No aniversário do P3, ouvimos as preocupações (e ideias) de quem nos lê e escreve

Ouvimos quem mais nos escreve pelo Megafone: quais são as causas que te movem? O que falta fazer? E se pudesses dar uma ideia a quem nos governa, qual seria?

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No aniversário do P3, ouvimos as preocupações (e ideias) de quem nos lê e escreve
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O P3 faz 13 anos – 13 anos a ser de quem o faz e de quem o lê. Oferecemos-te um Megafone o ano todo – tens sempre um sítio onde podes partilhar connosco o que te move, o que te apaixona e o que não podes deixar passar — mas, neste aniversário, fomos ouvir quem mais nos escreve. Quais são as causas que te movem? O que falta fazer? E se pudesses dar uma ideia a quem nos governa, qual seria? Da cultura e artes ao ambiente, há causas para todos.

Obrigado por estares desse lado. O P3 é feito por ti e para ti.

Bianca Castro, 23 anos

Subdirectora do projecto "Roots" na Greenpeace Internacional

“A justiça climática é a maior crise da Humanidade, e está interligada com todas as outras que enfrentamos. A justiça climática encara as alterações climáticas como um complexo problema politico de justiça social: tem que ver com pobreza energética, com racismo, com habitação, com paz, com a necessidade de construirmos um mundo social e ecologicamente justo para todas as pessoas.

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Bianca Castro DR

A crise climática está a agravar perante os nossos olhos: basta olhar para as catástrofes que temos vivido ultimamente. O mundo está a arder, a derreter, espécies estão em extinção, pessoas estão a afogar-se e a morrer de sede. E enquanto isso, os lucros das empresas fósseis continuam a aumentar, a indústria continua a expandir, os Governos continuam a financiá-la. Nas palavras de António Guterres, "os activistas pelo clima são retratados como perigosos radicais, mas os radicais são os países que aumentam a produção de combustíveis fósseis. Investir nessas infra-estruturas é uma loucura moral e económica".

Para contornar isso, não basta colocar pensos rápidas em feridas que estão cada vez mais profundas — precisamos de pôr fim aos investimentos públicos em combustíveis fósseis, cancelar projetos que aumentem as emissões em grande escala em Portugal, iniciar uma verdadeira transição justa que não deixe ninguém para trás.”

Tomás Reis, 33 anos

Arquitecto

“Interessam-me os problemas do território que precisam de uma resposta desenhada: habitualmente, desafiam os limites das áreas do conhecimento, porque pedem a atenção de todos, mas para os quais é impossível dar respostas definitivas. Procuro estudar a relação entre o desenho e as várias formas de inteligência: emocional e, porque não, artificial. Tento compreender a nossa inteligência colectiva, ou a falta dela, que dá forma a tantas cidades do planeta: como nos movimentamos, como permanecemos, o que fazemos, as ideias que trocamos. Fascina-me a quase perfeição do mundo natural, bem como as grandes questões da existência, mesmo quando o quotidiano nos afasta delas. Há muito inventámos o fogo, que ainda tentamos controlar, e tememos pelo futuro da vida no planeta, que é a nossa casa comum.

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Tomás Reis Catarina Alves e Mendes

Preocupa-me o desligamento da terra, que é o nosso sustento. Inquieta-me a necessidade de comunicar no espaço virtual, e também a facilidade com que nele caímos na apatia e na indiferença. Espero fazer parte de uma geração que encontra o seu lugar num mundo certamente diferente daquele que saiu da Segunda Guerra Mundial, mas nada menos desafiante. Sonho com a defesa dos Direitos Humanos, que só estarão garantidos enquanto os soubermos defender.

Para quem nos representa, que se mova apenas pelo serviço público: saber ouvir, principalmente os mais velhos, pela experiência, e pensar na geração dos netos; abraçar a diferença e não deixar ninguém para trás. O resto é saber fazer cidades que nos representem e sair à rua, à praia, ao parque e à praça, porque são espaços onde exercemos cidadania.”

Miguel Albino, 24 anos

Estudante do Mestrado em Engenharia Geológica e de Minas no Instituto Superior Técnico

A causa que me apaixona é o combate à desinformação e à falta de pensamento crítico. Sou um grande adepto da discórdia cordial, pois no final do dia, todos saímos ou com um ponto de vista mais forte e fundamentado, ou mudamos a nossa visão do mundo. O conhecimento é um processo colaborativo e só avança através das questões, da abertura à opinião alheia e ao debate.

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Miguel Albino DR

As minhas áreas de interesse são o comportamento da sociedade, a engenharia de minas e o espaço. Em boa medida os grandes desafios destes dois últimos prendem-se com o primeiro. Acho que ambos os sectores têm em comum a grande necessidade e desafio de melhorar a forma como se apresentam, perante uma sociedade que questiona a sua existência e financiamento.

Sobre ideias para quem nos governa, tenho três palavras-chave: honestidade, avaliação e consequências. Honestidade para admitir que a governar por vezes há falhas; avaliação para, quando as coisas falham, perceber se há ideias melhores. Fazemos tanto estudo para apaziguar as exaltações de hoje, mas que nunca têm resultados concretos no amanhã, precisamos de garantir que são consequentes, que saem do papel e entram nas nossas vidas. Se correr mal, ao menos sabemos mais hoje do que sabíamos ontem e tentaremos até acertar. O processo repete-se.

Micael Sousa, 42 anos

Investigador e game designer

Apaixonam-me os jogos e como podem ser utilizados para mudar o mundo, especialmente os jogos analógicos (ou de tabuleiro) mais modernos. Os jogos fazem parte do que nos torna humanos, são produtos culturais, existem desde sempre nas sociedades humanas.

