Pouco depois das cinco da manhã de 30 de Agosto, a água começou a inundar uma vasta câmara subterrânea chamada "catedral", a norte de Tóquio. A água jorrada, captada pelas câmaras de segurança, era o resultado da chuva torrencial que estava a encharcar a região da capital, enquanto o tufão Shanshan fustigava o Sudoeste do Japão, a 600km de distância.
A catedral e a sua vasta rede de túneis cumpriram a sua função: impediram que uma bacia hidrográfica vulnerável da metrópole fosse inundada. Mas à medida que o aquecimento global provoca condições meteorológicas mais severas, as autoridades têm de actualizar o sistema.
“À medida que a temperatura aumenta, a quantidade de vapor de água na atmosfera aumenta, resultando em quantidades relativamente maiores de precipitação”, disse Seita Emori, professor da Universidade de Tóquio, membro de um grupo de cientistas do clima que ganhou um Prémio Nobel em 2007. “Prevemos que quantidades de chuva nunca antes vistas caiam com o aumento da temperatura no futuro”, acrescentou.
O Japão é propenso a numerosas catástrofes naturais, desde terramotos e erupções vulcânicas a tufões e deslizamentos de terras. E, tal como em grande parte do mundo, o país está a lidar com um clima sem precedentes devido ao aquecimento global.
Este Verão foi o mais quente de sempre desde que se iniciaram os registos em 1898, enquanto a precipitação recorde nas regiões do Norte resultou em inundações desastrosas em Julho, de acordo com a agência meteorológica. Em Tóquio, as tempestades repentinas e violentas, conhecidas como aguaceiros de “guerrilha”, tornaram-se cada vez mais comuns.
O complexo da catedral, oficialmente designado por Canal de Descarga Subterrânea da Área Exterior Metropolitana, demorou 13 anos e 230 mil milhões de ienes (1,42 mil milhões de euros) a construir. Desde a sua entrada em funcionamento, em 2006, já evitou mais de 928 milhões de euros em danos causados por inundações, segundo estimativas do Ministério do Território.
Para além do seu engenho de engenharia, o complexo é um ponto turístico popular e um local de filmagens. A extensão cavernosa tem capacidade para conter a água de quase 100 piscinas olímpicas. No interior, existem 59 pilares maciços, cada um pesando 551 toneladas e com 18 metros de altura. Quando os rios próximos inundam, o excesso de água passa por 6,3km de enormes túneis subterrâneos antes de se acumular no reservatório.
Descer cerca de seis andares até ao fundo da câmara é uma experiência de outro mundo. Tem o seu próprio microclima, muito mais fresco do que a superfície no Verão e mais quente no Inverno. Nuvens de nevoeiro obscurecem o topo dos pilares.
O interior sombrio, pontuado por lanças de luz natural provenientes de aberturas no tecto, e os pilares imponentes evocam uma estrutura religiosa antiga, dando origem a nomes como “a catedral”, “o santuário” ou “o templo”. A queda do poço número um é suficientemente profunda e larga para conter confortavelmente a Estátua da Liberdade.
O sistema foi activado quatro vezes em Junho, mais do que em todo o ano passado. Durante o tufão Shanshan, em 2016, captou água suficiente para encher o estádio de basebol Tokyo Dome quase quatro vezes, antes de a bombear em segurança para o rio Edogawa e para o mar.
“Em comparação com os anos anteriores, há uma tendência para uma grande quantidade de chuva cair de uma só vez, naquilo a que chamamos aguaceiros de guerrilha”, confirma Yoshio Miyazaki, o funcionário do Ministério do Território e responsável pelo complexo. “Se esta instalação não existisse, os níveis de água do rio Nakagawa principal e dos seus afluentes poderiam subir muito mais, provocando a inundação de casas e até mortes”, afirmou.
Mesmo assim, o sistema não conseguiu impedir a inundação de mais de 4000 casas na bacia hidrográfica devido às fortes chuvas do tufão de Junho de 2023. Estas inundações levaram as autoridades a iniciar um projecto de sete anos, no valor de 230 milhões de euros, para reforçar os diques e a drenagem da água na zona.
E mais perto do centro de Tóquio, está em curso outro grande projecto para ligar os canais que recebem as águas dos rios Shirako e Kanda. Quando estiver concluído, em 2027, transportará as águas das cheias cerca de 13 quilómetros debaixo de terra até à Baía de Tóquio.
A rede de esgotos de Tóquio foi concebida para lidar com chuvas até 75mm por hora, mas cada vez mais se registam tempestades localizadas que chegam a atingir 100mm, sobrecarregando o sistema, disse Shun Otomo, gestor de obra do projecto. “Por exemplo, se houver uma chuva temporária na bacia do rio Kanda, podemos aproveitar a capacidade da bacia em áreas onde não está a chover", disse Otomo. "Acreditamos que isso será eficaz contra essas chuvas de guerrilha.”