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Receita Federal está de olho em 1,3 bilhão de euros que brasileiros têm em Portugal
O Fisco do Brasil abriu programa especial para cidadãos que vivem no exterior e desejem regularizar a situação tributária no país. É preciso comprovar, porém, a origem do patrimônio.
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A aprovação do programa Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT-Geral) pelo Governo do Brasil representa uma oportunidade para brasileiros com ativos no exterior ajustarem a situação junto à Receita Federal. É possível informar bens como imóveis, investimentos, participações em empresas, marcas e outros direitos. O programa estará aberto até 15 de dezembro de 2024.
A adesão ao RERCT-Geral é voluntária. O regime especial foi criado para que contribuintes brasileiros fiquem em dia com o Fisco ao darem ciência sobre bens e direitos no exterior, cuja origem seja lícita, mas que estejam total ou parcialmente declarados de forma incorreta. A vantagem do programa reside na possibilidade de regularizar não apenas os ativos mantidos no exterior, mas também aqueles em território brasileiro, evitando multas severas e procedimentos judiciais.
Entre os ativos abrangidos pelo regime incluem-se: depósitos bancários e instrumentos financeiros (cotas de fundos de investimento, certificados de depósitos); imóveis; participações em empresas (brasileiras ou estrangeiras); marcas, patentes e outros direitos intangíveis; veículos, aeronaves e embarcações. Se esses ativos não forem declarados, em caso de fiscalização, o ônus da prova da legalidade recai sobre o contribuinte.
A Receita Federal enviou ao PÚBLICO Brasil um estudo exclusivo sobre o volume total de ativos que brasileiros possuem em Portugal, que chegam a R$ 7,8 bilhões (1,3 bilhão de euros). Isso significa 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) português.
Existem 5.321 brasileiros que moram em Portugal e declaram Imposto de Renda (IR) no Brasil. Isso representa 1% dos 500 mil cidadãos que vivem oficialmente em território luso. Ou seja, a maior parte dos brasileiros optou por não dar saída fiscal do Brasil, o que os mantem sujeitos às leis brasileiras. Contudo, os que declaram bens à Receita têm ativos em Portugal da ordem de R$ 4,7 bilhões (783 milhões de euros).
Vantagens do programa
Marília Cavagni, advogada e sócia do escritório CPPB Law, explica como funcionam as regras de adesão ao Programa Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária. O contribuinte deve declarar todos os bens e recursos não informados corretamente até o final de 2023. Os bens regularizados serão considerados acréscimos patrimoniais adquiridos em 31 de dezembro de 2023, mesmo que, nesta data, não exista saldo ou título de propriedade.
“O contribuinte terá que pagar multa. Isso resultará no recolhimento de 30% sobre o valor regularizado, sendo 15% de imposto e 15% de encargos”, explica a advogada. Mas esse valor é substancialmente inferior à penalidade que seria cobrada em casos normais de fiscalização, com taxas de até 27,5% para pessoas físicas e de 34% para pessoas jurídicas, além de juros e multas de até 150% sobre o valor do imposto devido.
A adesão ao programa pode ser feita por via eletrônica, por meio do e-CAC (Centro de Atendimento Virtual da Receita Federal). Os contribuintes devem apresentar a Declaração Única de Regularização, conhecida como Dercat, juntamente com o pagamento do imposto e da multa.
“Antes de submeter a declaração, é recomendável preparar um dossiê com a documentação que comprove a origem e a licitude dos bens a serem regularizados. Essa medida é fundamental para evitar complicações em eventuais fiscalizações futuras”, aconselha Marília.
Para Marcelo Sobreira, sênior advisor da 3J Capital Partners, a proposta do Governo faz sentido. “A adesão ao programa é voluntária e uma oportunidade para o investidor que tem recursos no exterior regularizar sua situação”, afirma. Ele assinala outro ponto importante: no caso dos bens imóveis, deve-se considerar o valor de mercado, a data de aquisição e a expectativa de quando e se irá vendê-los. Com escritório em São Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa, a equipe 3J se pauta na prestação de serviços personalizados aos clientes.
Consequências
Para investidores brasileiros com ativos no exterior, a adesão ao RERCT-Geral evita complicações fiscais e criminais, garantindo tranquilidade para continuar a investir de forma segura e transparente. É recomendável que cada contribuinte procure assistência jurídica e fiscal qualificada para avaliar a situação patrimonial e garantir que a regularização seja feita de forma correta.
Os advogados alertam que os contribuintes que não aderirem ao programa até 15 de dezembro deste ano e continuarem com ativos não declarados enfrentarão riscos. Em primeiro lugar, poderão ser aplicadas multas que podem chegar a 225% do valor do tributo devido, além de juros de mora. Em segundo, não declarar ativos pode configurar crime contra a ordem tributária, levando a acusações de sonegação fiscal e evasão de divisas. A Receita Federal não quis comentar como a fiscalização desses ativos será feita nem sobre possíveis penalidades.
Vera (que não quis dar o nome completo por medo de represálias da Receita Federal) tem 60 anos. Moradora de Braga, ela revela que, em seu Imposto de Renda, não declara os bens que adquiriu em solo português (um apartamento e um carro). Em 2022, vendeu dois imóveis no Rio de Janeiro e usou o valor para comprar um apartamento por 120 mil euros (R$ 720 mil) e um Fiat 500X. Contudo, esses ativos não constam na declaração à Receita Federal brasileira.
Embora declare sua aposentadoria do Brasil em Portugal, Vera admite que não sabia da necessidade de incluir o apartamento e o veículo na declaração de IR. “Minha contadora no Brasil também desconhecia”, diz. Questionada se teme ser multada por isso, Vera diz: “Ninguém quer pagar imposto, ainda mais no meu caso, que não moro mais no Brasil. Quero pagar imposto em Portugal, não no Brasil”.
A brasileira demonstra frustração com a falta de orientação clara por parte da Receita Federal para cidadãos que vivem no exterior. Mas, com o novo programa de regularização cambial e tributária, ela agora considera regularizar sua situação, embora ainda tema as sanções.
Medo pelos pais
O designer Carlos Eduardo (que também teme multas), de 31 anos, vive em Portugal há nove anos. Ele diz que não declara os bens que adquiriu em terras lusitanas no Imposto de Renda do Brasil. O brasileiro comprou um apartamento há cinco anos. “Não fazia a menor ideia sobre a obrigação de prestar contas à Receita. Achava que, por ser residente fiscal em Portugal, não precisaria declarar nada no Brasil”, afirma.
Kauê, como gosta de ser chamado, deixou o Brasil ainda como estagiário e, desde então, construiu sua carreira em Portugal. Por isso, ele não preenche a declaração de IR desde 2014, mesmo não tendo dado saída fiscal do Brasil, o que, por lei, o obriga a prestar contas ao Fisco brasileiro. “Quando saí do Brasil, não tinha grandes volumes de movimentações financeiras”, explica.
Contudo, o fato de ter adquirido um imóvel em Portugal sem dar saída definitiva do Brasil o coloca em uma situação de risco fiscal. Segundo as regras brasileiras, cidadãos que mantêm bens no exterior precisam declarar essas posses, mesmo que não morem mais no país.
Kauê demonstra preocupação com seus pais, que estão na mesma situação que ele perante a Receita. “Eles são aposentados no Brasil e vivem em Portugal. Os dois também compraram um apartamento, mas não declaram no IR do Brasil. Isso me assusta, porque eles podem ser multados”, diz.