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Micael Sousa DR

Um dos desafios que identifico é o preconceito sobre os jogos e os jogos de tabuleiro em particular. Da ideia de que os jogos são vícios, até à sua percepção como coisas pouco sérias ou destinadas a crianças. Os jogos podem ser poderosas ferramentas de trabalho e os seus princípios estão neste momento a ser aplicados a quase tudo, mesmo que não demos conta disso. Dos sectores da defesa e planeamento estratégico, à educação e saúde, estas áreas utilizam jogos aplicados, por vezes descritos como “sérios”, há muito tempo com sucesso comprovado e cientificamente validado. Também o marketing utiliza “gamificações” de todo o tipo para comunicar e cativar clientes pensando nas suas necessidades.

Uma ideia para dar a quem governa? Existe valor adicional em conseguir identificar, projectar, planear e implementar políticas de forma colaborativa. As nossas sociedades humanas prosperam porque colaboramos, competindo contra as adversidades dos ambientes em que vivemos. Por isso, proponho que utilizar mais metodologias colaborativas, com a dupla função de motivar para mais participação de forma activa. Ir além da mera delegação e voto, mas interagindo de forma colaborativa, sendo parte da solução, aproveitando a mais-valia de cada participante. Implementando e desenvolvendo estes métodos podemos gerar mais impactos e eficiência, pois colaborar é muito mais do estar num grupo passivamente. Uma solução prática passa por implementar metodologias de jogos aplicados a objectivos concretos.

João Salazar Braga, 25 anos

Autor e redactor publicitário

“Sem saber se se trata realmente de uma causa, acredito que a escrita me atrai de um modo bastante intenso — porque não há um dia em que não escreva três ou quatro linhas. Escrevo, porque escrever corresponde a uma forma bastante estruturada e prática de pensar. Há uns dias, nem por acaso, dei de caras com esta afirmação de Javier Marías: “Talvez escreva porque é uma forma de pensar que não tem igual. É uma forma de pensar muito activa. Pensa-se de forma mais clara quando temos de o colocar em palavras.” (The Paris Review, Winter 2006). Revejo-me neste entendimento.

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João Salazar Braga DR

Reconheço-me, quando escrevo. E cresço, quando leio o que os outros escrevem: reforço opiniões preexistentes, com as quais concordo, e descubro (ou redescubro) outras posições, com as quais discordo. Quando escrevo, acedo ao meu próprio mundo. Quando leio, acedo ao mundo dos outros — é bem mais interessante e gratificante, parece-me.

Este processo de leitura, tão positivo, não é fácil, nem simples. Aos dias de hoje, somos levados a ler apenas o que nos interessa — o que foi escrito a pensar no nosso entendimento do mundo, nas nossas convicções sociopolíticas ou no nosso gosto, simplesmente. Vivemos numa bolha — e cada bolha dispõe de uma biblioteca diferente. Percebe-se o porquê de andarmos tão desencontrados e ofendidos.

As leituras desconcertantes ajudam-nos mais do que julgamos. Não somos obrigados a concordar com elas, mas beneficiamos se contactarmos com elas: aprendemos sempre qualquer coisa.

Uma ideia? Recuperem o peso do papel e da caneta nas escolas portuguesas. As disciplinas e as respectivas matérias fazem mais sentido quando são captadas enquanto o aluno, de olhos postos no quadro, vai desenhando letras, dando origem a frases, nas páginas de um caderno escolar. Carregar numa tecla (ou num touchpad) é fácil: é automático — a palavra surge simplesmente. Pegar numa caneta sempre exige algum esforço, e demonstra que o nascimento das ideias e dos raciocínios depende de um certo momento de concentração.

Miguel Moreira, 33 anos

Investigador na área dos estudos fílmicos e doutorando em estudos artísticos

A minha maior paixão é o cinema clássico de Hollywood. Adoro genuinamente os filmes antigos e as suas estrelas e realizadores. Adoro o modo eficiente com que Hollywood funcionava na era do studio system. A quantidade de filmes que se fazia era absurda e, a meu ver, a qualidade média era superior à de hoje. As estrelas tinham mais carisma e beleza e cada estúdio tinha uma personalidade própria. A minha maior luta é conseguir uma melhor divulgação e conhecimento do cinema clássico americano junto do público, sobretudo do mais jovem. E porquê? O público de hoje está, sem saber ou querer saber, a perder obras-primas cinematográficas.

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Miguel Moreira DR

Tento cativar as pessoas para os filmes clássicos através da publicação de capítulos em livros, de publicações nas redes sociais ou no P3. Dou a conhecer actores da era clássica, a sua história e conquistas, assim como os maiores realizadores, os filmes imprescindíveis e alguns factos curiosos da história de Hollywood, tudo de forma a “espicaçar” a curiosidade dos leitores. A velha Hollywood trata de temas importantes que permanecem actuais. Por exemplo, Imitação de Vida (1959) e Na Sombra e no Silêncio (1962) são excelentes filmes sobre o racismo. Os filmes do Frank Capra são interessantes estudos sobre as classes sociais. E, ao contrário do que se pensa, o cinema clássico americano não é meramente patriarcal.

Uma ideia? Gostaria que as tardes de domingo pudessem ser enriquecidas com um bom filme clássico nos canais de televisão portuguesa. Em Espanha, durante muito tempo, a televisão generalista exibiu filmes antigos de Hollywood, assim como programas de debate sobre os filmes. Já em Portugal, não se observa grande investimento neste tipo de mercado. E é triste saber que há pessoas que vão morrer sem terem visto alguma vez Laura (1944), Difamação (1946) ou A Herdeira (1949). Aceitem isto como uma provocação, mas é uma perda viver sem ver alguns destes filmes.

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