Associação prepara manual de prevenção e combate ao assédio no audiovisual

Paula Miranda, presidente da MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, revela que a associação já recebeu denúncias de casos em Portugal.

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O manual que a MUTIM está a preparar só deverá ser tornado público no final de 2025 Rui Gaudêncio
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A Associação MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento está a preparar um manual de prevenção e combate ao assédio no sector e diz-se aberta a receber denúncias de casos em Portugal.

Em entrevista à agência Lusa, a presidente da direcção da MUTIM, Paula Miranda, revelou que a associação quer lançar em 2025 "um manual de boas práticas, de prevenção e combate ao assédio" dentro do sector do cinema e audiovisual, à semelhança do que já existe noutros países.

Segundo Paula Miranda, esse manual pretende ter orientações sobre conduta laboral dentro do sector, dando como exemplo a necessidade de existência de uma pessoa que faça coordenação de intimidade para actrizes e actores durante as filmagens, em cenas mais sensíveis.

Para a presidente da MUTIM, "pode ser algo irrisório ou óbvio, [dizer num manual] o que é que define assédio, o que é que se pode fazer. É algo que se pensa que é do conhecimento geral, mas infelizmente não é. (...) O assédio está muito tingido pelas dinâmicas de poder. Uma pessoa que sofre assédio, muitas vezes sofre de alguém que está acima de si".

A MUTIM, que conta actualmente com cerca de 300 associadas, foi criada há dois anos para, entre outros objectivos, fomentar a paridade de género e lutar pelos direitos das mulheres que trabalham em cinema e audiovisual.

Nestes dois anos foram feitas algumas iniciativas, nomeadamente um estudo sobre a condição das mulheres no cinema e no audiovisual em Portugal e cujas conclusões, divulgadas em 2023, confirmaram uma desigualdade salarial e de direitos em relação aos homens, assim como casos de discriminação de género, assédio e racismo.

"As conclusões não foram particularmente surpreendentes, porque todas nós sentimos diariamente algumas dificuldades, ainda que nem sempre as consigamos quantificar. Mas era importante termos um documento que apresentasse os factos escritos e os números", disse Paula Miranda.

A criação da MUTIM permitiu ainda às associadas falarem, discutirem, encontrarem-se. "O que [a associação] começa a fazer é essa sororidade entre as mulheres que trabalham no sector", reconheceu a responsável.

Quando questionada sobre casos de assédio, a presidente da MUTIM disse que a associação já recebeu denúncias, mas todas as mulheres que partilharam a suas histórias pediram confidencialidade e sigilo.

"E aí, o que fazemos é acompanhar essa pessoa de forma privada, como pedem, mas nunca tivemos ninguém que quisesse avançar com uma denúncia criminal", confirmou.

Paula Miranda lembra que "são coisas muito sensíveis e tem de ser vistas caso a caso", mas a associação está aberta a receber denúncias.

"Nós queremos denunciar e nós queremos apoiar ao máximo as mulheres que sofreram assédio, mas é um território muito sensível e que requer uma especialidade de conhecimento jurídico e criminal que nós não temos. Não nos vamos chegar à frente para preencher isso de uma forma amadora, digamos", afirmou.

Paula Miranda reconhece que em Portugal ainda não surgiu um movimento #Metoo, de denúncia de casos de abuso e assédio sexuais na área do entretenimento, como aconteceu nos Estados Unidos, possivelmente pela dimensão do meio artístico português e pela dificuldade de as vítimas se manterem no anonimato.

"A ideia que eu tenho é que o meio é muito pequeno, as pessoas conhecem-se e isso dificulta o anonimato e significa que uma pessoa que faça uma denúncia fica exposta a julgamento público e dificulta eventualmente a ser contratada. (...) Ainda não surgiu o "#metoo", nós estamos à espera dele há dois anos. Quando a MUTIM começou, uma das questões que levou a surgir foi a questão do assédio. Nós estamos sempre à espera que surja", afirmou.

O manual que a MUTIM está a preparar só deverá ser tornado público no final de 2025, altura em que a associação planeia realizar um fórum, um encontro das mulheres do sector, "com apresentação de dados e até com propostas".

Segundo Paula Miranda, a MUTIM também está actualmente a analisar os concursos de apoio financeiro do Instituto do Cinema e do Audiovisual na perspectiva da questão de género, para sugerir medidas que possam ser postas em prática para diminuir disparidades.

Anualmente, a MUTIM tem em curso um ciclo de cinema, intitulado "Elas Fazem Filmes", para "resgatar do esquecimento, dar o palco, a palavra e o ecrã às profissionais do cinema em Portugal".

O ciclo estender-se-á até Julho de 2025, com sessões de cinema em 14 cidades, como Porto, Funchal, Guimarães, Santarém, Viseu, Caldas da Rainha, Barcelos e Faro.

As escolhas incluem ficção, documentário, animação, numa janela temporal entre os anos 1940 e a actualidade.