Sustentabilidade e inovação: a transformação das indústrias e do consumo

No 2.º dia dos Encontros com Futuro deste ano, colaboração, inovação e educação apontadas como estruturais no caminho para a sustentabilidade.

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António Saraiva
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Iniciativas como o Bioshoes4All e a Thingle estão a liderar uma revolução na forma como os produtos são concebidos e consumidos em Portugal. Num mundo onde a sustentabilidade se tornou uma prioridade, compreender melhor a estrutura e o desenvolvimento de projectos colaborativos é transversal a vários sectores de actividade. Do lado do consumo, a circularidade e a necessidade de educar os cidadãos são imperativas para um futuro mais sustentável. Depois de um debate sobre as principais mudanças previstas para os próximos anos, o mote para o segundo dia dos Encontros com Futuro deste ano – uma iniciativa do PÚBLICO, apoiada pela REN – foi encontrar o equilíbrio entre as dimensões social e ambiental e procurar exemplos com impacto directo no dia-a-dia dos cidadãos.

Inovação sustentável

A iniciativa Bioshoes4All é um exemplo de compromisso na redução do impacto ambiental da produção (neste caso, no sector do calçado), considerando toda a cadeia de valor. A estratégia, apresentada pela directora de investigação do Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP), Maria José Ferreira, demonstrou que o projecto colaborativo (são mais de 70 parceiros, entre indústria, universidades e centros de investigação) pode servir como modelo para outras indústrias. O Bioshoes4All representa uma evolução significativa na maneira como os produtos são pensados e fabricados. A inovação aplicada neste consórcio visa substituir materiais tradicionais por alternativas ecológicas, alinhando-se com a crescente demanda global por produtos sustentáveis.

Duarte Cordeiro esteve envolvido no planeamento do projecto, enquanto ministro do Ambiente e Acção Climática do último Governo de António Costa, e pôde, por isso, falar com conhecimento de causa: destacou o facto de a indústria do calçado em Portugal já estar a adoptar um modelo de neutralidade carbónica alinhado com as metas estabelecidas para o futuro. Apesar dos avanços, o projecto enfrenta desafios consideráveis que necessitam de soluções criativas e eficazes. Um dos principais é a escalabilidade da produção sustentável. Aumentar a capacidade de produção sem comprometer a qualidade ou inflacionar os custos é uma tarefa complexa, que requer inovação contínua.

Além disso, a aceitação do mercado é crucial. Convencer consumidores e empresas a adoptar produtos sustentáveis, mesmo que a um custo potencialmente superior, é uma luta constante. No comentário que fez não só ao Bioshoes4All, mas referindo-se a todo o contexto de produção no nosso país, Duarte Cordeiro destaca a importância de “envolver toda a comunidade, no sentido de procurar tocar em todas as dimensões e deixar, obviamente, uma metodologia de aprendizagem para o futuro”. A educação do consumidor, acredita, “desempenha um papel vital nesse processo”. Para que as pessoas compreendam e valorizem a importância de escolher produtos sustentáveis, é necessário um esforço educacional significativo – não só ao “oferecer alternativas sustentáveis”, mas também ao criar narrativas que envolvam os consumidores, “tornando-os agentes de mudança”. Por último, relembra que para que as iniciativas tenham sucesso, é essencial o suporte financeiro de planos como o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência).

A visão da Patagónia

No excerto da conversa que Rick Ridgeway teve com o jornalista Victor Ferreira, do PÚBLICO – e que a assistência deste segundo encontro teve oportunidade de ver, em primeira mão —, o influente ambientalista, defensor da sustentabilidade e da responsabilidade empresarial trouxe uma perspectiva crítica para o debate. Pôs em causa, por exemplo, a superficialidade de algumas iniciativas de ESG (sigla para critérios ambientais, sociais e de administração), que muitas vezes se limitam a estratégias de marketing que facilmente se transformam em greenwashing (falsas alegações ambientais)​.

