Mulheres brasileiras em Portugal: histórias de coragem e superação

As brasileiras em Portugal enfrentam um duplo desafio. Além das barreiras que todos os imigrantes têm de superar, encontram os obstáculos por serem mulheres. E muitas vencem.

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A caminhonista Camila Ribeiro rompeu barreiras para dirigir um caminhão-cegonha Arquivo pessoal
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Ao contrário do conjunto da imigração em Portugal, em que os homens são a maioria (53%), entre os brasileiros que buscam uma nova vida no país as mulheres prevalecem, com 50,3% do total. A preponderância das mulheres na imigração brasileira é uma tendência dos últimos 12 anos e só caiu um pouco em 2023 – ano em que mais homens foram registrados.

A busca por uma nova vida

A carioca Ana Catrine dos Santos, 34, nunca imaginou que precisaria reinventar sua vida em outro continente. No Brasil, ela trabalhava como técnica de logística, uma carreira que lhe proporcionava segurança e reconhecimento. No entanto, há seis anos, após um problema grave de saúde, ela e o marido decidiram vender tudo e se mudar para Portugal em busca de mais tranquilidade.

Ao chegar, enfrentou o medo por estar num ambiente novo, sem as referências que tinha no Brasil. "Foi um dos dias mais desafiadores da minha vida. Não tinha família, não tinha rede de apoio", lembra Ana.

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Ana Catrine dos Santos trabalha com marketing digital Ana Cunha

Em menos de um mês, conseguiu um emprego em um restaurante em Póvoa de Santa Iria, a 20 quilômetros de Lisboa. Mas não era isso o que queria. Depois de várias experiências, Ana fundou a Road Digital, uma empresa de marketing digital focada na humanização de marcas.

O próximo passo será a Outmax, uma plataforma inovadora no mercado europeu, em que fábricas podem oferecer seus produtos para pessoas que queiram vender com marca própria. O pacote que ela oferece inclui gestão de estoques e controle de fluxo financeiro. “É uma integração diretamente com as fábricas para pequenos e médios negócios, inclusive para quem ainda não sabe que produto quer vender", afirma.

O sonho de aprender

Natural de Santos, a economista Viviane Conceição da Silva, 41, passou anos adiando o sonho de fazer o mestrado, presa às responsabilidades que tinha como funcionária da Petrobras no Brasil. Quando a pandemia chegou, sentiu que era hora de agir. Em 2021, embarcou para Lisboa com um visto de estudante. "Eu sabia que não seria fácil, mas precisava dar esse passo por mim mesma", conta.

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A economista Viviane, que veio fazer mestrado em Portugal e ficou Ana Cunha

Mesmo tendo que se adaptar a uma nova cultura e a uma forma diferente de atuar, Viviane conseguiu um emprego na sua área na empresa portuguesa de petróleo Galp. "O mercado português tem espaço para nós, brasileiras. A nossa capacidade de adaptação é uma vantagem", reflete.

Hoje, faltando pouco para terminar o mestrado, e com um emprego que permite ter uma carreira na sua área, Viviane acredita que pode ser um exemplo para outras mulheres que queiram seguir seus sonhos.

Quebrando barreiras atrás do volante

Camila Ribeiro tinha 22 anos quando desembarcou em Portugal, deixando para trás Londrina, no Paraná, após o fechamento do bingo onde trabalhava. Seu primeiro emprego em terras portuguesas foi num restaurante. Depois, passou a dirigir um ônibus no aeroporto, daqueles que levam os passageiros do terminal para o avião.

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Camila Ribeiro no seu caminhão-cegonha Arquivo pessoal

Até que um amigo deu a dica. O salário como motorista de caminhões pesados era o dobro do que ganhava no aeroporto. Assim, ela se tornou a única mulher na Europa a dirigir caminhões-cegonha. "No primeiro dia, o medo era imenso, mas eu sabia que precisava continuar", lembra.

Hoje, depois de vinte anos em Portugal, Camila se orgulha do caminho que trilhou. "Lutar contra o preconceito faz parte do meu dia a dia, mas eu vejo que as coisas estão mudando. O respeito que conquistei ao longo dos anos é fruto da minha determinação." Camila é prova de que o volante pode, sim, ser lugar de mulher.

Uma aventura inesperada

Em 2015, Rosângela Gontijo jamais tinha pensado em viver fora do Brasil. Natural de Belo Horizonte, ela estava prestes a se aposentar, aos 52 anos, quando uma conversa casual com uma desconhecida mudou o curso de sua vida. "Brinquei que queria viver em Portugal e, de repente, ela me ofereceu um emprego", diz com um sorriso.

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Rosângela Gontijo, que mudou para Portugal aos 61 anos Ana Cunha

Rosângela decidiu arriscar e, sem grandes expectativas, veio parar em Lisboa, trabalhando como empregada doméstica. Para sua surpresa, a adaptação foi tranquila. "Foi a melhor coisa que fiz. A acolhida que recebi aqui foi algo que nunca imaginei. Eu me sinto parte desse país", fala.

Amor, família e desafios

Nathália Cardoso deixou Paracatu, em Minas Gerais, por amor. Aos 32 anos, vive em Portugal há uma década ao lado de seu marido, Ícaro Silva, que é jogador de futebol. "Vim para cá apenas com uma mala e com o coração cheio de sonhos", lembra.

Estar ao lado de um jogador trouxe desafios. Quando acabava um contrato, muitas vezes isso implicava mudar de cidade: foram clubes de cinco cidades, até agora. No último ano, a vida dela estabilizou em Paços de Ferreira. "Lidar com a educação da minha filha em meio a tantas mudanças não foi fácil", admite.

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Nathália Cardoso, que saiu de Paracatu e hoje é empreendedora Arquivo pessoal

Há quase dois anos, ela resolveu arriscar e criou a DPudim, que vende pudins gourmet a partir de Paços de Ferreira.

Atualmente, Nathália equilibra os papeis de mãe, esposa e empresária e não abdica de seus sonhos. "Há dias difíceis, mas também há dias que nos mostram que todo esforço vale a pena."

Conectando e empoderando

Catarina Coelho, 48, tinha uma carreira consolidada no mercado financeiro, no Rio de Janeiro. Mas sua verdadeira paixão era ajudar outras mulheres a realizarem seu potencial.

Foi o desejo de segurança e a vontade de estar livre das rotinas sufocantes do mercado financeiro que fizeram com que, em 2017, ela escolhesse vir para Portugal. Num ambiente novo, ela se deu o direito de seguir o seu sonho e fundou a “Rede Conexão”, um espaço dedicado ao empoderamento feminino. "Aqui, eu me redescobri. Percebi que podia fazer mais pelas mulheres à minha volta", conta emocionada.

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Catarina Coelho deixou o mercado financeiro para empoderar mulheres Arquivo pessoal

O reconhecimento veio quando recebeu o selo Visit Portugal, do Turismo de Portugal, pelo trabalho realizado com a rede. Hoje, Catarina está prestes a lançar um aplicativo que promete conectar ainda mais mulheres ao redor do mundo. Para ela, o sucesso só faz sentido quando compartilhado. "Ajudar outras mulheres é o que me move."

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