Os cancelados: uma história nada nova

Engrossar o caldo do cancelamento de alguém só faz de você mais um de tantos e tantos tolos que desejam ser unânimes com suas razões de estimação.

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Esse tal "cancelamento" que tanto assusta as pessoas hoje em dia não é um fenômeno recente, muito pelo contrário. Cancelar quem pensa fora da caixa parece ser o hobby favorito da humanidade desde sempre.

Veja o caso de Sócrates, por exemplo. O homem foi cancelado pelo mesmo motivo que tantos são hoje: ter opiniões impopulares ou propor conversas incômodas, questionar, instigar os jovens a pensarem por eles mesmos.

Os poderosos da antiga Atenas não suportavam esse tipo de coisa. Cancelamento definitivo, veneno nele e fim de Sócrates. Um homem que admitia sua própria ignorância, criador da celebre frase “Só sei que nada sei…”. Enfim, um perigo para os jovens atenienses da Grécia antiga. Morto envenenado, porém, considerado o pai da filosofia ocidental!

Seria o cancelamento um trampolim? O velho “cair pra cima”? Talvez...

E o que dizer de Galileu Galilei? O homem teve a ousadia de afirmar que a Terra não era o centro do universo, o que, convenhamos, já era motivo suficiente para ser cancelado pela Igreja, que era a “plataforma” dominante na época. Se fosse hoje, sua timeline seria tomada por comentários tipo: “E as provas, Galileu? Eu vi no YouTube que o Sol gira em torno da Terra!” Para evitar maiores dores de cabeça (ou a guilhotina), ele se retratou. Se retratou, mas foi obrigado a viver em prisão domiciliar o resto da vida.

No entanto, mesmo cancelado em sua época, é considerado o pai da ciência moderna. Físico, astrônomo, escritor, filosófo e professor de italiano. Mas muito polêmico para estar entre jovens espalhando fake news

O que talvez esses cancelados históricos nos mostrem é que, enquanto os meios mudam, o ímpeto de silenciar, ridicularizar e eliminar quem desafia a ordem ou o sistema permanece. E é aqui que entra a reflexão: se o cancelamento já foi feito por tribunais, pela fogueira ou pela espada, hoje, ele se dá por meio de hashtags e linchamentos virtuais. Mas, em essência, não mudamos tanto assim. Ainda temos uma enorme dificuldade em conviver com o contraditório, com o desconforto que é ouvir uma opinião que nos desagrada.

A diferença é que o cancelamento atual é feito em nome da justiça social, da moralidade ou até mesmo da defesa de minorias, o que, convenhamos, soa nobre. Mas será que o cancelamento realmente resolve o problema ou apenas nos afasta de lidar com a verdadeira questão? Na ânsia de apagar quem discorda, corremos o risco de perder o que há de mais valioso no debate: a oportunidade de crescer, questionar e, quem sabe, evoluir.

Quando falo de cancelamento, coloque nessa sacola um bocado de censura, terror, ameaças… Está tudo no mesmo pacote sinistro do poder, daqueles que querem moderar o mundo, que desejam dominar narrativas e evitar que as massas reflitam sobre o mundo que querem viver.

Em microuniversos, as panelas são formadas por fracos que temem o “mundo lá fora” sem suas patotas. Sensação de pertencimento, conforto social, concordar com tudo e vamos em frente!

Não caia nessa, não siga isso. Pense, seja frontal com suas ideias e seus pensamentos. Reflita, mude de opinião, por que não? A panela que pensas pertencer hoje é a mesma que irá lhe cozinhar amanhã.

O cancelamento da internet hoje em dia é pinto perto do que se praticava no passado. É covarde, desumano, mas bem mais suave do que ser queimada viva, como foi Joana D’Arc.

Proponha os debates sem criar ambientes desconfortáveis, tenha cuidado para não defender suas ideias ofendendo pessoas. Dito isso, não tenha medo desse tal cancelamento. Isso é uma ideia infantil e imatura, uma falsa sensação de se fazer justiça, de ser útil ao mundo.

Engrossar o caldo do cancelamento de alguém só faz de você mais um de tantos e tantos tolos que desejam ser unânimes com suas razões de estimação!

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