Tuvalu está a afundar-se, mas ainda luta para manter as fronteiras marítimas

Com a possibilidade de terem de deixar a terra em que nasceram, em Tuvalu luta-se pela certeza jurídica sobre o que acontece quando uma nação é engolida pelo mar.

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Vista aérea de Funafuti, a ilha mais populosa de Tuvalu Kirsty Needham / REUTERS
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Kirsty Needham / REUTERS
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Tuvalu e os seus 11.000 habitantes, que vivem em nove ilhéus espalhados pelo Pacífico, estão a ficar sem tempo. Fukanoe Laafai gostaria de constituir família. Mas tem dificuldade em conciliar os seus planos com a subida do nível do mar que, segundo os cientistas, vai submergir grande parte da sua terra natal quando os seus filhos atingirem a idade adulta. "Creio que estamos prestes a afundar-nos", disse a empregada de escritório de 29 anos.

Tuvalu, cuja altitude média é de apenas dois metros acima do nível das águas do mar, registou uma subida do nível dos oceanos de 15 centímetros nas últimas três décadas, uma vez e meia superior à média global.

Em 2050, os cientistas da NASA projectam que as marés diárias vão submergir metade do atol principal de Funafuti, onde vivem 60% dos habitantes de Tuvalu, e onde as aldeias se agarram a uma faixa de terra tão estreita que chega a ter apenas 20 metros de largura em algumas partes.

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Laafai teme que a sua comunidade se disperse, precisamente quando ela planeia assentar REUTERS/Kirsty Needham

A vida no arquipélago já está a mudar: os tuvaluanos dependem de tanques de água da chuva e de um jardim central elevado para cultivar legumes, porque a inundação de água salgada arruinou os lençóis freáticos, afectando as colheitas.

Um tratado histórico sobre o clima e a segurança com a Austrália, anunciado em 2023, prevê a possibilidade de 280 tuvaluanos migrarem anualmente para a Austrália, a partir do próximo ano. Numa visita recente a Tuvalu e em entrevistas com mais de uma dúzia de residentes e governantes, a Reuters observou a ansiedade em relação à subida do mar e à perspectiva de uma deslocalização permanente.

Estratégia diplomática de sobrevivência

Quatro dos dirigentes referiram progressos na estratégia diplomática em preparação para estabelecer uma base jurídica para que Tuvalu continue a existir como Estado soberano — mesmo depois de desaparecer sob o oceano.

Especificamente, Tuvalu pretende alterar a lei do mar para manter o controlo de uma vasta zona marítima com direitos de pesca lucrativos e vê dois caminhos para o conseguir: um caso experimental no Tribunal Internacional do Direito do Mar ou uma resolução das Nações Unidas, apurou a Reuters.

A frustração com a resposta global à situação de Tuvalu, mesmo após o acordo inovador com a Austrália, levou os diplomatas do arquipélago a mudar a estratégia este ano, afirmaram dois dos responsáveis. Esta nova abordagem e os novos métodos não eram conhecidos até agora.

O território de Tuvalu tem apenas 26 quilómetros quadrados. Mas está disperso por um arquipélago extenso, criando uma zona económica exclusiva de cerca de 900 mil quilómetros quadrados — mais do dobro do tamanho da Califórnia.

“Uma decisão muito difícil de tomar”

Nesta sociedade unida e fortemente cristã, alguns residentes afirmam à Reuters que temem que a deslocalização significasse a perda da sua cultura. "Alguns terão de partir e outros quererão ficar aqui", afirmou Maani Maani, de 32 anos, um especialista em informática da principal cidade, Fongafale. “É uma decisão muito difícil de tomar”, acrescentou. “Quando se deixa um país, deixa-se a cultura com que se nasceu, e a cultura é tudo — a família, a irmã, o irmão. É tudo.

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“Toda a gente está a pensar [na possibilidade de terem de dizer adeus a Tuvalu]”, diz Maani Maani REUTERS/Kirsty Needham

Por enquanto, Tuvalu está a tentar ganhar tempo. Estão a ser construídos muros e barreiras marítimas para evitar o agravamento das tempestades em Funafuti, que tem 400 metros de largura no seu ponto mais alargado. Tuvalu construiu sete hectares de terra artificial — e está a planear mais —, que espera que se mantenha acima das marés até 2100.

Por essa altura, a NASA prevê uma subida do nível do mar de um metro em Tuvalu, ou o dobro no pior dos casos, deixando 90% de Funafuti debaixo de água.

Nação sem terra firme?

Depois de ter garantido uma saída para a sua população, os diplomatas de Tuvalu estão a lutar pela certeza jurídica sobre o que acontece quando um Estado insular de baixa altitude é engolido pelo mar.

De acordo com o plano de Tuvalu para garantir essa segurança jurídica, alguns residentes permanecerão o máximo de tempo possível, assegurando uma presença contínua para ajudar a sustentar a soberania duradoura da nação, segundo dois funcionários de Tuvalu e os termos do tratado com a Austrália.

