Dia Nacional da Sustentabilidade: “A apatia é inimiga do progresso”

Última conferência do ciclo Encontros com Futuro assinalou o Dia Nacional da Sustentabilidade, na Fundação de Serralves, com uma interrogação como ponto de partida: “O futuro é circular?”

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O irlandês luso-descendente Fionn Ferreira foi o orador principal da última conferência do ciclo Encontros com Futuro Nelson Valente
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Promover o debate e a reflexão sobre como podemos contribuir para a construção de um futuro mais sustentável é o principal objectivo do ciclo de conferências Encontros com Futuro. A segunda edição desta iniciativa do PÚBLICO, concretizada com o apoio da REN, terminou simbolicamente no Dia Nacional da Sustentabilidade, a 25 de Setembro, no Porto. Após dois dias dedicados ao papel das organizações, à integração dos critérios ESG (ambientais, sociais e de governança) na sua gestão e a conhecer melhor projectos que impactam directamente os cidadãos, o evento terminou com um mote que, embora tenha sido lançado como pergunta, logo se transformou em afirmação: o futuro é circular.

Um pedaço de plástico como metáfora para impulsionar a inovação

Fionn Ferreira é um jovem cientista, inventor e defensor da sustentabilidade. Em 2019, com apenas 16 anos, ganhou o 1.º prémio da Google Science Fair com um método inovador para extrair microplásticos da água. Criou a sua empresa e está a trabalhar num protótipo em grande escala, capaz de remover partículas de plástico dos sistemas de abastecimento de água potável. Foi nomeado pela revista Forbes como um dos jovens mais bem-sucedidos do mundo na área de Ciência e Saúde, na lista 30 under 30” de 2021. Percebe-se, no seu discurso, a vontade que tem de inspirar outros a fazer algo, mesmo que através de pequenas acções. O irlandês luso-descendente foi o orador principal do dia e, mesmo à distância, conseguiu deixar clara uma mensagem principal: a apatia é a principal inimiga do progresso.

Fionn Ferreira falou da sua experiência de observação (do lixo de plástico) e de experimentação, na altura com peças de Lego. A abordagem ao problema, com curiosidade e persistência, defende, é “crucial para resolver problemas complexos” – não esquecendo que “o fracasso faz parte do processo”. Fionn acredita que as empresas devem adoptar os princípios da economia circular e que os seus líderes precisam de criar um verdadeiro “movimento global” em torno da sustentabilidade.

“Vocês estão a moldar o futuro”, interpelou na sua intervenção, num certo tom de responsabilização dirigido à assistência. O caminho, acrescenta, não é apenas seguir tendências”, mas incorporar a sustentabilidade no coração das operações empresariais e definir metas mais ambiciosas. Movimentos que vão “para além do lucro e que causem impacto duradouro”. Como fazê-lo? Envolver os colaboradores a todos os níveis para assumirem a responsabilidade nesta missão conjunta, comunicar de forma clara qual a visão de sustentabilidade aos clientes e investidores, e “construir uma comunidade” foram algumas das sugestões apresentadas pelo jovem cientista. “A verdadeira liderança”, acredita, não tem que ver tanto com construir uma empresa, mas sim com “construir um movimento e uma comunidade”.

Enquanto termina o Mestrado em Química na Universidade de Groningen, nos Países Baixos, Fionn continua a trabalhar no sistema de extracção de microplásticos. Já experiente neste tipo de eventos, conclui a apresentação com um apelo ao sentimento e à responsabilidade individual. “Cada um de vós tem o poder de fazer mudanças na sua organização, na sua área, na sua família e comunidade”, mesmo que, alerta, isto não vá acontecer de um dia para o outro. “Com curiosidade e resiliência” e liderança ousada, sugere, é possível criar uma mudança real e duradoura. “O oceano pode ser vasto e os desafios que enfrentamos parecem ainda maiores", nota, numa clara referência à sua experiência, “mas nenhum pedaço de plástico é demasiado pequeno" ou demasiado insignificante para fazer a diferença.

Os desafios da economia circular

A conclusão da comunicação de Fionn Ferreira abriu o debate para a forma como estamos a enfrentar a circularidade e outros desafios da sustentabilidade.

