Pagaria por um produto que pode obter sem custos adicionais? Se formularmos esta questão assim, de forma genérica, a resposta da maioria das pessoas seria "não", claro. Afinal, ninguém quer gastar dinheiro à toa. Contudo, quando o que está em causa são gostos e hábitos, a questão pode tornar-se mais complexa. Vejamos o caso da água engarrafada: apesar de a esmagadora maioria dos portugueses ter água segura na torneira mais próxima, Portugal está entre os países europeus com maior consumo per capita desta bebida pré-embalada.

Se já pagamos pela água tratada que chega às nossas casas, por que razão pagamos novamente por esse líquido, mas numa versão embalada e menos ecológica? Não faltam explicações. Há quem jure que a "água da câmara" tem sabor de lixívia. Há quem considere que a água do abastecimento público tem cor e cheiros estranhos. Há quem tenha receio de as canalizações não estarem bem limpas. Há quem tenha perdido a confiança no sistema depois da Operação Gota d’Água. E há ainda quem, pura e simplesmente, prefira beber água com gás. 

À medida que se acumulam provas dos efeitos negativos do plástico na saúde humana e ambiental, não vamos poder perpetuar conveniências, práticas enraizadas ou crenças que são, muitas vezes, infundadas. Esta é, de resto, a principal mensagem de um artigo publicado terça-feira na revista científica BMJ Global Health: temos de repensar o consumo desnecessário de água em garrafas plásticas em países onde a água da torneira é segura e acessível.

"O nosso estudo destaca os riscos para a saúde e os impactos ambientais da água engarrafada em plástico, frequentemente negligenciados. Estas garrafas podem libertar substâncias químicas nocivas para a água potável, que têm sido associadas a vários problemas de saúde, incluindo perturbações hormonais e doenças crónicas. Além disso, a produção e a eliminação de garrafas de plástico contribuem significativamente para a poluição plástica e para as emissões de gases com efeito de estufa", explicou-me o médico Amit Abraham, co-autor do estudo e professor no Instituto de Saúde Populacional do Qatar.

Estima-se que um milhão de garrafas de plástico são compradas por minuto no planeta. O negócio da indústria de bebidas está em franco crescimento, o que nos faz antever uma poluição crescente dos ecossistemas terrestres e marinhos como resultado do descarte de embalagens. Este poluente está tão omnipresente que mais de 90% das crias de cagarro (Calonectris borealis), uma espécie de ave marinha, já têm plásticos no estômago quando deixam os ninhos. Mal aprenderam a voar e já carregam no corpo o lixo humano. 

A matéria plástica fragmenta-se com o passar do tempo, dando origem a pedacinhos cada vez menores, até se transformarem em micro e nanoplásticos. Nessa escala tão minúscula, são capazes de atravessar os tecidos humanos, entrar na corrente sanguínea, viajar pelo corpo e chegar a zonas vitais como o cérebro. Já foram encontrados microplásticos no leite materno, nos pulmões e em outros órgãos do corpo humano. ​

"Nós temos mais do que provas suficientes para afirmar que precisamos de uma mudança. Não podemos dizer que temos de esperar mais um pouco até reunir mais dados acerca do impacto na saúde humana. Há provas mais do que suficientes", disse-me este mês Richard Thompson, director da Unidade Internacional de Investigação sobre o Lixo Marinho da Universidade de Plymouth, na Inglaterra, a propósito de um estudo de revisão sobre microplásticos publicado na revista Science.

Para Richard Thompson – foi o próprio cientista britânico quem definiu, há duas décadas, o conceito de microplástico –, chegou o momento de uma acção global contra a poluição plástica. Um relatório das Nações Unidas, divulgado em 2023, já alertava que esta indústria gera 25 milhões de toneladas de resíduos todos os anos. "Temos de agir", frisou o professor da Universidade de Plymouth.

Em resumo, as mensagens dos investigadores Amit Abraham e Richard Thompson não podiam ser mais claras: repensem o consumo da água engarrafada e ajam contra a poluição plástica. Estas mudanças exigem esforço pessoal e políticas globais. Nós podemos começar pela parte individual, que é a que está ao nosso alcance de forma imediata, abraçando a ideia de que a água da torneira é segura, acessível, saudável e ecológica. Para quem consome regularmente o produto engarrafado, poderá custar no início, a exemplo do que ocorre com outros hábitos. Mas, no fim de contas, é pelo bem da nossa saúde (e do planeta).