que se incluem alguns portugueses – acompanharam o percurso de quase 350 tubarões-baleia de 2005 a 2019, nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, publicando os resultados na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) onde mostravam que muitos animais se afundavam no oceano depois de se cruzarem com as rotas de grandes navios.

Os tubarões-baleia (Rhincodon typus) são a maior espécie de tubarões – e o maior peixe que existe –, e estão ameaçados. Existem por todo o mundo (em Portugal continental não é muito comum, mas já foram avistados nos Açores, por exemplo), mas passam grande parte do seu tempo em águas superficiais e mais próximas de actividade humana. Os cientistas já desconfiavam de que a colisão com navios poderia ser uma das razões para a morte destes gigantes do mar, mas não havia forma de o comprovar ou monitorizar.

348 animais seguidos

Neste trabalho mais recente publicado esta segunda-feira, os investigadores utilizaram "dados de rastreio de tubarões-baleia por satélite, associados a modelos climáticos globais, para projectar a distribuição dos tubarões-baleia em três cenários climáticos futuros diferentes". No resumo da Nature sobre o estudo especifica-se que foram usados dados de rastreio por satélite de 348 tubarões-baleia marcados, rastreados entre 2005 e 2019.

Ao combinar os modelos climáticos globais (para avaliar a adequação actual e futura do habitat para os tubarões-baleia nos oceanos) com o tráfego marítimo foi possível "avaliar os possíveis riscos de conflito entre humanos e tubarões".

"Os modelos projectam perdas de mais de 50% do habitat principal em algumas águas nacionais até 2100, num cenário de emissões elevadas (em que continuamos a depender fortemente dos combustíveis fósseis), com as maiores perdas potenciais na Ásia. Num cenário de desenvolvimento sustentável (em conformidade com o objectivo de um aquecimento global não superior a 2 graus Celsius), algumas zonas registaram um aumento do habitat principal, nomeadamente na Europa", refere a nota de imprensa da Universidade de Southampton. Ou seja, especifica o resumo da Nature, na melhor das hipóteses prevê-se que esta frequência seja ainda assim 20 vezes superior à actual.

Assim, os autores do artigo concluem que "a migração induzida pelo clima exibida pelos tubarões-baleia e os riscos subsequentes, como a intersecção com rotas de navegação, podem ter implicações ao nível de toda a população, como a redução das oportunidades de alimentação dos tubarões jovens".

“As alterações que prevemos serão provavelmente menos extremas se conseguirmos abrandar o aquecimento e atenuar as alterações climáticas, o que sugere que mesmo os impactos complexos e multifactoriais das alterações climáticas podem ser de algum modo atenuados pelas nossas acções”, afirma David Sims, co-autor e investigador principal da Universidade de Southampton e do MBA, citado no comunicado.

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Gonzalo Araújo

Mudança para zonas de maior tráfego?

A equipa combinou os mapas de distribuição com informações sobre a densidade do tráfego marítimo para determinar se as mudanças de habitat fariam com que os tubarões-baleia se deslocassem para zonas de tráfego mais intenso no futuro, aumentando potencialmente a probabilidade de colisões com navios.

"Verificaram que alguns dos novos habitats adequados se sobrepunham a rotas marítimas movimentadas. Foi o caso da parte americana do oceano Pacífico Norte, da parte japonesa dos mares da China Oriental e da parte serra-leonesa do oceano Atlântico Norte, entre muitos outros locais a nível mundial", refere a nota de imprensa.

Porém, esta viagem também pode afastar os tubarões-baleia de algumas zonas de perigo. "Algumas zonas, como a parte mexicana do Golfo do México, registaram reduções na co-ocorrência, onde os habitats principais se deslocaram para águas mais costeiras, longe das movimentadas rotas de navegação no centro do Golfo."

Ainda assim, o saldo será sempre negativo, alertam os autores do artigo. “A co-ocorrência global de navios aumentou em todos os cenários climáticos futuros, mesmo que o transporte marítimo se mantivesse aos níveis actuais, em vez da sua expansão prevista de até 1200% até 2050”, afirma David Sims.

Freya Womersley acrescenta: “Mostramos que as alterações climáticas têm o potencial de afectar indirectamente espécies marinhas altamente móveis através da interacção das pressões humanas e ambientais. Isto realça a importância de ter em conta as alterações climáticas nos debates sobre a gestão das espécies ameaçadas de extinção”.