Julgados de Paz querem dirimir conflitos com fisco e Segurança Social e mais actividade online

Número de casos entrados é inferior à capacidade existente, mas tempos de resolução ainda são maiores do que o desejado, apesar de terem diminuído para os 204 dias.

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A distribuição de processos é mais intensa nos Julgados de Paz do litoral Paulo Pimenta (Arquivo)
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A reivindicação não é nova, mas volta a estar em destaque no relatório anual sobre a actividade dos Julgados de Paz: estes tribunais, que têm competência para decidir acções declarativas cíveis cujo valor não ultrapasse os 15 mil euros, deviam passar a abarcar litígios de baixo custo envolvendo cidadãos e a administração pública, nomeadamente o fisco e a Segurança Social.

“Nestes domínios, a necessidade de encontrar um meio simplificado, célere e pouco dispendioso que facilite ao cidadão o exercício do direito de acesso à justiça conflui, com notória evidência, com o interesse de descongestionar a justiça administrativa e fiscal”, lê-se no documento. Contudo, da parte do poder político não tem havido resposta, admite Vítor Gomes, presidente do Conselho dos Julgados de Paz “Esta questão prende-se mais com ideias feitas e opções políticas”, justifica.

Quanto ao resto, o relatório anual sobre a actividade dos Julgados de Paz, relativo a 2023, tem dados positivos e alguns pedidos de mudança. Comparando com o ano anterior, entraram mais processos (crescimento de 9%) e estabilizaram aqueles que foram concluídos ou estavam pendentes. O tempo de resolução também diminuiu, mas considera-se que “é ainda superior ao desejável”. E essa é uma matéria que o presidente do Conselho dos Julgados de Paz, Vítor Gomes, diz que tem de ser trabalhada, bem como alguns pedidos que são deixados aos decisores políticos, como o alargamento de competências e a instalação de “Julgados de Paz em linha”.

No ano passado foram instalados mais dois Julgados de Paz – um em Santo Tirso e outro em Figueiró dos Vinhos, destinando-se este último a um agrupamento de concelhos –, o que fez com que passassem a existir 27 estruturas deste tipo no país, abrangendo 76 concelhos e uma população superior a 3,7 milhões. Os Julgados de Paz são tribunais incomuns que têm competência para decidir acções declarativas cíveis, salvo algumas excepções, cujo valor não ultrapasse os 15 mil euros.

No mais recente relatório de actividades, reconhece-se que a procura por esta solução “está consideravelmente abaixo da sua capacidade máxima de resolução já experimentada” e que tem de ser uma “prioridade” resolver com mais celeridade os processos recebidos, que neste momento têm um tempo médio de resolução de 204 dias (eram 238 no ano ano anterior).

Em relação aos processos distribuídos, eles não foram além dos 6484, em 2023, quando, no ano de maior procura, em 2012, esse valor chegou aos 11.307. Vítor Gomes diz que há razões para esta quebra, que se prendem com uma diminuição generalizada da litigiosidade cível e também – ao contrário do que pode ser a percepção do público – a maior capacidade de resolução de processos cíveis por parte dos tribunais comuns.

Além disso, refere, “houve o aparecimento de instrumentos que tornaram menos necessário ir ao tribunal”. Algo visível, por exemplo, em questões relacionadas com o condomínio (como já é habitual, a litigância relacionada com direitos e deveres dos condóminos representou a maior fatia da actividade dos Julgados de Paz – 27,8% dos casos), em que, refere, os mecanismos existentes “se tornaram mais expeditos, com as actas do condomínio a passarem a ter força executiva, sem que seja preciso ir a tribunal”.

Incumprimento de contratos

Além das questões relacionadas com o condomínio, os temas que mais absorveram os Julgados de Paz foram aqueles relacionados com a responsabilidade contratual e extracontratual (25,7%) e o incumprimento contratual (25,7%). Quanto ao valor das acções, a maioria delas (42,7%) tinha um valor não superior a 1500 euros, enquanto 32,2% se referiam a valores entre os 1500 e os 5000 euros.

“O peso relativo das acções de baixo valor (23,2% no escalão até 750 euros e 19,5% no escalão seguinte, entre 750 e 1500 euros) é revelador do papel dos Julgados de Paz em facultar o exercício do ‘direito ao tribunal’ a uma população que de outro modo tenderia a ficar excluída. E para a mesma função social aponta o facto de 13,1% das apresentações do requerimento inicial ou da resposta tenham sido feitas oralmente, com redução a escrito pela secretaria”, refere-se no relatório.

Mas o Conselho dos Julgados de Paz considera que pode ainda fazer mais e chegar a mais pessoas, seja através do tal aumento de competências, seja com o alargamento da experiência em curso dos “Julgados de Paz em linha”.

Sobre este ponto, Vítor Gomes diz que há já uma plataforma de tramitação e gestão a ser testada em alguns Julgados de Paz, a RAL+, mas que “as coisas não têm corrido à velocidade desejável”. Quando o processo se tornar suficientemente robusto para ser uma opção, as vantagens, defende, serão claras. “Dentro da ideia de cobertura de todo o território, permitiria que alguns tipos de litígio, que não exigem prova especial, da presença de testemunhas, pudessem chegar a todo o lado, colmatando a insuficiência da rede de Julgados de Paz”, diz.

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