Leia um dos capítulos de Bambino a Roma, o novo livro de Chico Buarque

O escritor brasileiro e as memórias de infância, vividas e imaginadas, num regresso a Roma e a 1953/54, quando a família viveu em Itália. Livro do Prémio Camões 2019 nas livrarias segunda-feira.

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Chico Buarque quando recebeu o Prémio Camões no Palácio de Queluz Matilde Fieschi
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Agarrado à bola de futebol, olhei para trás ao sair de casa na Rua Haddock Lobo 1625, São Paulo, assim que partiu o caminhão de mudança. Vendo a casa tão vazia, com manchas de mobília no chão e de quadros na parede, entendi que a ausência seria longa, talvez para sempre. Zarpamos do Rio, e no convés do Giulio Cesare passageiros se abraçavam e brindavam vendo a cidade se afastar na baía de Guanabara. Eu não olhava a baía, mas sim a espuma que o transatlântico fazia no mar, como que desarranjando o caminho de volta. Durante duas semanas num oceano sem fim, havia muita festa a bordo e jogos no tombadilho, mas se me perguntarem do que mais me lembro, direi francamente que só me lembro de um mar de vômito. Vomitei no mar, no tombadilho, na piscina, no camarote de segunda classe, vomitei amarelo na toalha do restaurante, vomitei no sapato do garçom, eu vomitava os remédios e vomitava em cima do meu vômito com nojo de mim. Vomitei do Rio a Gênova com escalas nauseantes em portos que mal vi, na certeza de que aquele gosto nunca mais ia sair da minha boca. Devia ser ansiedade, pois quando me mostraram ao longe o porto de Gênova, meio que adormeci em pé. Sonâmbulo, não me lembro do cais, do trem, das luzes de Roma, era como se o navio tivesse atracado feito um táxi na porta de casa, Via San Marino 12.

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