Quase 70 mil páginas de leis das colónias portuguesas podem ser consultadas online

Toda a legislação produzida durante cinco séculos para os territórios colonizados por Portugal está agora acessível, na sequência deste projecto da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Foto
O novo acervo completa o arquivo digital de legislação colonial, que reúne informação desde 1496 Manuel Roberto
Ouça este artigo
00:00
03:05

Cerca de 70 mil páginas de legislação produzida por Portugal para as antigas colónias, entre 1910 e 1970, foram digitalizadas e vão estar acessíveis ao público, foi divulgado este domingo.

Após mais de quatro anos de investigação, a coordenadora deste projecto da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Cristina Nogueira da Silva, afirmou à Lusa que, "pela primeira vez, toda a legislação produzida na metrópole e nas antigas colónias de África e da Ásia estará acessível de qualquer parte do mundo".

Esta legislação "só se encontrava em forma impressa em alguns arquivos e bibliotecas, de acesso praticamente restrito a investigadores credenciados e em condições de estar 'in loco' — inacessível, portanto, à maioria da população dos países que foram colonizados por Portugal. Está agora acessível a qualquer pessoa", sublinhou.

O novo acervo completa o arquivo digital de legislação colonial, que reúne informação desde 1496, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Agora, "toda a legislação produzida durante cinco séculos para todos os territórios colonizados por Portugal estará online", destacou.

No meio académico, a ideia foi trazer o direito colonial para a história do direito, possibilitando aos alunos acesso a fontes primárias para as diversas disciplinas, desde história das ideias políticas, das instituições e da cidadania.

"Sobretudo nas questões da cidadania, numa época em que há um debate público sobre a presença portuguesa e as suas várias narrativas, contribuirá para desmistificar este debate — ali se encontra, por exemplo, a legislação discriminatória que permitia legitimar o colonialismo nos vários períodos da presença portuguesa nesses territórios", explicou a historiadora e investigadora.

As 67.500 mil páginas estão agrupadas em 88 volumes no Arquivo Digital Legislação Colonial Portuguesa 1910-1970.

Pode encontrar-se legislação do trabalho específica para as colónias, como o estatuto do indígena, que "era a lei mais discriminatória e mais racista do império português: os indígenas de raça negra não eram considerados cidadãos (...), havia regulamentos de restrição da sua circulação, eram obrigados a trabalhar e não tinham direitos políticos", enumerou.

Para a coordenadora do projecto, este é "um recurso crucial para compreender as políticas coloniais e a administração dos territórios ultramarinos e suas populações durante a época contemporânea, fornecendo uma base sólida para investigações sobre o impacto do colonialismo e as transições para as independências políticas desses territórios".

O projecto reúne informação de três colecções de legislação impressas e disponibilizadas pelo Arquivo Histórico Ultramarino: a Collecção da Legislação Colonial da República Portugueza (1910-1933, 34 volumes), o Boletim de Legislação Ultramarina Portuguesa (1934-1946, 24 volumes) e a Nova Legislação Ultramarina (1953-1970, 30 volumes).

Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e desenvolvido no Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (NOVA School of Law).