“Um problema sentido por todas as famílias.” Festival discute crise da habitação

Uma Revolução Assim acontece até 6 de Outubro, em Lisboa, e propõe discussão sobre soluções alternativas para a falta de casas. Programação artística mistura-se com debates e activismo.

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Os organizadores do festival questionam "a utilização da habitação enquanto instrumento de lucro e especulação" Daniel Rocha
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Chegados a esta fase da discussão em torno da crise da habitação, assumem-se como tão significativas as suas persistência, dimensão e consequências, que parece difícil não concordar com a observação que, a dado momento da conversa com o PÚBLICO, faz Julia Albani. “Actualmente, em Portugal, praticamente não há uma família que não tenha, pelo menos, uma pessoa a sentir os problemas de habitação. É algo sentido por todas as famílias”, diz a curadora do festival Uma Revolução Assim – Luta e Ficção: A Questão da Habitação, que decorre entre esta quarta-feira e 6 de Outubro, em Lisboa, mas também em Almada. Juntando debates, intervenções artísticas e activismo, num programa vasto e multifacetado, propõe-se encontrar soluções para a crise num “diálogo colectivo”.

Essa abrangência na conversa sobre o problema, com contributos vindos de agentes de áreas como a arquitectura, a filosofia, o pensamento político, o design ou artes performativas, pode bem ser sumarizada num dos motes do Uma Revolução Assim: “Um festival na luta pelo direito à habitação e sobre novas formas de vivermos juntos.” É disso que trata, na essência, o evento organizado pelo Goethe-Institut e pela Culturgest, em parceria com o Institut Français e a Largo Residências, mas que dá um enfoque muito especial aos contributos para a discussão desta questão por parte de agentes menos institucionais. E que põem em causa o modelo vigente de gestão da propriedade.

Ante o fracasso do “sistema” em resolver ou responder de forma adequada a um problema que afecta tanta gente, abre-se a porta a alternativas. “Queríamos possibilitar uma plataforma para construir outro tipo de diálogo e dar poder ao novo activismo. Tem um grande potencial, que não está a ser utilizado”, afirma Julia Albani, explicando a linha orientadora do programa por si desenhado, através do qual se propõe “reflectir várias perspectivas sobre a questão da habitação e sobre a sociedade que queremos construir”. E que também pergunta: “O que é que falta cumprir no direito à habitação?” Essa reflexão contará com contributos de indivíduos e grupos, nacionais e internacionais, que se têm dedicado a questionar o actual modelo de oferta de habitação, assente sobretudo na regulação feita pelo mercado.

Opção que, de forma clara, assume a curadora do festival, posiciona o festival do outro lado da barricada em relação a quem lucra com o actual cenário. Tanto que, na sua apresentação, é denunciada “a utilização da habitação enquanto instrumento de lucro e especulação, rendas a explodir, bairros gentrificados e turistificados, perda de coesão e vizinhança nos bairros”, em Portugal e no resto do mundo. Aponta-se igualmente a determinadas coordenadas que reflectem um questionamento político e ideológico de modelos de organização económica e política por muitos tidos como inevitáveis.

“Perante as sérias consequências da privatização da terra, como subverter o sistema convencional de propriedade para implementar uma propriedade colectiva de bens comuns?”, interroga-se no texto de apresentação de um festival com um alinhamento ideológico claramente à esquerda. A tal não será alheio o facto de, na “consultoria curatorial” de Uma Revolução Assim, além do fotógrafo e artista vídeo Nuno Cera, participarem os arquitectos Ana Jara e Tiago Mota Saraiva. A primeira é vereadora do PCP na Câmara de Lisboa e co-fundadora do Atelier Artéria, enquanto o segundo é também militante do partido e fundador do Aterliermob.

Essa propensão é também perceptível no conjunto de organizações que colaboram activamente no programa, em que se podem encontrar entidades como Habita!, Sirigaita, Cooperativa Rizoma, Casa do Comum, Movimento Referendo pela Habitação ou Cozinha Popular da Mouraria. A elas também se juntam o movimento Vida Justa, que organizou em 2023 uma manifestação contra o aumento de preços, a repressão policial e a falta de soluções habitacionais e de transportes na periferia de Lisboa, e o movimento Casa para Viver, que tem organizado protestos reclamando a resolução da crise na habitação.

“Activar sociedade civil”

O Casa para Viver tem, aliás, agendada para 28 de Setembro uma nova manifestação na capital que acabará, assim, por ser integrada no programa do festival Uma Revolução Assim. Julia Albani refere que tal justaposição foi uma coincidência, uma vez que a realização do festival estava marcada já desde Novembro do ano passado. No fundo, admite, até acaba por fazer todo o sentido dentro da lógica de “activação da sociedade civil” preconizada por este acontecimento sociocultural que conta, entre outros, com o apoio institucional da Câmara de Lisboa e da Direcção-Geral das Artes.

Depois da festa de abertura, na quarta-feira, pelas 19h, no Goethe-Institut, momento aproveitado para o lançamento da revista Justo Custo, o festival terá uma vasta e diversificada programação. Nos dias 26, 27, 28 e 29 de Setembro e a 4 de Outubro, as atenções estarão centradas em torno do “palco ambulante”, desenvolvido pelo colectivo Constructlab para ser “um parlamento, uma estação de rádio, um cinema ao ar livre e ainda uma cozinha ou sala de jantar”. Andará por vários sítios da capital, suscitando o debate em torno da habitação. E, de preferência, com a participação de todo os que assim o desejem.

Dentro dessa abordagem, os dias de debates arrancam com a Rádio no Café, a gravação de conversas em cafés de Lisboa e Almada, entre as 8h e as 9h da manhã, uma iniciativa em parceria com a Mensagem de Lisboa e a rádio Antecâmara. E continua com a Rádio no Palco, com a gravação de conversas no palco ambulante, entre as 10h e as 12h. Entre as 12h30 e as 14h, o festival serve um almoço ao público presente, com o apoio da Cozinha Popular da Mouraria, como pretexto para uma conversa à volta de temáticas específicas em Conversas à Mesa. As tardes do palco ambulante serão dedicadas a debates abertos, das 15h às 18h, com a participação de políticos, arquitectos, investigadores, activistas, artistas e jornalistas nacionais e estrangeiros.

Para além da discussão, há também uma rica programação artística e cultural. O projecto Passa Cá em Casa, um percurso de 12 intervenções artísticas em casas particulares, propõe, a 5 e 6 de Outubro, performances e instalações em casa particulares, sempre em redor do tema do festival. A Noite Branca, uma iniciativa do Institut Français, tem lugar entre as 20h de 26 de Setembro e as 8h do dia seguinte, na companhia do performer Esteban Feune de Colombi, que convida o público a aproximar-se do lugar onde vai instalar um colchão ao ar livre e a falar sobre os privilégios de ter um telhado. Toda a programação pode ser consultada em www.goethe.de/portugal/umarevolucaoassim.

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