Diário de um(a) Cientista: artigo sobre evolução do lobo-ibérico foi o preferido dos leitores

Projecto de comunicação de ciência juntou jornalistas do PÚBLICO e cientistas do Biopolis. Diana Lobo, João Rosa e Beatriz Alves escreveram os artigos mais votados pelos leitores.

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A cientista Diana Lobo venceu o concurso do Diário de um Cientista com um texto que fala da sua investigação sobre o lobo-ibérico Nelson Garrido
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“Como é que os genes dos nossos cães podem ter ajudado o lobo-ibérico a adaptar-se e sobreviver em ambientes humanizados?” Era assim que Diana Lobo resumia, há cerca de meio ano, a ideia que esteve na origem da sua investigação científica sobre as características do lobo-ibérico — uma história que acabou por contar na série Diário de um Cientista e que foi eleita como a preferida dos leitores do PÚBLICO.

A votação decorreu de 5 a 15 de Setembro de 2024 e contou com 2540 votos, com cada participante a poder eleger três artigos dos 26 cientistas do Biopolis-Cibio que participaram. A vencedora foi Diana Lobo, que integra o grupo de investigação ECOGEN, com o seu artigo Como um gene de cão pode ter ajudado o lobo-ibérico a sobreviver: uma história com 3000 anos, seguindo-se João Rosa, autor de Gaio: ladrão de bolotas ou um silvicultor discreto? e investigador no grupo AGRODIV, e Beatriz Alves, cientista na equipa do grupo CONGEN que escreveu Gatos há muitos, mas este corre o risco de extinção em Portugal.

O Diário de um Cientista foi um projecto de comunicação de ciência que juntou jornalistas do PÚBLICO e cientistas da associação Biopolis. Os 26 textos resultantes desse trabalho, assim como quizzes e podcasts, foram publicados durante o mês de Agosto numa página interactiva especial, com ilustrações de André Carrilho, e nas página da edição impressa. “É importante dizer que qualquer um dos meus colegas podia ter ganho e seria superbem entregue”, faz questão de sublinhar a vencedora do concurso. “No final, quem ganha é a biodiversidade e a comunicação de ciência.”

A associação Biopolis vai atribuir aos três cientistas mais votados pelos leitores prémios monetários: 1000 euros, 750 euros e 500 euros, respectivamente.

A grande descoberta do trabalho de Diana Lobo — o momento “eureka” que a investigadora descreve no texto preferido dos leitores da série Diário de um Cientista — surgiu depois de várias análises sobre diversas dimensões da história do lobo-ibérico. Juntando a componente genética com as componentes temporal e a geográfica, as pistas foram apontando no mesmo sentido e o puzzle encaixou-se: “É aquele momento em que dizes ‘isto faz sentido, era disto que estávamos à procura!’”, descreve a investigadora.

A tese de doutoramento de Diana Lobo, Uma Perspectiva Genómica da Trajectória Evolutiva dos Lobos em Paisagens Humanizadas, defendida em Fevereiro de 2023, resultou de um longo percurso iniciado ao lado da investigadora Raquel Godinho, coordenadora do grupo de trabalho do Cibio sobre ecogenómica e uma das suas orientadoras de doutoramento. “Era uma hipótese que ela tinha pensado há muito tempo, e começámos a desenvolver juntas”, descreve Diana Lobo.

Uma parte deste percurso em equipa é contada também no podcast Diário de um Cientista, num episódio em que Diana Lobo explora a sua “máquina do tempo” de eleição: um museu de história natural.

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O artigo “Gaio: ladrão de bolotas ou um silvicultor discreto?”, da autoria do investigador João Rosa, ficou em segundo lugar na votação do Diário de um Cientista DR

Lobos na agenda

Os lobos têm estado na agenda mediática devido à decisão da União Europeia de iniciar um processo para reduzir o nível de protecção do lobo na Europa. Como é que Diana e os colegas que investigam esta espécie têm visto estas notícias?

Trata-se de uma decisão “inconsequente”, lamenta a investigadora, sublinhando que “não é suportada em opiniões de especialistas” e foi tomada sem uma tentativa de perceber que tipo de consequências poderá trazer.

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O artigo “Gatos há muitos, mas este corre o risco de extinção em Portugal”, da autoria de Beatriz Alves, ficou em terceiro lugar Nelson Garrido

Noutros países, em particular na Europa Central, há actualmente uma expansão do lobo. A espécie “tem recuperado e tem recolonizado áreas onde já estava extinto desde os anos 1960 e 1970”, explica. Só que esta recuperação da espécie, celebrada do ponto de vista da conservação e com potencial de equilíbrio dos ecossistemas, tem levantado “preocupações a pessoas que não estavam habituadas a ter o lobo presente de forma permanente”.

Diana Lobo, natural da aldeia minhota de Aboim da Nóbrega, no município de Vila Verde, conta como cresceu a ouvir histórias sobre o lobo-ibérico, o “lobo mau” que acabou quase extinto após décadas de perseguição. “Aquilo que não conheces é o que mais temes...”, diz.

No final de contas, o contexto actual na Europa “é uma balança pouco equilibrada” para o lado dos lobos: a caça ilegal continua a ser um problema. “Apesar do estatuto, os caçadores continuam a matar”, alerta a investigadora.

Perspectivas para o futuro

O trabalho sobre o qual escreveu no seu Diário de uma Cientista (chamemos-lhe no feminino, em homenagem à vencedora) foi o capítulo principal da tese de Diana Lobo, vertido num artigo científico que a autora espera ver publicado até ao final do ano.

Entretanto, o feedback recebido tem mostrado o potencial deste trabalho: “Tive a sorte de ganhar a melhor apresentação oral com este trabalho” num congresso em Edimburgo, em Janeiro, conta.

Depois do fim do doutoramento, Diana Lobo tem trabalhado num projecto europeu sobre a hibridação do lobo à escala europeia: qual é a frequência destes “cruzamentos”, quais são os impactos do ponto de vista genético, quais os efeitos do ponto de vista genotípico e das características morfológicas e fisiológicas — no fundo, quais são as características deste percurso evolutivo do lobo em paisagens humanizadas.

O projecto europeu continuará até 2025, mas o contrato de Diana Lobo termina já no fim deste ano. O plano agora é concorrer aos contratos de estímulo ao emprego científico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e esperar pela resposta que deverá demorar vários meses — até lá, “felizmente, temos alguns fundos próprios no grupo”, desabafa, sem esconder a frustração com a “falta de uma carreira sustentável enquanto investigadora”.