Caro leitor, 

Há precisamente uma semana, assinalou-se o Dia Internacional da Desigualdade Salarial. O dia pretende chamar a atenção para o slogan "trabalho igual, salário igual", lutando contra as várias formas de discriminação no trabalho, incluindo as que penalizam as mulheres.

Desde 2019 é publicado em Portugal o barómetro das diferenças remuneratórias entre homens e mulheres, que nos dá informação sobre se para as mesmas funções ou cargos, homens e mulheres são pagos da mesma forma. 

O barómetro mais recente, publicado em Julho, contém dados para o ano de 2022. Dele resulta que as mulheres ganham menos 13,2% do que os homens, o que se traduz numa diferença média de 160 euros por mês, em desfavor das mulheres. 

Quando divulgou este barómetro, a Comissão para a Igualdade e no Trabalho e no Emprego (CITE) traduziu "em miúdos" o que significa aquela vantagem. "Considerando este diferencial, no salário base, seria como se as mulheres portuguesas, em 2022, tivessem trabalhado 48 dias sem auferir qualquer salário pelo seu trabalho". Ou seja, trabalharam de graça no local do seu trabalho remunerado. 

O número tem vindo a ser melhorado: contas da CITE indicam que, quase uma década antes, uma mulher teria de trabalhar mais 65 dias por ano para conseguir o mesmo salário que um homem. 

Números à parte, a questão parece ter contornos difíceis de debelar. Muito do que se passa no mundo do trabalho, no que toca a este ponto, tem a ver com questões culturais, que resistem às leis, por melhores que estas sejam.

A este propósito todos nos lembramos das recentes declarações da procuradora-geral da República no Parlamento quando relacionou os constrangimentos do Ministério Público com o número de mulheres na estrutura. Lucília Gago afirmou que "o peso do sexo feminino é hoje superior a dois terços ou perto de 90% se considerada a faixa etária até aos 30 anos". "Esta circunstância constitui um factor de agravamento de constrangimento em razão de situações de gravidez, gravidez de risco, de ausência por força de baixa para assistência a filhos menores, gozo de licença parental (...)", detalhou.

O relatório de 2023 confirma a preponderância do sexo feminino no Ministério Público, onde existiam 1722 magistrados, dos quais 68,7% (1183) mulheres e 31,3% (539) homens. Apenas no grupo de magistrados com 60 ou mais anos de idade, o número de magistrados do género masculino é ligeiramente superior ao número de magistradas. 

O que não é estranho quando se olha para os alunos inscritos nos cursos de Direito. As estatísticas oficiais revelam que no ano lectivo 2022/2023 estavam nos cursos de Direito oferecidos pelas universidades públicas e privadas 15.360 alunos, dos quais 67% (10.393) são mulheres e apenas 33% (4967) são homens. 

A feminização da magistratura não parece que vá mudar nos próximos tempos. A mudança para a igualdade entre homens e mulheres no trabalho tem de ser cultural. E tanto elas como eles desempenham um papel fundamental. 

O caminho – embora com solavancos – parece estar a fazer-se em vários domínios, como na divisão da licença parental entre homens e mulheres

Existem razões de equidade para se defender a igualdade entre homens e mulheres no trabalho, mas também motivações económicas. Pelo Dia da Mulher, as líderes do Banco Europeu de Investimento, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, argumentaram, num artigo de opinião no Expresso, que "a mobilização de todo o talento disponível maximiza a produtividade e competitividade". O que pode começar já hoje, em cada escritório.

Trabalho extra

Um laboratório sobre igualdade no trabalho 

Ainda a propósito da igualdade entre homens e mulheres no trabalho, a CITE lançou este mês os Laboratórios de Igualdade. Uma iniciativa constituída por três módulos de formação, cada um com três horas, e todos em Outubro. Quem se inscrever terá formação nas seguintes áreas: "A Situação das Mulheres e dos Homens no Mercado de Trabalho", "Instrumentos e Estratégias de Intervenção para a Promoção da Igualdade e Não Discriminação entre Homens e Mulheres" e "Enquadramento Jurídico". 

Salário mínimo pode chegar aos 870 euros em 2025

O salário mínimo nacional pode chegar aos 870 euros no próximo ano, se a proposta que o Governo preparou para o encontro da concertação social vingar. O valor pode fechar sem que seja reunido acordo de todos os parceiros (patrões e sindicatos), sendo necessário que o executivo dê esta proposta como final através da aprovação do Conselho de Ministros. Este valor supera os 820 euros brutos que os trabalhadores recebem este ano e fica acima dos 855 euros que estavam previstos no acordo de rendimentos. 

A última banqueira em Portugal

Maria Cândida Rocha e Silva lançou o Banco Carregosa, que lidera aos 80 anos, e foi a primeira mulher corretora em Portugal. Numa entrevista que concedeu ao Jornal de Negócios defende que "os empresários talvez devessem ter mudado mais", fala sobre a forma como geração mais jovem se relaciona com o trabalho e sobre o facto de os gestores nem sempre terem acautelado o bem-estar dos trabalhadores. 

Avisando que as "as generalizações são sempre muito perigosas", Maria Cândida Rocha e Silva entende, a propósito da relação dos jovens com o trabalho, que "as pessoas não têm tanto a preocupação do trabalho, de querer ser melhor, de querer fazer. Hoje em dia há um bocadinho de desinteresse".

Em Março, pelo Dia da Mulher, numa entrevista ao PÚBLICO, declarou: "Nunca senti que ser mulher fosse uma desvantagem". E referia-se ao trabalho. Na altura dizia assim:

- Eu sempre achei que era uma grande vantagem.

-Mesmo no caso, numa profissão em que se exigia virilidade?

-Nada. Mas o que é isto de virilidade? Eu acho que sou muito mais viril, olha que maçada... Nunca foi desvantagem nenhuma.