Aguiar-Branco: políticos devem ter menos incompatibilidades, mais transparência e melhores salários

Aguiar-Branco defende mais obrigações de transparência para políticos mas menos incompatibilidades porque a margem de recrutamento é cada vez menor. Daqui a uns anos só haverá funcionários da política

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José Pedro Aguiar-Branco foi ministro da Justiça de Santana Lopes e da Defesa de Passos Coelho. É presidente da AR há seis meses Rui Gaudêncio
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O Parlamento prepara-se para assinalar o 25 de Novembro e também o centenário do nascimento de Mário Soares, diz o presidente em entrevista ao PÚBLICO e Rádio Renascença. Os programas ainda estão a ser desenhados e serão os partidos a decidir os formatos.

Há alguns anos colocou-se na lei que os deputados devem declarar se fazem parte de algumas organizações como a maçonaria. Concorda?
Antes disso, devo dizer que era importante rever o estatuto dos titulares dos cargos políticos, porque anda sempre muita demagogia à volta deste tema e depois nunca há coragem para fazer essas alterações. A base de recrutamento é cada vez menor por causa das lógicas de remunerações, que são sempre vistas como tachos, e porque se criam situações de incompatibilidade que são exageradas. Daqui a 10 anos, temos não as pessoas que desejam saudavelmente trabalhar dentro do sistema, mas uma representação anti-sistema, ou serão só os funcionários políticos a estar disponíveis para serem parlamentares.

Faria sentido aumentar o salário dos deputados para atrair...
Atenção, eu não falei de deputados, disse titulares de cargos políticos. O tema das incompatibilidades e da remuneração deve ser tratado à margem da discussão demagógica.

Reduzir as incompatibilidades?
Menos incompatibilidades, mais transparência. A minha manifestação de princípio é: sou favorável a que haja maior escrutínio — o máximo que se possa ter no registo de interesses e na transparência — e, depois, punir os desvios. Mas que sejamos mais abertos nas incompatibilidades, porque a dada altura é tudo incompatível e [torna-se impossível] o recrutamento para uma lista de deputados que represente as diversas sensibilidades da sociedade — um médico, um advogado, um carpinteiro, um engenheiro, um professor da faculdade — e então vai um funcionário da política.

Há quem queira afunilar e não permitir que os deputados possam também exercer advocacia, como no seu caso, que tem uma sociedade de advogados. A fronteira é muito difícil, onde é que se estabelece?
No meu caso, para clarificar, o estatuto obriga-me a suspender a minha qualidade de sócio da sociedade.

Mas a sociedade continua a existir, o seu nome está lá, tal como o nome do médico continua a estar na clínica.
A sua conclusão é terrível, já viu? Então, eu nunca poderia estar na política porque sou advogado de formação há 44 anos e estabeleci nesse momento da minha vida uma incapacidade de alguma vez intervir em favor do meu país — só porque sou advogado. Convenhamos que isso é absurdo. Se eu, sendo advogado individual ou numa sociedade de advogados, intervenho, participo ou tenho uma determinada situação de conflito de interesses, não a declarei e é apurada, então, puna-se a sério. Agora, por ser advogado não posso fazer a minha intervenção cívica? É demagógica essa conversa.

Há casos de deputados envolvidos em investigações judiciais — uns suspeitos, outros acusados, alguns já em fase de julgamento. A lei permite, mas na sua opinião, a partir de que momento um deputado deve interromper o seu mandato?
Está na soberania de cada um. Há situações que, na avaliação ético-comportamental e de atitude, aconselham que, eventualmente, não esteja a exercer a função de deputado; e outras em que, estando constituído arguido e não tendo nenhuma situação grave sobre a dignidade e respeitabilidade que deve ter a função de deputado, que não justificam. Tenho dificuldade em estabelecer uma lógica muito genérica.

A AR vai celebrar pela primeira vez o 25 de Novembro. Deve ser celebrada com a mesma dignidade do 25 de Abril?
O 25 de Novembro tem como grande referência o dr. Mário Soares. O país deve-lhe um tributo de respeito, homenagem, por ter contribuído para acabar com os desvios que estavam a acontecer ao regime que nasceu no 25 de Abril e que podiam pôr em causa os fundamentos nobres de democracia e liberdade. Não quero dar a minha opinião neste momento: foi constituído um grupo de trabalho que vai preparar uma proposta para que esse momento seja compatível com a importância e a dignidade da data.

Veja a entrevista na íntegra Imagem: Renascença

Alguns partidos de esquerda poderão não marcar presença como forma de protesto.
Isso aí… Como disse no plenário: liberdade de expressão máxima. Cada um é responsável politicamente e terá a leitura do seu eleitorado em relação ao que diz e faz.

A AR vai assinalar o centenário de Soares?
Estamos a trabalhar nisso. Não quero revelar nada, é prematuro. Do que depender de mim, terá a dignidade e solenidade que merece.

O que o distingue de Augusto Santos Silva?
Cada um tem a sua maneira de ser. Acho que a mais importante tem a ver até com a forma diferente de vermos a dialéctica democrática. Isso ficou patente em muitas situações, escuso-me até de estar a fazer qualquer reparo ou comentário.

Vai abrir as portas do Parlamento todos os fins-de-semana?
Sim, desejo abrir o máximo ao Parlamento. Quando mandei tirar as grades... É simbólico, mas foi importante (...) para que as pessoas sintam genuinamente, interiormente, que esta casa é sua. Às vezes, as instituições inibem as pessoas de participarem, partilharem os espaços.

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