Mafalda Sarmento é, entre outras coisas, investigadora na área da Sustentabilidade na Universidade Católica de Lisboa e tem contribuído para um percurso no qual a instituição tem procurado incluir, de forma crescente, a sustentabilidade na sua missão. São disso exemplo centros de investigação como o Centro de Sustainable Finance, que apoia as pequenas e médias empresas (PME) na transição sustentável, o IUNO – Social Innovation Center, cujo trabalho se foca mais na inovação social empresarial, e o Centro de Responsible Business and Leadership, que trabalha na aplicação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em empresas portuguesas. Sobre este último, Mafalda Sarmento adiantou que, apesar de o número de empresas que incorporam a sustentabilidade na sua estratégia ter crescido, estas “ainda têm muitas dificuldades de implementação”.

O acompanhamento que o Observatório dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável nas Empresas Portuguesas tem feito a 61 grandes empresas e a mais de cem PME mostra que “há mais consciência para práticas de sustentabilidade", mas que, na verdade, o futuro das empresas “vai depender cada vez mais da capacidade que possam ter de se reinventar”. Nomeadamente, “em relação a modelos circulares”. Para que se possam focar na economia circular, avisa a investigadora, as empresas precisam de “incentivos e de políticas públicas robustas para alcançar maior escala e impacto”.

Como ultrapassar a apatia?

No painel de debate que encerrou o Encontros com Futuro, esteve bastante presente o problema da apatia. O assunto já tinha sido levantado por Fionn Ferreira, citando Jane Goodall: “O maior perigo para o nosso futuro é a apatia.” Atirou ainda: “A apatia é inimiga do progresso, não fazer nada ou fazer muito pouco é uma escolha.” Escolha essa que implica consequências para os negócios e para o planeta.

Entre os convidados do painel estava Alice Khouri, formada em Direito e uma voz activa na defesa de questões ligadas à transição energética e à sustentabilidade. É uma das fundadoras da Women in ESG e “head of legal” na Helexia Portugal, onde colabora no desenvolvimento de estratégias que permitam aos clientes aumentar a eficiência energética nas suas operações. Mostrou números, sugeriu acção. Apesar de o seu trabalho consistir, essencialmente, em “usar o Direito como ferramenta de auxílio" no que considera "uma avalanche regulatória”, a mensagem que passou foi de combater, acima de tudo, a apatia.

A conversa moderada pelo director do PÚBLICO, David Pontes, tocou várias vezes nesse ponto e na necessidade de colaboração e acção eficaz para enfrentar os desafios ambientais e económicos, do presente e do futuro. Pedro Norton de Matos começou por usar a jardinagem como analogia no trabalho necessário para um futuro mais sustentável. O mentor do Greenfest, que se promove como “o maior evento nacional dedicado à sustentabilidade”, destacou o optimismo dos jardineiros como uma importante virtude para enfrentar os desafios ambientais e sociais: “Quem semeia acredita que a semente vai germinar. Quem poda acredita que o novo formato vai ser mais funcional. Quem transplanta acredita que o transplante vai resultar."

É preciso uma certa “dose de esperança” associada à sustentabilidade, acredita Norton de Matos. Reforçou também a necessidade de “resgatar” a economia circular praticada há anos pelos nossos avós, pois “vivemos numa sociedade de desperdício”. Enfatizou que a natureza ensina a circularidade, porém a sociedade optou por uma linearidade insustentável: "Nós é que voltámos as costas à natureza e nos esquecemos da circularidade.”

Bruno Esgalhado, partner da consultora internacional McKinsey, continuou o tema da sustentabilidade com uma abordagem mais pragmática e destacou o facto de muitas empresas estarem “confusas sobre como lidar com a sustentabilidade, questionando se é uma oportunidade ou uma ameaça”. Na McKinsey, diz, o seu papel é ajudar as empresas a “navegar essa complexidade e a lançar novos negócios sustentáveis”. Apesar de a sustentabilidade ser um tema presente, frisou a necessidade de acções mais rápidas e decisivas. E, sublinhou, “a inacção é, em parte, causada pela expectativa de que outros resolvam o problema”. Uma vez mais, a apatia, a tal inimiga do progresso. E da sustentabilidade.


O ciclo de conferências Encontros com Futuro é uma iniciativa do Público, com o apoio da REN.
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