Sheinbaum vai assumir a presidência do México para fechar o capítulo de AMLO

A primeira mulher a chegar à presidência do México terá de trilhar um caminho difícil entre o respeito pela herança do seu antecessor e a afirmação da sua postura própria.

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Claudia Sheinbaum vai suceder a Andrés Manuel López Obrador como Presidente do México Raquel Cunha / REUTERS
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Claudia Sheinbaum vai tornar-se nesta terça-feira a primeira mulher chefe de Estado do México, numa cerimónia de tomada de posse que se antecipa como histórica. Pela frente tem inúmeros desafios e uma herança pesada que tanto poderá ser uma bênção como uma maldição.

Há uma grande expectativa para o discurso de Sheinbaum na tomada de posse, nesta terça-feira, na Cidade do México, mas talvez haja uma antecipação ainda maior em relação ao modelo que a nova Presidente mexicana pretender dar às mañaneras. Estas conferências de imprensa matutinas dadas pelo seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador, tornaram-se uma imagem de marca do Presidente cessante e, acima de tudo, um instrumento poderoso para difundir a narrativa privilegiada pelo Governo federal.

Nestas conferências, AMLO, como é conhecido, costumava adoptar o seu tom habitualmente extrovertido e descarado para criticar adversários, elogiar as próprias políticas e falar directamente para o eleitorado de forma simples e coloquial.

A primeira conferência de imprensa de Sheinbaum está marcada para quarta-feira, mas é bastante improvável que o tom da nova Presidente seja sequer idêntico ao de AMLO. “Ela não tem os mesmos reflexos, não tem o mesmo carisma”, disse à Reuters o estratego político Sergio Torres, sublinhando o “grande desafio” que Sheinbaum terá para “manter o seu estilo próprio, mas com o mesmo peso que López Obrador”.

Não será, porém, apenas nas mañaneras que Sheinbaum terá de enfrentar a sombra de AMLO. O Presidente cessante abandona o cargo com uma taxa de aprovação na ordem dos 60% e os bons resultados obtidos por Sheinbaum nas presidenciais e pelo Morena (Movimento Regeneração Nacional) para o Congresso são vistos como prova da sua enorme popularidade.

Durante a presidência de Obrador, milhões de mexicanos saíram do patamar da pobreza extrema, embora os níveis de desigualdade não tenham diminuído na última década. Apresentando-se como um político proveniente de fora das elites – AMLO vem de uma família de comerciantes do estado de Tabasco, no Sul do México –, conseguiu atrair o voto e a fidelidade quase incondicional de milhões de eleitores que reforçaram o poder do Morena, o partido de esquerda que fundou há dez anos.

Mais racional

Sheinbaum tem um perfil consideravelmente diferente. Nascida numa família de académicos de classe média, urbanos e cosmopolitas, desde cedo esteve próxima de movimentos políticos de esquerda. Estudou física e doutorou-se na Universidade de Berkeley, nos EUA, tendo prosseguido uma carreira na investigação especializada no ambiente e energias. Esteve ao lado de AMLO nas duas candidaturas presidenciais em que foi derrotado, em 2006 e 2012, e em 2018 tornou-se governadora da Cidade do México.

O El País descreve-a como “alguém que toma decisões a partir de dados”, uma “CEO profissional da administração pública, a esquerda com Excel”. Trata-se de uma postura marcadamente diferente da de AMLO que muitas vezes se movia mais por intuição política do que por cálculo.

Obrador tem dito que pretende abandonar a vida política em definitivo e dedicar-se ao rancho que comprou em Tabasco, mas ao mesmo tempo sugere que poderá manter-se na Cidade do México durante mais algum tempo. A influência de AMLO é forte também entre as fileiras do Morena e caberá a Sheinbaum trilhar o seu próprio caminho.

“Se ela permitir que ele imponha a sua agenda, será uma Presidente muito fraca e criticada por isso, mas, se não o deixar, também poderá ser fraca ou sofrer às mãos das suas próprias tropas”, disse ao Financial Times o analista José del Tronco.

A primeira mulher Presidente do México terá desafios de grande envergadura para mostrar a sua independência. Nos últimos meses do seu mandato, Obrador conseguiu fazer aprovar uma reforma muito polémica do sistema judicial, abrindo quase todos os cargos judiciais ao voto popular. A reforma foi muito criticada por ser interpretada como uma medida populista e que, no limite, poderá pôr em causa a independência do sistema judicial e até o seu simples funcionamento.

Ao mesmo tempo, Sheinbaum terá ainda de lidar com o buraco nas contas públicas aberto pela Pemex, a petrolífera estatal que é hoje uma das empresas mais deficitárias em todo o mundo neste sector, antecipando-se que possa finalmente dar início à transição para um modelo menos dependente dos combustíveis fósseis. E há ainda a iminente mudança na Casa Branca após as eleições de Novembro que tem o potencial de mudar dramaticamente as relações entre os EUA e o México.

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