A terra firme é outro requisito fundamental para a criação de um Estado, pelo que Tuvalu pretende alterar a lei do mar. Na quarta-feira, numa reunião de alto nível sobre a subida do nível do mar realizada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o primeiro-ministro, Feleti Teo, procurará obter o apoio dos membros da ONU para a campanha de Tuvalu para que as suas fronteiras marítimas e a sua condição de Estado sejam reconhecidas como permanentes, afirmam os responsáveis de Tuvalu.

"Tuvalu quer defender que a subida do nível do mar seja tratada como uma agenda autónoma, e não agrupada no discurso das alterações climáticas", disse o secretário permanente dos Negócios Estrangeiros de Tuvalu, Pasuna Tuaga, à Reuters. “É uma ameaça existencial para o Estado de Tuvalu e para a sobrevivência da sua identidade”.

Em Julho, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, que publicará um relatório sobre a subida do nível do mar no próximo ano, manifestou o seu apoio a uma "forte premissa" de que a condição de Estado se manteria nos casos em que a terra de uma nação se tornasse total ou parcialmente submersa devido à subida do nível do mar causada pelas alterações climáticas.

Alguns membros da comissão, contudo, chegaram a argumentar contra a alteração da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, preferindo outras vias.

Todos a bordo

As águas ricas em atum de Tuvalu são povoadas por frotas de pesca estrangeiras que pagam anualmente ao país cerca de 30 milhões de dólares (cerca de 27 milhões de euros) em taxas de licença — a sua maior fonte de receitas. Tuvalu também recebe pelo menos 10 milhões de dólares por ano (cerca de nove milhões de euros) com a venda do seu domínio de Internet .tv.

Se a comunidade internacional reconhecesse as fronteiras marítimas de Tuvalu como permanentes, isso constituiria uma salvação económica, afirmou numa entrevista o vice-primeiro-ministro, Panapasi Nelesone. Tuvalu pediu aos seus parceiros diplomáticos que assinassem comunicados conjuntos de apoio à preservação das suas fronteiras marítimas, embora muitos deles não tenham respondido formalmente. “Continuaremos a falar sobre isso — enquanto vivermos aqui”, disse Nelesone.

Os vizinhos de Tuvalu — os 18 membros do Fórum das Ilhas do Pacífico — estão solidários. Declararam que as fronteiras marítimas da região são fixas. E o tratado com a Austrália diz que “a condição de Estado e a soberania de Tuvalu manter-se-ão”. Quinze governos, incluindo alguns da Ásia e da Europa, também assinaram comunicados bilaterais com Tuvalu, concordando que as suas fronteiras não serão alteradas pela subida do nível do mar, afirmam os legisladores de Tuvalu.

No entanto, das jurisdições estrangeiras que operam frotas de pesca no Pacífico, apenas Taiwan, o aliado diplomático de Tuvalu, e Fiji, seu vizinho, assinaram tais comunicados. Os políticos de Tuvalu dizem que este facto os deixa inquietos; preocupam-se com a futura pesca ilegal e a consequente perda de receitas.

Próximos passos

Simon Kofe, um antigo juiz e actual legislador que representa Funafuti, liderou no ano passado as alterações à Constituição de Tuvalu para consagrar a sua condição de Estado perpétuo. A carta revista regista igualmente as coordenadas marítimas da zona económica exclusiva de Tuvalu.

Estas medidas ajudam a construir um rasto documental para reforçar o caso de Tuvalu, caso se procure obter uma decisão sobre o impacto das alterações climáticas nas fronteiras marítimas no Tribunal Internacional do Direito do Mar, disse Kofe à Reuters. “Quanto mais países reconhecerem esta proposição legal de que a condição de Estado é permanente, mais se contribuirá para a criação de um novo direito internacional consuetudinário”, disse Kofe.

Tuvalu é co-presidente da Comissão dos Pequenos Estados Insulares sobre Alterações Climáticas e Direito Internacional (COSIS), fundada há três anos com uma declaração de que as zonas marítimas se aplicam sem redução face às alterações climáticas.

Em Maio, o grupo obteve um parecer consultivo no tribunal, segundo o qual os Estados têm a obrigação de proteger o mar das alterações climáticas. Foi a primeira decisão do tribunal relacionada com o clima.

Donald Rothwell, especialista em direito marítimo internacional da Universidade Nacional Australiana, afirmou que se tratou de uma vitória significativa, que “faz avançar a posição de Tuvalu e de outros pequenos Estados insulares afectados pelas alterações climáticas”, mas que não se pronunciou sobre as fronteiras marítimas.

O direito do mar pode evoluir através da assinatura de tratados entre Estados individuais e vizinhos, de acordos regionais e do sistema multilateral que responde a casos de teste, afirmou.

Enquanto as autoridades de Tuvalu procuram garantias internacionais, os residentes estão a lidar com os impactos tangíveis das alterações climáticas — e com a possibilidade de terem de dizer adeus.

“Toda a gente está a pensar nisso”, disse o informático Maani. As marés vivas estão a tornar-se assustadoras, disse, e tem-se preocupado com o que acontecerá aos residentes idosos de Tuvalu, se os que estão em idade activa emigrarem primeiro.

Laafai teme que a sua comunidade se disperse, precisamente quando ela planeia assentar. “Tuvalu é muito carinhosa”, afirmou. “Mesmo que não se tenha muito, partilha-se com a família.”