Resgatadas do mar relíquias de navio quinhentista para evitar caçadores de tesouros

Navio do século XVI, que será do Norte da Europa, foi encontrado na costa de Esposende em 2014. Em 2017, foram localizados dois canhões de bronze, que foram retirados do mar nesta segunda-feira.

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Navio quinhentista foi encontrado em 2014 na praia do Belinho, em Esposende DR/John Sexton
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Foi uma luta contra o tempo para resgatar património e foi concluída com sucesso. Nesta segunda-feira de manhã, duas colubrinas de bronze de um navio naufragado do século XVI foram resgatadas do fundo de mar, na costa de Esposende. O achado não é novo. Já se sabia existir um “tesouro” junto à praia do Belinho desde 2014, quando ali se descobriu a embarcação quinhentista quase intocada. Só agora, pela primeira vez, é que se conseguiu resgatar directamente do oceano parte do material que já tinha sido inventariado. A autarquia sentiu necessidade de agir em contra-relógio em função das circunstâncias. Houve denúncias de que alguns mergulhadores estariam a sondar a área marítima e, tendo sido reunidas as condições ideais para mergulhar, preveniu-se que os dois canhões pudessem, eventualmente, parar às mãos de caçadores de tesouros.

Não se sabe ao certo se o propósito de quem andou a mergulhar nas últimas semanas na zona onde estão os restos do navio e o seu recheio era tentar algo mais do que apenas satisfazer a curiosidade. Mas, segundo Ana Almeida, arqueóloga da Câmara de Esposende, foi esse o motivo que precipitou a operação de resgate das duas colubrinas de bronze. “Não sabemos ao certo se eram [caçadores de tesouros], mas fomos alertados de que havia gente a mergulhar naquele sítio”, afirma.

Não é novidade haver quem arrisque mergulhar naquela área. Porém, desta vez, a arqueóloga diz ter havido “alguma insistência” — mais do que é habitual. Os alertas chegaram na semana passada. “A partir daí, encetámos contactos com a tutela do Património Cultural e com a Capitania do Porto de Viana do Castelo porque sabíamos que, à partida, estariam em risco duas colubrinas de bronze, que já estavam identificadas desde 2017”, sublinha.

Os canhões foram vistos pela primeira vez três anos após o navio ter sido descoberto. Porém, diz a arqueóloga, “o mar nunca permitiu fazer um justo trabalho” porque não existiam “os recursos disponíveis”, nem “as condições necessárias”. “Desta vez, como houve alguma insistência [de mergulhadores desconhecidos nas imediações], conseguimos conciliar recursos e equipas, muito rapidamente, em tempo recorde”, conta. Também ajudou que “esta semana o mar estivesse em condições” para isso, o que diz ser “muito raro”.

“Associando as óptimas condições do mar e o facto de haver mergulhadores na zona, por uma questão de salvaguarda, porque desconfiávamos que os canhões pudessem estar em causa, avançámos”, diz. Na sexta-feira, dia em que se apresentou o livro Patrimónios Emersos e Submersos —​ do Local ao Global, que “narra todo o processo de investigação desencadeado, em Esposende, após a descoberta do naufrágio quinhentista de Belinho, no âmbito da programação das Jornadas Europeias do Património, já se tentava reunir uma equipa. “No domingo, conseguimos confirmação de que conseguiríamos ter todos os recursos necessários [para o resgate]”, diz.

As evidências parecem justificar a urgência da operação: “Os canhões não estavam no sítio. Tinham sido removidos do local original onde estavam. Quando chegámos ao sítio, não os detectámos e tivemos de andar ali um bocadinho às voltas para ver se os localizávamos.”

As duas colubrinas acabaram por ser localizadas e, ao fim da manhã de segunda-feira, enquanto Ana Almeida falava com o PÚBLICO, já estavam a chegar a terra, ao “porto de Esposende”, para, por agora, ficarem “à guarda do município”, para serem “investigadas” e “conservadas”. Só mais tarde se decidirá onde vão ficar definitivamente.

Mais de 600 peças encontradas

Esta foi a primeira vez que se avançou para o resgate de peças directamente do fundo do mar. Já foram recolhidas mais de 600 peças no areal da praia do Belinho, quando a maré baixa. Foram encontrados “pratos de estanho e de cobre, colheres, machados, espadas, balas de canhão, castiçais, folhas de chumbo” e outros materiais.

Continua a haver algumas incertezas sobre a origem do navio. Mas a presença de folhas de chumbo”, que servem para proteger as madeiras da embarcação, evidenciam que faria viagens “para zonas de águas quentes”. “A única coisa que poderemos adiantar, perante os estudos feitos, da carga que foi recolhida até ao presente e que está a ser conservada e investigada, é que será um navio do século XVI. Pela carga que trazia a bordo, será do Norte da Europa. As produções de pratos que nós temos poderão vir da zona da Antuérpia, por exemplo, pertencem a essa zona, que é o local de produção desses materiais”, adianta. Alguns dos pratos encontrados na praia do Belinho “têm desenhos” e outros “têm letras em gótico”. “Está escrito em alemão”, diz.

Ainda há muito por descobrir debaixo do mar, mas o trabalho de localização dos materiais já foi realizado. A investigação continua. Mas a arqueóloga tem uma certeza: “Quem perdeu este navio perdeu uma grande fortuna, de certeza absoluta.”

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