Hassan Nasrallah, a morte de um líder que não era como os outros

Hezbollah confirma a morte do líder que se transformara, à força de carisma e apoio do Irão, numa figura central no Líbano e no Médio Oriente.

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Durante os 32 anos da sua liderança, Hassan Nasrallah tornou o Hezbollah um dos mais influentes grupos políticos e sociais do Líbano Aziz Taher / REUTERS
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Sempre que Israel mata um líder de um movimento inimigo, como o Hezbollah ou o Hamas, surge a dúvida sobre as consequências para o grupo, sendo que muitas vezes a consequência é este ficar ainda mais extremista.

Foi o que aconteceu após a morte do antecessor de Hassan Nasrallah, Abbas al-Musawi, em 1992, ou a morte do xeque Ahmed Yassin, do Hamas, em 2004. Mas, nos 32 anos em que liderou o Hezbollah, Nasrallah tornou-se uma figura importante, central, não só para o Líbano, mas para toda a região.

Em parte por causa do seu estilo oratório: falava em árabe coloquial, em discursos vivos, com citações, piadas — o diário The New York Times diz que um tema central era o “restaurar da virilidade árabe”. A sua organização foi vista como a que conseguira a retirada das forças israelitas do Sul do Líbano em 2000 e, mais, infligira uma derrota a Israel na guerra de 2006.

Acreditava que a maioria dos imigrantes em Israel vive com uma mala atrás da porta e acabaria por deixar a “entidade sionista”.

Mas a sua participação na guerra civil da Síria em apoio do ditador Bashar al-Assad valeu-lhe o desprezo também de uma parte do mundo árabe. A notícia da sua possível morte foi muito festejada em alguns locais da Síria.

A relação com o Irão foi essencial para o crescimento do movimento xiita libanês e o Hezbollah é visto como a “jóia da coroa” do “eixo da resistência”, em que participam também o Hamas, os houthis do Iémen e os movimentos xiitas do Iraque. Mais, Nasrallah tinha um papel central na rede, sendo mesmo um dos conselheiros do ayatollah Khamenei, o Guia Supremo do Irão, para a estratégia do eixo.

No Guardian, Peter Beaumont recorda que Nasrallah e o Hezbollah eram mais do que um grupo usado pelo Irão na sua “guerra por procuração”, apesar da “profunda ligação a Teerão”, eram “actores regionais importantes por mérito próprio”.

Mas o grupo é também uma força definidora da política libanesa, com uma rede de apoio à comunidade xiita que vai muitas vezes além do Estado. Neste conflito, Nasrallah terá tentado, e falhado, calibrar uma resposta de apoio a Gaza com disparos regulares contra Israel, mas não tão grande que levasse a uma guerra no Líbano, que enfrentava já uma situação económica desoladora.

O próprio Nasrallah afirmara, depois da guerra de 2006, que se soubesse que as consequências seriam tão devastadoras para os libaneses, não teria ordenado o rapto de dois soldados israelitas.

Hassan Nasrallah tinha sido alvo de outras tentativas de assassínio por parte de Israel durante a guerra de 2006, e era especialmente cuidadoso com a sua segurança. Muito raramente aparecia em público, preferindo falar através de discursos gravados, emitidos pela televisão e mostrados em grandes ecrãs para concentrações de apoiantes nos subúrbios Sul de Beirute, o seu bastião, zona agora atacada por Israel.

O seu filho mais velho morreu em combate contra Israel em 1997, uma perda que lhe deu, sublinha a agência Reuters, legitimidade entre os seus apoiantes xiitas no Líbano.

Nascido em 1960 numa família pobre de Beirute, o mais velho de nove irmãos, Nasrallah mostrou-se desde muito cedo um devoto estudante do islão, dedicando grande parte do seu tempo aos estudos religiosos.

Aos 16 anos, viajou para Najaf, no Iraque, para estudar numa escola religiosa, um ano depois de a família ter fugido da capital libanesa por causa da guerra civil (1975-1990). Foi aí que conheceu o seu mentor, Abbas al-Musawi.

Mais tarde, estudou durante pouco tempo na cidade iraniana de Qom, e considerava a Revolução Islâmica o modelo para os xiitas acabarem com o seu estatuto de “cidadãos de segunda” no mundo árabe, lembra o New York Times.

Depois de uma passagem pelo movimento xiita Amal, juntou-se ao Hezbollah quando este se separou do Amal, em 1982, depois da invasão do Líbano por Israel. Dez anos mais tarde, assumiu a liderança após a morte de Abbas al-Musawi.

Se a luta contra Israel foi durante décadas o motivo da existência do Hezbollah, os críticos de Nasrallah, lembra a Reuters, diziam que, ao fazer parte de um conflito sectário regional ao participar na guerra na Síria, Nasrallah tinha imposto um alto preço aos libaneses, levando a que países árabes do Golfo se afastassem do país, um factor que contribuiu para o colapso financeiro do Líbano em 2019.

Nas ruas de Dahieh, a sensação de algumas pessoas após o anúncio, por Israel, da morte de Nasrallah (o Hezbollah confirmou entretanto a notícia) era de incredulidade, segundo uma reportagem do Guardian. “Não sei o que sentir”, disse um habitante.

Notícia actualizada às 13h com novas informações e a confirmação da morte pelo Hezbollah

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