Bruxelas autorizada a “castigar” eléctricos chineses, mas ainda negoceia com Pequim

Alemanha e quatro países votaram contra mas a maioria absteve-se ou aprovou um agravamento fiscal sobre carros da China. Taxas sobem em Novembro, se China e UE não conseguirem acordo alternativo.

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A Comissão Europeia recebeu carta-branca, nesta sexta-feira, para aplicar taxas aduaneiras suplementares de até 35,3% sobre viaturas eléctricas feitas na China e importadas para a União Europeia, depois ter visto aprovada a sua proposta para "castigar" os modelos que estão a ser produzidos naquele país com ajudas de Estado, o que, no entender de Bruxelas, desvirtua a concorrência, porque lhes permite chegar ao mercado único europeu com preços mais baixos.

Dez países votaram a favor da proposta, 12 abstiveram-se e cinco votaram contra, um dos quais é a Alemanha, que é o maior produtor europeu de carros e teme uma guerra comercial com a China, que representa cerca de um terço das vendas anuais da enorme legião de fabricantes alemães, como a Volkswagen, a BMW e a Porsche.

Para Berlim, que já lida actualmente com uma economia periclitante, o maior receio são eventuais retaliações por parte de Pequim, que já anunciou, no Verão, uma investigação aos subsídios que a UE concede aos produtores europeus de diversos produtos comercializados na China, como lacticínios, brandy e carne de porco.

Além disso, marcas alemãs como a Volkswagen têm fábricas na China e investiram fortemente, ao longo dos últimos anos, neste mercado, que é o maior do mundo, estabelecendo parcerias industriais (joint ventures) com produtores locais.

A votação desta manhã decorreu no comité dos instrumentos de defesa comercial, competente em matéria de concorrência, e que é composto por um representante de cada Estado-membro e presidido por um funcionário da Comissão, que pode dispensar, neste caso, a aprovação da sua proposta por parte do Conselho Europeu, ao abrigo das regras da comitologia.

Neste tipo de procedimentos, é um comité técnico que representa as partes interessadas e, do ponto de vista político, a Comissão tem liberdade para decidir, desde que a sua proposta não seja chumbada.

Por isso mesmo, o executivo europeu apressou-se a reagir nesta sexta-feira, salientando que tem "o apoio necessário" para avançar com a sua proposta de agravamento fiscal aduaneiro. No entanto, também salienta que os dois blocos (UE e China) "continuam em paralelo a trabalhar arduamente numa solução alternativa" que torne desnecessário aplicar as taxas aduaneiras suplementares, cuja consequência imediata acaba por penalizar o consumidor no mercado único europeu, porque vai pagar mais caro pelos eléctricos chineses.

Essa alternativa teria, no entanto, de "ser compatível com as regras da Organização Mundial do Comércio" e precisaria de "lidar adequadamente com a subsidiação prejudicial [para a UE]" da indústria automóvel chinesa, e que Bruxelas diz desvirtuar as regras da concorrência, tal como alega ter confirmado na investigação aprofundada que levou a cabo ao longo de quase um ano.

As diferentes reacções são tudo menos consensuais. O chefe da BMW, Oliver Zipse, diz que o resultado da votação espelha a divisão entre os países e representa "um sinal fatal para os produtores europeus". Para a Volkswagen, que tem disputado o lugar de maior produtor mundial com a nipónica Toyota, o agravamento das obrigações aduaneiras "é uma abordagem errada".

No campo político, há quem aplauda. "É positivo que a UE esteja a tomar decisões. Ao mesmo tempo, as taxas aduaneiras não podem ser nunca uma iniciativa isolada – é a falta de uma política industrial séria que nos traz até aqui", reagiu Bas Eickhout, deputado europeu e co-presidente da família política progressista e ecologista composta pelo Grupo dos Verdes e pela Aliança Livre Europeia.

"No longo prazo, a nossa indústria automóvel só se desenvolverá com previsibilidade das políticas, uma estratégia clara para a transição e o investimento na mão-de-obra. Taxas aduaneiras podem ser usadas para contrariar a concorrência desleal em matérias como práticas ambientais e sociais, mas não podem ser meros instrumentos de proteccionismo. Em última análise, precisamos de uma indústria automóvel europeia competitiva, inovadora e que impulsione as tecnologias verdes", completou.

Actualmente, as taxas aduaneiras são de 10%. Em cima desta taxa, a Comissão poderá vir a aplicar taxas adicionais que variam entre 7,8% e 35,3%, conforme as marcas e os apoios que estas receberam do Governo de Pequim. O grupo parlamentar europeu dos Socialistas e Democratas também se fez ouvir depois da votação nesta manhã, apelando à China que "encontre uma solução com a Comissão Europeia para que seja garantida uma concorrência justa".

Tal solução alternativa pode, por exemplo, passar pelo estabelecimento de um preço mínimo para os carros chineses introduzidos no mercado da UE.

O grupo dos Socialistas e Democratas (S&D) "frisa a importância de se evitar uma escalada nas relações comerciais". "A palavra final ainda não está dada. Ainda temos tempo para uma solução negociada. Saúdo a Comissão Europeia por declarar que continua aberta a negociar com a China mesmo depois deste voto. Seria desastroso interromper estas conversações, e todos perderíamos se entrarmos numa escalada", declarou Bernd Lange, deputado europeu alemão da bancada S&D e presidente do comité do Comércio no Parlamento Europeu.

Depois de quase um ano de investigação aos subsídios chineses, a Comissão chegou à conclusão de que os preços mais baixos dos carros chineses face aos eléctricos europeus ou de outras origens resultavam das ajudas de Estado na China, materializadas sob a forma de subsídios aos produtores. Entre a Primavera e o Verão, o executivo europeu avançou com as conclusões de que isto consubstancia uma concorrência desleal.

Nessa altura, propôs de imediato o agravamento das taxas, mas em Agosto viria a rever os valores em baixa, depois de ter em conta os argumentos de defesa dos produtores chineses visados.

Se não houver uma solução alternativa, a Comissão tem até 30 de Outubro para publicar a decisão final com as taxas suplementares a aplicar na importação, valores esses que, à partida, irão vigorar por um período de cinco anos.

Para o deputado europeu italiano Brando Berifei, que coordena a comissão de Comércio no Parlamento Europeu, "o que importa é que a UE envie uma mensagem clara aos nossos parceiros comerciais, de que não vamos abandonar a defesa da concorrência justa seja em que sector industrial for. A nossa prioridade tem de ser a defesa da indústria europeia e do emprego de qualidade na Europa", afirmou este representante, que também integra o grupo parlamentar S&D.

A indústria automóvel emprega 13,8 milhões de pessoas na UE e representa 7% da produção económica anual.

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