Um infortúnio partilhado: a dimensão social dos fogos florestais no SO da Europa

Promover uma cultura de cuidado da floresta, baseada na gestão comunitária e no apego a espaços vulneráveis, pode contribuir muito para reduzir o comportamento criminoso e retardar a propagação.

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Na semana passada, mais de mil incêndios que provocaram nove mortes deixaram o Norte e Centro de Portugal desolado e de luto. As autoridades sinalizam uma taxa crescente de incêndios intencionais, o que não é surpreendente se considerarmos os resultados de um estudo realizado há mais de uma década pelo Grupo de Investigação Pessoas-Ambiente da Universidade da Corunha, na região da Galiza, Espanha. O estudo revelou que 30,4% da população atribuiu os incêndios a acções criminosas intencionais e 22,5% a comportamentos irresponsáveis, ao mesmo tempo que se apontavam o abandono das florestas e as diferentes formas de utilização insustentável do solo como causas que precisam de ser abordadas através de políticas preventivas. A ministra Margarida Blasco afirmou que “muitos destes incêndios têm origem criminosa”. A polícia portuguesa deteve entretanto 14 suspeitos de terem ateado alguns dos incêndios florestais, que agravam as consequências das alterações climáticas e do despovoamento rural.

Os factores de risco em Portugal têm uma distribuição espacial e temporal clara, podendo ser fatais em conjugação com factores meteorológicos. Esta parte do mundo é caracterizada por uma elevada vulnerabilidade ambiental, dada a sua biodiversidade, mas também por elevados riscos sociais, uma vez que cada vez mais comunidades são afectadas pelas consequências de um modelo ineficiente de gestão de riscos – evidenciado pelo número crescente de ignições que puderam ser testemunhadas na semana passada. Como estas parecem ser actos intencionais, pode ser difícil prevenir a ocorrência de incêndios florestais, mas educar os cidadãos pode render muito em termos de evitar a propagação. Promover uma cultura de cuidado da floresta, baseada em modelos de gestão comunitária e no apego a espaços naturais vulneráveis, pode contribuir muito para reduzir o comportamento criminoso e retardar a propagação da combustão e os danos dela resultantes.

As comunidades desempenham um papel importante na sobrevivência das florestas, mas tais modelos exigem o seu envolvimento na concepção de planos de prevenção e mitigação desde o início, o que por sua vez gera um sentido de propriedade e responsabilidade partilhada. Nas regiões onde a silvicultura é a principal fonte de rendimento, o desenvolvimento comunitário de modelos florestais sustentáveis ​​é a única estratégia sensata de mitigação de riscos. A cooperação entre regiões poderia ser conseguida através do estabelecimento de redes de comunidades que partilham problemas semelhantes, como os do Norte de Portugal.

No rescaldo da catástrofe, os governos prometem maiores investimentos em medidas de prevenção de incêndios – mas estes compromissos não são muitas vezes precedidos de análises detalhadas das causas da propagação ou dos tipos de mudanças abrangentes que são necessárias para uma prevenção real. Estas teriam de incluir alterações na utilização do solo e abordagens comunitárias da gestão florestal, uma vez que as evidências mostram que são medidas eficazes de mitigação de riscos e rentáveis, ​​a longo prazo.

Uma elevada percentagem das áreas ardidas desta semana foram plantações pirófilas (i.e. eucaliptos). O crescimento da massa florestal à base de eucalipto ou pinheiro tem sido cada vez mais associado à elevada incidência de incêndios, como comprovam estudos recentes. O foco nos benefícios a curto prazo é ainda a norma na gestão florestal, infelizmente, levando à exploração excessiva de espécies conhecidas pelos seus efeitos ambientais negativos e pela elevada contribuição para a rápida propagação dos incêndios. Estas plantações altamente homogéneas tornam-se grandes reservas de combustível, tornando o controlo dos incêndios uma operação muito mais complexa, cara e difícil de gerir, em comparação com modelos que incentivariam uma maior diversidade de espécies florestais. Tais espécies são também caracterizadas pelo rápido crescimento e elevado consumo de água, secando os solos. As alterações climáticas provocam ainda um défice de precipitação, criando assim um cocktail mortal de chamas imparáveis ​​de alta intensidade. O interesse privado nestes benefícios a curto prazo continua a ameaçar a biodiversidade e a riqueza natural da paisagem densamente arborizada de Portugal e põe em causa a capacidade do poder local e central para lidar com um assunto tão sério.

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