A história de Carina Pereira é daquelas que imaginamos num filme norte-americano: a luta determinada de uma cidadã pela justiça. Neste caso, pelo direito à licença parental de seis meses integralmente paga. E é um argumento de filme porque tem todos os ingredientes: a luta, a derrota, a persistência e a vitória, alguns anos depois, quando a heroína já não a pode testemunhar e celebrar — Carina Pereira morreu jovem e de doença súbita, mas deixou a sua causa em boas mãos. The end

A história de Carina Pereira foi-nos relembrada por Ana e Isabel Stilwell no seu Birras de Mãe, versão podcast, depois de o Parlamento ter aprovado, no final do mês passado, o diploma — com os votos contra do PSD e CDS. Oito anos depois da primeira petição online de Carina Pereira ter visto a luz do dia, a licença parental será 100% paga até aos seis meses — o tempo considerado pela OMS de amamentação exclusiva. E a jornalista Carla B. Ribeiro foi atrás dessa história para dar voz ao grupo que se juntou a Carina Pereira e levou esta luta até ao fim — agora, querem que se chame ao diploma aprovado "Lei Carina Pereira". Afinal, trata-se de um "legado" daquela mãe de dois filhos. 

Tratou-se de uma iniciativa de cidadãos que chegou a bom porto, mas que podia ir mais longe porque licenças de maternidade amigas das famílias, bem como o investimento do Estado em medidas atractivas para a constituição de famílias, seriam muito bem-vistas pelos jovens que pensam em ter filhos e pelos pais desses jovens que sonham em ter netos. Medidas que, pela maneira como os partidos do Governo têm decidido e votado, teremos de esperar por mais cidadãos empenhados em lutas justas.

Teremos sempre o exemplo de Carina Pereira — termina assim a Carla B. Ribeiro: "O grupo acabaria por conseguir passar a mensagem e o diploma foi aprovado na generalidade, a 27 de Setembro, apenas com os votos contra dos partidos do Governo, PSD e CDS — todas as restantes sete bancadas manifestaram o seu apoio à iniciativa de cidadãos, que nasceu da vontade de Carina Pereira de não se conformar, que, além da alteração do quadro legal das licenças parentais, deixa ainda outro legado, que expressou em forma de desejo ao PÚBLICO em 2016: incutir a ideia de que é preciso "participar"."

Quem também tem aproveitado dar a sua voz a causas é o jornalista e cronista João da Silva, que publicou recentemente o primeiro livro de ficção, um romance que nos chega do Alentejo profundo sobre um problema que é comum a toda a sociedade: a violência doméstica. Baseado numa história real, em Ama, mas Cuidado com Quem Amas, editado pela Oficina do Livro, o autor coloca-se na pele das vítimas, mas também dos agressores. "Há muita gente ao nosso redor que é afectada pela violência doméstica, e o livro serve para que estejamos alerta. São, por vezes, pequenos sinais", declara, em conversa com a jornalista Inês Duarte de Freitas.

Esta é uma preocupação do autor: chamar a nossa atenção para temas que o preocupam, aqueles que vive, como o cancro — que já o fez percorrer centenas de quilómetros, para ligar os IPO de Lisboa, Coimbra e Porto; ir às escolas para falar sobre o tema e alertar, sobretudo os rapazes, para o cancro dos testículos; e, este ano, deu início a uma digressão pelas bibliotecas do país, numa homenagem ao que os livros têm feito por ele. Este último projecto foi tão bem acolhido que os convites para visitar novos espaços levaram-no a decidir continuar este périplo. As bibliotecas, diz, são "lugares de conhecimento e fantasia que nos convidam a viajar pelo desconhecido, mas que também nos podem mostrar novos rumos".

Outro lugar que nos pode abrir "novos rumos" é a escola e ontem assinalou-se o Dia Mundial do Professor. A professora Inês Ferraz escreve sobre os desafios que estes profissionais enfrentam no seu dia-a-dia — vale a pena ler; já o professor José Augusto Pacheco tece um elogio aos professores da escola pública, pegando nas palavras do candidato a vice-presidente dos EUA, Tim Walz: "Nunca subestimem um professor de uma escola pública. Nunca." Escreve o professor da Universidade do Minho: "Na sua racionalidade social de uma integração completa das crianças e dos jovens, a escola pública não é comparável com outras escolas. É radicalmente diferente, não só porque utiliza como princípio de acção a linguagem da inclusão, da equidade e da justiça social, mas também tem uma outra visão sobre a linguagem da meritocracia, não a rejeitando, é mister afirmá-lo, mas adaptando-a às situações de cada aluno."

E como chegam os miúdos à escola? Esse é um dos desafios com o qual os professores se debatem. Por isso, a professora Elsa de Barros lembra a importância dos limites. Por vezes, os pais são demasiado permissivos e nem sequer é por serem negligentes, o que pode prejudicar a criança, que ainda não tem maturidade para tomar decisões, por exemplo. "A marcação de limites bem definidos, sólidos, consistentes e coerentes vai permitir que a criança se sinta segura, possa explorar toda a riqueza do seu conteúdo e desenvolva o seu encanto a nível social", escreve Elsa de Barros, referindo que uma criança que não sabe cumprir regras tem impacto na escola.

Até amanhã, segunda-feira, a entrada é gratuita no Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Por isso, se estiver por perto e com disponibilidade, aproveite e veja não só o novo edifício e o jardim, mas a exposição de Leonor Antunes, a que deu o nome da desigualdade constante dos dias de leonor*. A jornalista Isabel Salema explica o porquê deste título e dá-nos a conhecer a artista, radicada em Berlim e que eu desconhecia (calculo que não estou sozinha nesta ignorância). "Onde estão as mulheres na História da Arte?", foi a pergunta da qual partiu a britânica Katy Hessel para escrever A História da Arte sem homens, lançado em Portugal, no início da semana passada, precisamente na Gulbenkian, numa conversa com Ana Botella, directora-adjunta do CAM, e apresentação de Eurídice Gomes, directora literária da Penguin Random House — a entrevista com Katy Hessel pode ser lida no próximo Ípsilon, nas bancas com o PÚBLICO à sexta-feira.

Numa sala repleta de mulheres, a maioria jovens, como a autora britânica — o impacto das redes sociais continua a surpreender-me —, Eurídice Gomes reflectiu sobre o trabalho das mulheres, a arte que desenvolvem desde sempre, mesmo que pouco reconhecida e arredada das paredes dos museus. Hessel congratulou-se por as coisas estarem a mudar, por já se ver mais arte no feminino. "Mas o acesso é, ainda, desigual. A representatividade necessária para que a paridade aconteça, para que seja uma realidade — e não uma moda, como nos ameaçam —, depende de diversos mecanismos. Um dos mais importantes será, porventura, o da educação, nomeadamente a educação para a dúvida, para o questionamento", disse Eurídice Gomes, num texto que pode ler aqui

A educação, sempre a educação.

Boa semana!