Sobrevivente do Holocausto marcou 80 anos de vida com protesto em prisão israelita

Muitos palestinianos inocentes ficam encarcerados por tempo indeterminado sem qualquer acusação ou julgamento, enquanto sofrem maus-tratos às mãos das autoridades.

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Camião israelita carrega grupo de detidos palestinianos REUTERS/Yossi Zeliger
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“Tinha de fazer alguma coisa”, disse Veronika Cohen ao The Guardian. No dia em que fez 80 anos, juntou amigos e manifestou-se contra o recurso sistemático de Israel à prisão administrativa de milhares de palestinianos. Muitos inocentes ficam encarcerados por tempo indeterminado sem qualquer acusação ou julgamento, enquanto sofrem maus-tratos às mãos das autoridades.

A octogenária nasceu num gueto judeu, em Budapeste, e diz que sobreviveu ao Holocausto devido “a uma série de milagres”. Quando chegou a Israel, em 1979, percebeu que tinha de lutar contra a ocupação “porque nos estava a destruir a nós [quem vive em Israel] e aos palestinianos”.

Dava aulas na Academia de Música e Dança de Jerusalém, e descreve o seu aniversário como “um agradecimento especial por estar viva”. “Podem presumir o que penso do actual governo, que não é o meu governo. É por isso que, nestes tempos trágicos, quis fazer algo especial no meu aniversário”. Esta sexta-feira dirigiu-se à prisão feminina Neve Tirtza, onde está presa a activista pelos direitos das mulheres Khalifa Jarrar.

“Numa altura, particularmente durante este momento crucial, em que se pensa que não há mais corações para partir, o meu ficou destroçado ao saber das condições deploráveis suportadas pelos detidos palestinianos”. Os relatos repetem-se há anos: os guardas israelitas espancam os presos (muitas vezes vendados) e dentro daquelas paredes não há espaço para direitos humanos. Uma reportagem da RTP, transmitida no início do mês, mostra Majd, um ex-recluso, preso sem acusação, que conta que o pior são as transferências de cadeia em cadeia. “Atam-nos as mãos, as pernas, tapam-nos os olhos, não comemos, não bebemos, nem podemos fazer necessidades. Não podemos fazer nada desde as 6h e pode durar até às 20h ou mais, depende da distância da prisão.” Nas cadeias onde tinha estado só era permitido comer duas vezes por dia e os prisioneiros dormiam amontoados.

Após ouvir múltiplos relatos deste género, Veronika Cohen, co-fundadora de um grupo que quer incentivar o diálogo entre Israel e Palestina, marcou o 80.º aniversário num protesto pela libertação de Khalifa Jarrar, 61, presa há mais de dez meses sem acusação ou julgamento. Jarrar é uma figura relevante da Frente Popular para a Libertação da Palestina, facção da Organização de Libertação da Palestina, e foi presa no dia 26 de Dezembro de 2023, juntamente com outros militantes do seu partido. As tropas israelitas entraram na cidade de Al-Bireh, na Cisjordânia, durante a madrugada, e prenderam vários palestinianos.

Em Junho, um dia antes de expirar a ordem de detenção, foi condenada a mais seis meses em regime de prisão administrativa, ainda sem acusação ou julgamento.

Cohen descreve a situação de Khalifa Jarrar como “insuportável”. Quanto ao protesto que organizou, espera que sirva pelo menos para chamar atenção para o caso e, se possível, melhorar as condições em que a mulher de 61 anos vive. “Uma mulher colocada numa solitária, sem luz, sem janelas... Achei que tinha de fazer alguma coisa”.

Um relatório do Comité Público contra a Tortura em Israel, uma organização não-governamental israelita, dá conta de quase 10 mil palestinianos em prisões israelitas, desde 7 de Outubro o número quase duplicou. Desses, 30% são mantidos sem acusação nem julgamento nas instalações do IPS [Serviço Prisional Israelita]. “Até Junho de 2024, pelo menos 14 detidos morreram sob custódia do IPS desde 7 de Outubro, com provas forenses que sugerem que pelo menos algumas destas mortes estavam ligadas a casos de violência grave por parte dos agentes do IPS”, lê-se no relatório.

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