Sri Lanka elege primeiro Presidente de esquerda que promete “defender a democracia”
Escolhido pelos eleitores para liderar o país de 22 milhões, Dissanayaka conta apenas com o apoio de três deputados. A sua aliança ganhou proeminência durante os protestos de 2022.
O primeiro Presidente de esquerda da história do Sri Lanka, Anura Kumara Dissanayaka, tomou posse nesta segunda-feira: “Estou plenamente consciente da importância do mandato que me foi confiado”, declarou, num breve discurso. Segundo os resultados publicados no domingo pela comissão eleitoral, AKD, como é conhecido pelos seus apoiantes, obteve 42,3% dos votos, bem à frente do líder da oposição no Parlamento, Sajith Premadasa (32,7%), e do Presidente cessante, Ranil Wickremesinghe (17,2%), nas eleições mais renhidas de sempre no país.
Vestindo “uma simples camisa branca e sorridente, este marxista de formação, [ideologia] que já abandonou em grande parte” foi empossado pelo presidente do Supremo Tribunal, Jayantha Jayasuriya, numa cerimónia transmitida pela televisão”, descreve a AFP.
No exterior, dezenas de apoiantes empunhavam cartazes com a sua imagem, alguns agitavam bandeiras do Sri Lanka e cantavam “AKD”. “Estou muito feliz”, disse à Reuters a esteticista Iroma Nilanthi Liyanage, afirmando que Dissanayake lhe transmite esperança. “Trabalhámos muito para esta vitória. Pela primeira vez, as pessoas pobres têm alguém que as defende.”
“Não sou um mágico. Sou um simples cidadão”, afirmou AKD. “Há coisas que sei e coisas que não sei, quero reunir aqueles que têm o conhecimento e as competências para ajudar a reerguer este país e farei o meu melhor […]. A minha responsabilidade é participar no esforço colectivo para sair desta crise”, disse ainda.
Milhões de cingaleses votaram em AKD, que era, até agora, deputado da oposição, confiando na sua promessa de combate à corrupção e no seu compromisso de apoiar a frágil recuperação económica — a nação insular, há muito liderada por famílias políticas poderosas, está a emergir da sua pior crise económica em mais de sete décadas.
“Precisamos de reforçar a democracia. Comprometo-me a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para salvaguardar a democracia”, disse também Dissanayake, de 55 anos, no seu discurso de tomada de posse, notando que assume o cargo num momento difícil e sublinhando que “a democracia não se esgota com a eleição” de um líder. “As pessoas apelaram a uma cultura política diferente. Estou pronto para me empenhar nessa mudança”, acrescentou, defendendo que a política do Sri Lanka “precisa de ser mais limpa”.
Para além de formar um governo, Dissanayake terá de aumentar a sua base de apoio no Parlamento, onde o seu partido só tem três dos 225 lugares, para conseguir aprovar um orçamento em linha com os termos de um resgate de 2,9 milhares de milhões de dólares (2,6 milhares de milhões de euros) do Fundo Monetário Internacional. Durante a campanha, AKD prometeu renegociar os termos do empréstimo, levando os investidores a temerem que isso possa atrasar futuros desembolsos.
As obrigações soberanas do Sri Lanka em dólares caíram 2,88 a 3,28 cêntimos por dólar no início das negociações de segunda-feira, para uma cotação entre 49,14 e 49,77 cêntimos.
Insurreições armadas
O novo chefe de Estado prometeu baixar os impostos dos bens de primeira necessidade.
Antes da tomada de posse de segunda-feira, o primeiro-ministro Dinesh Gunawardena demitiu-se para dar lugar ao novo primeiro-ministro e ao seu gabinete. Gunawardena, de 75 anos, chegou ao cargo em Julho de 2022, depois de o antigo Presidente Gotabaya Rajapaksa ter fugido do país no meio de protestos desencadeados pela crise, que causou escassez de bens essenciais e levou a um incumprimento da dívida.
Wickremesinghe, o Presidente cessante, ocupava o cargo interinamente, tendo sido eleito pelo Parlamento para cumprir o restante mandato de Rajapaksa.
A aliança de Dissanayake, o Poder Popular Nacional, ganhou proeminência durante os protestos de 2022, conhecidos como Aragalaya — A Luta. O seu partido, o marxista Janatha Vimukthi Peramuna (JVP), liderou duas insurreições armadas contra o Estado nas décadas de 1970 e 80, mas Dissanayake tem moderado as posições da formação política e a popularidade da sua aliança anticorrupção permitiu-lhe ultrapassar o medo do passado violento do partido entre a população.