Ridgeway partilhou o percurso da Patagónia (no qual teve um papel activo) como um exemplo de transparência e compromisso real com a protecção ambiental e com o dever social, defendendo que todas as empresas devem adoptar uma visão similar. Terminou com uma provocação, apontando como “obrigação moral” a de as empresas assumirem “o compromisso com um planeta saudável e com pessoas saudáveis”. Só assim, diz, se podem “comprometer com a sustentabilidade e com a protecção ambiental” — pelo menos será assim que poderão “contar estas histórias” (do que fazem pela sustentabilidade) “de forma honesta às partes interessadas, incluindo aos seus clientes”.

Sustentabilidade e educação no centro do debate

Neste segundo dia dos Encontros com o Futuro, cruzaram-se as experiências e perspectivas de Inês Oom de Sousa, da Fundação Santander, Mariana Banazol, da Too Good to Go, uma aplicação que combate o desperdício alimentar, e de João Pedro Neto, da Thingle, uma plataforma de compra e venda de produtos em segunda mão. Houve espaço, por isso, para falar de educação para a sustentabilidade, soluções tecnológicas e de combate ao desperdício alimentar — e de como tudo pode estar ligado.

Inês Oom de Sousa, presidente da Fundação Santander, destacou a importância da educação como ponto de partida para um futuro mais sustentável. Mencionou estatísticas alarmantes sobre a escolaridade em Portugal, como os 37% da população activa que apenas tem escolaridade básica e os 55% das crianças que ficam no mesmo nível educacional que os pais. Neste contexto, a fundação tem trabalhado com base em três pilares: educação para maiores de 17 anos, capacitação em escolas e promoção da literacia em áreas como sustentabilidade e finanças.

João Pedro Neto falou sobre a Thingle, a plataforma de compra e venda de produtos em segunda mão que criou e que se distingue por garantir uma maior segurança nas transacções. Foi da sua experiência pessoal que partiu a ideia, pela necessidade de verificar a qualidade dos produtos — mas é a promoção da economia circular o seu maior propósito.

Apesar de a Too Good To Go já ser uma marca conhecida de muitos, Mariana Banazol explicou melhor como funciona a empresa dinamarquesa que combate o desperdício alimentar. Ao fazer a ponte entre restaurantes e consumidores para escoar excedentes alimentares a preços acessíveis, a plataforma desempenha um papel importante em questões sociais. A responsável ibérica destacou também o impacto significativo da empresa em Portugal, onde cerca de 2 milhões de toneladas de comida são desperdiçadas anualmente, e como já conseguiram salvar 4 milhões em caixas de alimentos.

No final da conversa, destacou-se a utilização de plataformas digitais para promover a sustentabilidade, a educação e a importância de parcerias entre empresas, além da promoção de iniciativas que aumentem a consciencialização sobre esses temas críticos. Ou seja, todas as experiências são válidas e construtivas para a criação de um futuro comum.

"O desafio das alterações climáticas e da sustentabilidade joga-se no campo social”

A intervenção de Jorge Moreira da Silva aconteceu mais tarde do que o previsto (deveria ter acontecido no primeiro dia dos Encontros com Futuro), mas veio atempada. O subsecretário-geral das Nações Unidas, director executivo do Escritório para Serviços de Projectos (UNOPS), enfatizou a necessidade de acção colectiva e liderança responsável para enfrentar os desafios climáticos e sociais.

"Estamos fora de pista no que diz respeito aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio",disse Moreira da Silva, acrescentando que é crucial aumentar a solidariedade global, especialmente para apoiar os países em desenvolvimento. Sublinhou ainda: "O desafio das alterações climáticas e da sustentabilidade joga-se no campo social e no campo da solidariedade". E concluiu que as organizações, na sua gestão, se devem focar em “servir as pessoas e as futuras gerações”.

Reveja aqui este dia dos Encontros com Futuro.

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