Anne Teresa de Keersmaeker pede desculpas por bullying na sua companhia

Influente coreógrafa falou pela primeira vez das acusações de que é alvo numa auditoria interna da Rosas, a sua companhia, e prometeu fazer melhor e diferente doravante.

Foto
Anne Teresa de Keersmaeker fotografada em Lisboa em 2012 Rui Gaudêncio
Ouça este artigo
00:00
03:54

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Três meses depois de ter sido acusada de instilar “medo”, “violência psicológica”, “assédio subtil” e, em geral, bullying sobre os funcionários (não só os membros da companhia dança) da sua Rosas, a coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker pediu desculpas. Figura incontornável da dança contemporânea, reconheceu que o estilo de liderança expectável actualmente não se adequa ao que praticava. “Quero oferecer as minhas desculpas a todos os que desiludi e magoei”, disse numa palestra em Ghent, na Bélgica.

É a primeira vez que De Keersmaeker fala publicamente sobre as acusações de que é alvo e que, embora tenham começado a ser auditadas em 2021, só este ano foram citadas numa investigação do jornal belga De Standaard, publicada a 22 de Junho. Vinte e quatro trabalhadores de várias áreas da companhia Rosas falaram do estilo tirânico da coreógrafa, da forma como tecia comentários depreciativos sobre os corpos dos bailarinos, da sua exigência em termos de horários e até do seu negacionismo quanto à covid-19, que os queixosos dizem ter criado condições de perigo sanitário.

“Acolho a ideia de que o estilo de liderança que as pessoas esperam hoje envolve mais diálogo aberto e mais consciência — e respeito — dos limites de todos”, disse a bailarina de 64 anos, numa transcrição da palestra que está no site da Rosas e que o New York Times citava na sexta-feira. Na Rosas “estamos a trabalhar num ambiente de trabalho novo, mais seguro e mais inspirador”, um processo em curso que a levou a citar Samuel Beckett: “Vamos tentar, vamos falhar, vamos tentar melhor novamente”.

De Keersmaeker não quis prestar declarações ao diário, remetendo-se para o comunicado algo insuficiente da companhia em Junho, em que se dizia que a Rosas estava a criar um “grupo de trabalho de bem-estar” e que acreditava que as “conversas curativas” devem ocorrer “num ambiente seguro e confidencial”. A exposição pública dos resultados do inquérito interno de Aline Bauwens, mediadora independente especializada em relações laborais, não agradou à instituição. “É verdade que no passado, foram relatadas preocupações sobre o bem-estar à gestão e também à administração”, diz a nota, que garantia que as “soluções” foram procuradas em conjunto com o rosto da companhia.

Filip Tielens, editor de Cultura do De Standaard, disse ao New York Times que os rumores sobre as condições de trabalho na Rosas (a coreógrafa também fundou a P.A.R.T.S., conhecida escola de dança, que tal como a Rosas recebe um significativo subsídio estatal) se agigantaram quando o ex-relações públicas da companhia falou nas redes sociais sobre o seu descontentamento quanto à liderança da mesma.

Agora, falou com o diário nova-iorquino por email e explicou que na década em que trabalhou com a companhia a sua directora era “muito controladora e imprevisível”, especialmente desde a pandemia, em relação à qual era “céptica” e anti-vacinas e anti-máscaras — o que criava dificuldades práticas no trabalho durante tempos de restrições sanitárias. A porta-voz actual da Rosas disse que a companhia “agiu em conformidade com as regras locais da covid-19”.

Na sua intervenção no colóquio Choreographic Legacies, Anne Teresa de Keersmaeker responsabilizou-se inteiramente pelo ambiente de trabalho dentro da sua companhia e diz-se ciente de que isso e as suas desculpas “não chegam”. Diz ter duvidado sobre a sua participação no encontro, mas lá acedeu e fez depois a sua palestra sobre herança, património, transmissão de conhecimento e as especificidades da dança nesses processos.

O seu caso está entre outros que, recentemente, têm demonstrado a maior consciência da necessidade de mudança nos ambientes de trabalho das áreas criativas bem como a pulsão crescente para a dignidade da denúncia, em muito impulsionada pelo movimento #MeToo. Em Abril de 2022 o também belga Jan Fabre foi condenado a uma pena de prisão suspensa de 18 meses por acusações de violência, assédio moral e sexual relatadas por 12 membros da sua companhia; Marc Verstappen, o director do centro cultural De Studio, em Antuérpia, foi acusado por uma antiga funcionária de sexismo e assédio e na semana passada na sua festa de despedida, voltou a negar as mesmas; o encenador belga Ivo van Hove foi afastado do International Theater Amsterdam devido a um relatório que identifica uma "cultura de medo" desenvolvida sob a sua liderança.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários