A brasileira que usa a “advocacia de guerrilha” para enfrentar a AIMA

Catarina Zuccaro tem 686 processos em andamento contra a Agência para Integração, Migrações e Asilo. Ela usa instrumentos previstos em lei para ajudar estrangeiros a obterem autorização de residência.

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Advogada brasileira, que vive há 17 anos em Portugal, tem sido ativo na defesa de imigrantes Arquivo pessoal
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A paulistana Catarina Zuccaro dificilmente desiste de uma disputa, sobretudo, se estiver defendendo o lado mais fraco da história. Não à toa, tem sido apontada com uma das advogadas mais ativas na defesa dos interesses de imigrantes em Portugal contra a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA). “Aprendi a fazer 'advocacia de guerrilha', termo usado pelo também advogado Eduardo Dias”, diz. Isso consiste em não se render à burocracia. Se um obstáculo cruza o caminho dela, busca superá-lo, pois acredita que, no final, a justiça prevalecerá nos tribunais.

Neste momento, Catarina está com 686 processos ativos contra a AIMA. “Devemos chegar a 800 nos próximos dias”, afirma. A maioria dos casos trata de pedidos de autorização de residência em Portugal, seja por meio do acordo de mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), seja por intermédio da Manifestação de Interesse, instrumento abolido pelo Governo em junho último. Esse mecanismo permitia a qualquer estrangeiro entrar em Portugal como turista e, em seguida, manifestar o interesse em viver no país.

A advogada, por sinal, critica a forma como o Governo extinguiu a Manifestação de Interesse. “Tudo foi decidido da noite para o dia. As pessoas que estavam sem documentação e se beneficiariam desse instrumento não tiveram tempo de se preparar”, ressalta. O resultado é que ela está sendo obrigada a recorrer ao artigo 123.º, da Lei dos Estrangeiros (23/2007), para ajudar aqueles que foram pegos de surpresa, alegando razões humanitárias. “Deixar imigrantes sem a oportunidade de ter acesso à documentação gera muitos problemas. Os que não têm condições de retornar aos países de origem tendem a ficar nas ruas”, acrescenta.

Execução da sentença

Na disputa diária com a AIMA, Catarina, que mora em Portugal há 24 anos e advoga há 17 no país, assegura que, no caso dos processos movidos por ela, a agência está cumprindo as determinações da justiça. Muitos de seus colegas, no entanto, reclamam que a AIMA não responde às ações. Para a paulistana, isso acontece porque os profissionais estão mal instruídos. “De nada adianta apenas distribuir um processo administrativo, se não forem seguidas as demais etapas, que exigem que os advogados se mexam. Vários deles se deixaram contaminar pela febre de processos contra a AIMA sem o preparo necessário”, frisa.

Os juízes dos Tribunais administrativos, complementa Catarina, têm sido cada vez mais rigorosos na avaliação de ações contra a AIMA — estima-se que mais de 50 mil estejam em andamento. “Agora, eles estão exigindo que se comprove o cumprimento de todo o processo administrativo antes de se recorrer à justiça. Não basta tentar resolver os casos por telefone e não ser atendido e dizer isso nas petições”, destaca. Ela diz que o processo administrativo começa com o envio de uma correspondência registrada para a AIMA, com um formulário preenchido requerendo a autorização de residência, explicando que é necessário cumprir o artigo 87, número 1, da Lei 18/2022. Também é recomendável encaminhar um e-mail.

Caso a agência não responda, passados 10 dias úteis, outra carta é encaminhada, desta vez notificando a AIMA ao abrigo do artigo 82 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). “Sem resposta novamente, haverá argumentos para se mover uma ação judicial e fazer com que seja aceita”, explica. E vai além: “Quando uma liminar é concedida pela justiça e não há cumprimento dentro do prazo estabelecido, peço a execução da sentença. Nos processos em que atuo, há multa de 82 euros (R$ 492) por dia, o equivalente a 10% do salário mínimo de Portugal (820 euros ou R$ 4.920)”, assinala.

Regras confusas

Para Catarina, a "advocacia de guerrilha" faz sentido diante das complicações criadas por diferentes governos portugueses em relação à imigração. “Quando Portugal baixa uma lei para tentar corrigir algo que não deu certo, acaba provocando outros 10 problemas. Em todos os anos em que advogo, nunca vi um momento tão crítico. Certamente, se houvesse uma organização melhor, o quadro seria diferente”, diz. O retrato disso são os mais de 400 mil processos pendentes na AIMA e os custos que a agência tem de assumir para enfrentar a Justiça. Para cada processo nos Tribunais, a agência gasta 30 euros (R$ 180) com advogados.

Ela lembra, ainda, que, recentemente, a AIMA lançou um concurso para contratar advogados para cuidar dos processos encalhados. A proposta é de pagar 7,50 euros (R$ 45) por caso analisado. Cada profissional poderá cuidar de, no máximo, 200 processo, o que dará 1.500 euros (R$ 9 mil) ao final. “Isso, brutos, pois haverá descontos de impostos em cima”, assinala. A perspectiva é de que apenas advogados em início de carreira aceitarão esse trabalho. “Nada disso seria preciso se a política de imigração estivesse bem estruturada”, acredita.

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