Sem Alqueva as albufeiras públicas nacionais teriam menos água do que em 2023

Bacias hidrográficas do Lima, Cávado, Douro e Tejo registam uma quebra no armazenamento, mas o Guadiana, Sado e barragens algarvias tiveram um acréscimo em relação ao ano anterior.

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Albufeira de Alqueva Miguel Madeira
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Instabilidade atmosférica, aguaceiros e trovoadas de norte a sul do país, semanas de chuva intensa transportada primeiro pela depressão Hipólito e depois pela depressão Irene, e mais depressões que se seguiram durante o primeiro semestre de 2024, fizeram acreditar que o milagre seria possível: um aumento substancial nos armazenamentos das albufeiras e na rede hidrográfica nacional – o que não aconteceu até ao momento.

O ano hidrológico 2023/2024 termina no dia 30 de Setembro e as 81 albufeiras monitorizados pelo Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) apresentam um acréscimo de apenas 179hm3 em relação ao período de 2022/2023, graças aos 466hm3 que a albufeira de Alqueva recebeu a mais em relação ao ano anterior.

No início do Verão as perspectivas eram mais animadoras, mas terminado o período estival as barragens públicas instaladas nas bacias hidrográficas dos rios Lima, Cávado, Douro e Tejo apresentaram volumes inferiores aos contabilizados no ano anterior.

E, ao contrário do que se tornou recorrente ao longo dos últimos anos, as albufeiras monitorizadas nas bacias do Sado, Guadiana, Mira e as cinco barragens algarvias concentram mais água do que a armazenada no ano anterior.

Feitas as contas, verifica-se um aumento de 562,7hm3 nos volumes armazenados nas albufeiras do Sul do país. Só Alqueva contribuiu com 466hm3. Nas reservas de água do Lima, Cávado, Douro e Tejo observa-se uma redução de 211,7hm3.

Ligeiro aumento acima do Tejo

Acima do rio Tejo, apenas as oito albufeiras da bacia hidrográfica do Mondego registam um aumento em relação aos caudais do ano anterior, mas de apenas 14,5hm3.

A informação publicada na última segunda-feira pelo SNIRH salienta: das albufeiras monitorizadas, 25% apresentam disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total e 22% têm disponibilidades inferiores a 40% do volume total.

Embora os volumes armazenados a 23 de Setembro representem 71% dos 9312hm3 que as 81 barragens públicas nacionais podem reter, não é uma reserva que garanta a sustentabilidade dos diversos usos, sobretudo agrícola. Mesmo com Alqueva, cujos recursos são cada vez mais cobiçados tanto em Portugal como em Espanha.

Os dados fornecidos ao PÚBLICO pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva (EDIA) referem que, até meados de Setembro, o volume de água fornecido pelo sistema de Alqueva para a agricultura foi de cerca de 250hm3, o volume mais baixo desde 2018, que permitiu irrigar 122.971 hectares.

Contrastando com os fornecimentos aos abastecimentos público e industrial, entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2024 registou-se a disponibilização de um volume global de cerca de 7,5hm3.

Contudo, há que somar aos volumes fornecidos para rega e abastecimento humano e industrial as perdas de água no processo de evaporação a partir da albufeira de Alqueva, que entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2024 atingiu os 169hm3.

A estes valores falta ainda somar também os caudais fornecidos para rega através de captações directas a partir da albufeira de Alqueva e da rede de rega instalada no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), que a EDIA ainda não tem condições para fornecer.

Em relação a captações directas do lado de Espanha, a EDIA responde que os valores são fornecidos anualmente pela Confederação Hidrográfica do Guadiana. “Ainda não dispomos de dados para 2024”, esclarece.

Pomarão e outras questões em aberto

O volume de encargos que a EDIA teve de suportar pela aquisição de energia eléctrica necessária para o funcionamento do EFMA ascenderam, entre 1 de Janeiro e 31 Agosto, aos 17,5 milhões de euros.

Neste quadro de encargos com recursos hídricos, passa a ser contabilizada a água que Espanha capta a partir da albufeira de Alqueva e na região de Olivença.

Recorde-se que, durante as negociações com o Governo espanhol para acordar a construção da barragem do Alqueva, o Estado português viu salvaguardados os seus direitos sobre o território que ficaria submerso pelas águas da albufeira e, consequentemente, a sua exploração. Neste sentido, foi assinado, a 29 de Maio de 1968, um convénio entre Portugal e Espanha que estabelece no segundo parágrafo do artigo 6.º o seguinte: “A utilização de todo o troço do rio Guadiana entre os pontos de confluência do mesmo com os rios Caia e Cuncos está reservada a Portugal, incluindo as correspondentes afluentes do troço.”

O país vizinho deveria pagar dois milhões de euros por ano pelo consumo de 50 milhões de metros cúbicos, captados na albufeira de Alqueva, desde 2002, ano em que as comportas de meio-fundo da grande barragem do Sul foram fechadas. A extracção deste volume de água foi acordada entre Portugal e Espanha como forma de compensação pelo desaparecimento de 42 sistemas de bombagem de água instalados na margem direita do rio Guadiana.

O valor terá sido acordado em Julho entre a ministra do Ambiente e Energia de Portugal, Maria da Graça Carvalho, e a ministra da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico de Espanha, Teresa Ribera, num encontro em Lisboa.

O presidente da EDIA, Pedro Salema, reconheceu ao PÚBLICO a existência de um prolongado contencioso, com mais de 20 anos, entre os dois países por causa da água captada no Pomarão que “funciona há muitos anos com uma autorização provisória caducada”, acrescentou.

O presidente da EDIA realçou ainda a sua preocupação sobre o volume de água que venha a ser captado no Pomarão para dar apoio às culturas regadas, sobretudo frutos vermelhos, na região de Huelva. “Se forem 30 hectómetros cúbicos (hm3) é uma coisa. Mas se forem 100, temos uma situação muito complicada [para a água armazenada em Alqueva].”

Maria da Graça Carvalho realçou que o “entendimento, em linhas gerais, traduz-se, no caso do Pomarão, no princípio da equidade em termos dos volumes de água captados, em ambos os lados da fronteira”, ou seja, a água que será disponibilizada para Huelva será a mesma que o Algarve receberá a partir do sistema de captação a instalar no Pomarão.

O convénio de Albufeira que regula a gestão da água dos rios Minho, Douro, Tejo e Guadiana estabelece que o destino a dar à água obriga sempre à aceitação de Portugal e de Espanha.

O PÚBLICO solicitou um conjunto de esclarecimentos ao Ministério do Ambiente e Energia para, entre outras questões, saber que volume de água será enviado para Huelva e se também vai ser pago pelas autoridades espanholas. Até ao momento, não foi dada qualquer resposta às questões colocadas.