Porque é que querem reduzir a protecção do lobo? E o que levou Portugal a concordar?

Uma resolução do Parlamento Europeu sobre a redução do estatuto de conservação do lobo deu lugar a uma proposta da Comissão que tem agora luz verde dos governos, sob influência do lobby agrícola.

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O novo Governo mudou de ideias e decidiu alinhar com os países que defendem a redução do estatuto de protecção John Giustina/GettyImages
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Esta semana, os ministros da União Europeia – incluindo Portugal – deverão aprovar uma proposta da Comissão Europeia, apresentada em Dezembro de 2023, para rebaixar o estatuto do lobo de espécie “estritamente protegida” para espécie “protegida” na Convenção de Berna sobre a Protecção da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais na Europa.

A medida responde, em especial, a queixas de agricultores do Centro da Europa cujas criações de gado têm sido atacadas por estes carnívoros de grande porte. Mas trata-se de uma decisão com outras camadas políticas.

Um dos primeiros passos concretos para esta decisão aconteceu em Novembro de 2022, quando o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre carnívoros de grande porte que defendia que se justificava uma “redução do estatuto de protecção” de alguns destes, tendo em conta que “alguns grandes predadores, nomeadamente lobos e ursos”, estariam a conseguir aumentar a sua área de distribuição “em muitas regiões da Europa” e a prejudicar agricultores e criadores de gado de forma mais significativa.

Motivações políticas

A resolução adoptada pelo Parlamento Europeu procurava tranquilizar as comunidades rurais, um dos bastiões de partidos mais conservadores como o Partido Popular Europeu (PPE), o partido com maior representação no hemiciclo europeu. A Comissão Europeia tomou nota, mas num primeiro momento manteve-se leal aos princípios do Pacto Ecológico Europeu de protecção da biodiversidade.

A maré mudou em Setembro de 2023, poucas semanas depois da saída de Frans Timmermans do cargo de vice-presidente executivo da Comissão Europeia com a pasta do Pacto Ecológico. A 6 de Setembro, a União Europeia anunciou que ia rever o estatuto de conservação dos lobos na sequência da resolução aprovada pelo Parlamento Europeu. O anúncio foi acompanhado de algum folclore: na mesma altura, um lobo tinha atacado e acabou por matar Dolly, um pónei da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

A proposta oficial da Comissão Europeia chegou em Dezembro de 2023, logo antes do Natal, e tem agora o seu desfecho com o aceno positivo dos Estados.

Lobbies e populações rurais

A redução da protecção dos carnívoros de grande porte tem sido um apelo de lobbies dos agricultores e dos caçadores há bastante tempo. A resolução do Parlamento Europeu referia que a área de distribuição do lobo na Europa “registou um aumento de mais de 25%” nos últimos dez anos e “o impacto negativo dos ataques ao gado pela crescente população de lobos é cada vez mais acentuado”.

Apesar de esta não ter sido uma das reivindicações concretas dos agricultores europeus nos protestos que ocorreram em vários países do início do ano, que resultaram em alterações à Política Agrícola Comum de forma a reduzir o fardo burocrático, as diversas reivindicações destas comunidades e, em particular, dos seus grupos de interesse, foram sendo apropriadas por grupos políticos, em particular o PPE, para defender medidas que, muitas vezes, têm impactos a nível ambiental.

Na sequência da decisão que emanou da reunião de embaixadores que representam os 27 Estados-membros, a Copa-Cogeca, lobby que representa associações de agricultores em vários países (como a CAP e a Confagri, de Portugal), emitiu um comunicado a congratular-se pelo que consideram ser “um grande passo em frente na gestão das populações de lobo e na coexistência harmoniosa”.

“Chegou o momento de introduzir as alterações correctas para garantir que esta população seja gerida”, lê-se no comunicado, que deixa uma alfinetada às associações ambientalistas que se posicionaram contra esta decisão: “Congratulamo-nos por ver que as instituições da União Europeia estão a ouvir as necessidades dos agricultores e dos habitantes das zonas rurais, apesar das muitas pressões daqueles que muitas vezes não têm de lidar com as consequências dos ataques.”

Portugal muda de ideias

Em Fevereiro de 2023, na sequência da resolução do Parlamento Europeu, 12 ministros do Ambiente europeus – incluindo o então ministro do Ambiente e da Acção Climática de Portugal, Duarte Cordeiro – enviaram uma carta ao comissário europeu para o Ambiente, os Oceanos e as Pescas, Virginijus Sinkevicius, dizendo serem contra a redução do estatuto de protecção do lobo.

A iniciativa partiu da Eslováquia, à qual se juntaram 11 Estados-membros: Alemanha, Áustria, Bulgária, Chipre, Eslovénia, Espanha, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Portugal e Roménia.

Numa altura de crise da biodiversidade, os ministros rejeitavam “de forma inequívoca a tendência da resolução para enfraquecer a protecção legal do lobo”, fazendo referência ao “papel indispensável” que os grandes predadores desempenham em matéria de regulação dos ecossistemas.

O novo Governo, com a ministra do Ambiente e da Energia Maria da Graça Carvalho, manteve a posição em defesa da manutenção do estatuto do lobo até há poucas semanas. Contudo, no início desta semana, o Governo decidiu alinhar com os países que defendem a mudança.

Fontes diplomáticas da União Europeia afirmaram ao Euractiv que apenas a Espanha e a Irlanda votaram contra a proposta. Portugal, que há poucas semanas tinha defendido a manutenção do estatuto de conservação do lobo, acabou por mudar de ideias, em resposta a um “pedido de solidariedade dos outros Estados-membros que têm tido problemas”, como descreveu ao Azul a ministra do Ambiente e Energia, Graça Carvalho.

Do lado errado da História?

A ministra, contudo, garante que as medidas aprovadas não serão aplicadas no território nacional, ou seja, tendo em conta a legislação específica nacional de protecção do lobo-ibérico, em Portugal não haverá qualquer redução do estatuto desta espécie.

“Este desfecho é particularmente grave, pois não apenas coloca a ministra em contradição, mas compromete, acima de tudo, a coerência e a credibilidade do país no palco europeu”, afirma Bianca Mattos, da Associação Natureza Portugal (ANP/WWF). “A mudança de posição de Portugal enfraquece a confiança numa expectável e desejável postura de defesa da biodiversidade e de confiança na ciência como base das decisões políticas tomadas pelo Ministério do Ambiente e Energia”, conclui a responsável da ANP pela área de políticas públicas.

Nos últimos dias, mais de 300 organizações da sociedade civil de toda a Europa têm feito uma campanha para incentivar cidadãos a insistir junto dos seus governos para que o estatuto de protecção do lobo não seja mitigado. Em Portugal, o Ministério do Ambiente poderá ter recebido algumas dezenas de e-mails a começar com as palavras: "Escrevo para pedir que fique do lado certo da História – e que esta quarta-feira vote contra a proposta de desprotecção do lobo."