O que sabemos sobre o acordo de partilha de águas entre Portugal e Espanha?

Acordo entre Portugal e Espanha sobre gestão dos rios ibéricos deve ser assinado quinta-feira e abordará questões específicas do Tejo e do Guadiana. Ambientalistas exigem saber detalhes do documento.

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O acordo que vai ser celebrado entre Portugal e Espanha debruça-se sobre a gestão dos rios ibéricos, abordando em particular questões específicas do Tejo e do Guadiana (incluindo o uso da água do Alqueva) Nuno Ferreira Santos
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Um acordo sobre a gestão transfronteiriça de águas fluviais foi negociado entre Portugal e Espanha e deverá ser assinado em Madrid nesta quinta-feira, dia 26 de Setembro. As autoridades dos dois países só deverão prestar declarações sobre o conteúdo do documento na sexta-feira, apesar de dezenas de organizações ambientalistas reivindicarem acesso aos termos do acordo para garantir um processo transparente.

O que está em causa no acordo assinado esta quinta-feira?

O acordo que vai ser celebrado entre Portugal e Espanha debruça-se sobre a gestão dos rios ibéricos, abordando em particular questões específicas do Tejo e do Guadiana. Em causa está, por exemplo, a coordenação dos caudais libertados pelas autoridades espanholas no Tejo, o uso da água do Alqueva em zonas fronteiriças e, por fim, as captações bilaterais do Guadiana na aldeia do Pomarão, em Mértola, no Alentejo.

Quais são os termos do acordo?

Ainda não foram tornados públicos os detalhes do documento sobre a gestão dos recursos hídricos transfronteiriços, cuja assinatura está prevista para quinta-feira, dia 26 de Setembro.

Mais de 30 organizações ambientalistas e movimentos cívicos – incluindo a Zero, a Quercus e a Sociedade Portuguesa de Ecologia – divulgaram dia 10 de Setembro uma carta aberta pedindo que o Ministério do Ambiente e da Energia torne público os termos gerais do acordo “antes da assinatura, a fim de garantir um processo transparente dando a oportunidade de uma resposta informada e atempada da sociedade civil”. Até agora não tiveram resposta, de acordo com Sara Correia, técnica da Zero.

Os subscritores da missiva exigem que a sociedade civil tenha um papel activo no grupo de trabalho “Água que Une” ou, pelo menos, que haja mecanismos de envolvimento contínuo destas entidades para garantir uma participação efectiva na construção da nova Estratégia Nacional para a Água.

É verdade que Espanha vai pagar pela água que consumiu do Alqueva?

Sim. Espanha deverá pagar dois milhões de euros por ano pelo consumo de 50 milhões de metros cúbicos, captados na albufeira de Alqueva na região de Olivença, desde 2002, ano em que as comportas de meio-fundo da grande barragem do Sul foram fechadas. O valor terá sido acordado em Julho entre a ministra do Ambiente e Energia de Portugal, Maria da Graça Carvalho, e a ministra da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico de Espanha, Teresa Ribera, num encontro em Lisboa (responsável espanhola que, agora, deve ocupar um dos seis lugares da vice-presidência da Comissão Europeia).

Quais são as zonas cinzentas do acordo?

Sara Correia, técnica da associação ambientalista Zero, explica ao PÚBLICO que não se sabe, neste momento, quais são as contrapartidas que Espanha está a exigir no sistema de captação de Boca-Chança para viabilizar a captação portuguesa no Pomarão, para além do pagamento da dívida do Alqueva. Daí, argumenta esta especialista e recursos hídricos, a importância de termos acesso aos termos do acordo.

“Portugal pediu como contrapartida que Espanha garantisse caudais mínimos diários no Tejo (definidos pela nossa ministra com caudais ecológicos), e ao mesmo tempo, este ressarcimento pela água que é captada directamente da albufeira de Alqueva, mas não sabemos se Espanha não irá querer também captar mais água do Boca-Chança”, alerta Sara Correia.

A possibilidade de haver duas captações a funcionar em simultâneo, em áreas muito próximas uma da outra – a barragem espanhola de Chança situa-se imediatamente a nordeste da aldeia alentejana do Pomarão –, “não foi devidamente analisada no Estudo de Impacto Ambiental”, alerta a técnica da Zero.

O que são os caudais ecológicos?

Os caudais ecológicos asseguram o nível de água indispensável para que o ecossistema fluvial continue a desenvolver-se e a prestar os serviços de que dependemos. Foram introduzidos na Quadro da Água da União Europeia em 2000, sendo que Espanha os integrou na sua legislação em 2001 e Portugal fez o mesmo no ano seguinte.

Sara Correia, técnica da Zero, sublinha que há uma grande diferença entre “caudais ecológicos” e “caudais mínimos diários”, embora o Ministério do Ambiente e da Energia tenha usado estas definições como sinónimos. “São coisas diferentes: esses caudais mínimos que passam a estar assegurados podem não atender àquilo que são as necessidades dos ecossistemas”, refere.

A ideia dos caudais ecológicos é funcionarem como uma simulação daquilo que seria o caudal natural de um rio se não tivesse barragens. “Um caudal mínimo diário pode ser libertado às primeiras horas do dia, por exemplo, e não se libertar mais nada durante todo o resto do dia. E, portanto, isso não é um símbolo efectivamente daquilo que seria um caudal ecológico”, diz Sara Correia.

Actualmente, à luz das regras da Convenção de Albufeira, Espanha pode passar longos períodos sem libertar quantidades significativas de água e, depois, para cumprir quotas acordadas, fazer grandes descargas de uma vez, prejudicando tanto os peixes como a vegetação e fauna ripícola. Isto acontece porque as contas da água que um país deve ao outro são feitas por ano hidrológico.

O que é a Convenção de Albufeira?

Trata-se de um acordo, subscrito por Portugal e Espanha há mais de 25 anos, que define o regime de caudais de cada um dos rios transfronteiriços (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana). O objectivo é definir um quadro de cooperação ibérica para “a protecção das águas superficiais e subterrâneas e dos ecossistemas aquáticos e terrestres deles directamente dependentes” e “para o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos”.

O nome oficial do acordo é Convenção sobre a Cooperação para a Protecção e o Aproveitamento Sustentável das águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas, mas como foi assinado em Albufeira, a 30 de Novembro de 1998, acabou por ficar mais conhecido pelo nome da cidade algarvia. O documento também prevê quais são as medidas a aplicar para “mitigar os efeitos das cheias e das situações de seca ou escassez” de água.

O acordo ibérico está em vigor desde 2000 e não prevê caudais ecológicos. Em 2008, contudo, Portugal e Espanha redefiniram o regime de caudais da Convenção de Albufeira, com o objectivo de melhorar a escala temporal de caudais, introduzindo um regime sazonal mais fino, para além do anual”, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente.