O que é que o Caravela tem?

É um carolino de confecção fácil, com um bago gordo, brilhante, com textura aveludada e aquela goma que absorve gulosamente qualquer caldo. Chega ao mercado em Janeiro.

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A primeira variedade de arroz Carolino criada em Portugal nos últimos 30 anos Rui Gaudêncio
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A procura por arroz carolino tem vindo a cair nas últimas décadas por diferentes razões. Em primeiro lugar está a suposta maior dificuldade de confecção do carolino no espírito de muitos consumidores, por comparação com o arroz agulha. Em segundo lugar vem o risco do carolino empapar e, na mesma linha de pensamento, a incapacidade de se fazer carolino solto, como acontece com agulha (uma falácia, como veremos). Em terceiro lugar, muitos consumidores renderam-se ao perfume dos arrozes aromáticos, tipo Basmati, uma categoria que cresce a olhos vistos, independentemente do preço mais elevado.

Em rigor, a questão de o arroz empapar podia mesmo acontecer e tinha como causa o facto de algumas marcas de carolino meterem, no mesmo pacote, três ou quatro variedades diferentes. Ora, como cada uma tem um ponto de cozedura muito específico, se alguém seguisse à letra o tempo recomendado, o que acontecia era que uns grãos estavam no ponto, outros duros e outros já empapados. O conceito de blend é interessante no vinho e no azeite, mas não no arroz. Pode dar jeito a alguma indústria, mas não ao consumidor. Daí que quando queremos fazer um carolino em condições devemos procurar marcas que indiquem que variedade está dentro do pacote. Se o sector quer que os portugueses voltem a enamorar-se pelo carolino vai ter colocar no mercado arrozes varietais com indicação dos tempos correctos de confecção para cada variedade. É que uma coisa é o Ariete, outra é o Téti e outra ainda o Ronaldo ou o Leonardo.

A chegada ao mercado da primeira variedade de arroz carolino criado em Portugal nos últimos 30 anos pode ser o arranque de um processo de literacia em matéria de arroz. Por causa da variedade em si? Não só, mas também. O Caravela estará à venda em exclusivo na cadeia Continente durante os próximos dois anos. E, como se imagina, a marca do grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO) vai querer provocar ruído comunicacional em diferentes frentes, até porque terá à sua disposição umas toneladas valentes de Caravela (foram plantados em Portugal cerca de 750 hectares de arroz).

Segundo Mónica Sobreiro, do Clube de Produtores Continente, foi a partir de um contacto desencadeado em 2019 pelo COTArroz que ficou a conhecer a variedade Caravela. E nessa altura apercebeu-se “do potencial do arroz carolino Caravela para se tornar um ícone da culinária nacional, devido à sua versatilidade, sabor e textura”.

Questionada sobre se o grupo de distribuição vai fazer diferenciação de preço ou usar a variedade para as habituais campanhas de desconto, a responsável refere que “o arroz será comercializado ao preço de mercado, com o objectivo de democratizar o seu consumo e a incentivar os consumidores a optarem por produtos nacionais”. E reforça: “Actualmente não está prevista a introdução do arroz carolino Caravela nas campanhas habituais de promoção.”

O facto desta variedade 100 por cento portuguesa poder chegar aos consumidores a preços democráticos, com toda a narrativa associada, despertará o interesse da sociedade pela cultura do arroz em geral (por via das variedades e não as categorias comerciais), criando mais valor em toda a fileira, desejavelmente para os orizicultores, que, infelizmente, a dias de arrancar a campanha, ainda não sabem se haverá diferenciação positiva no pagamento do arroz Caravela.

Por outro lado, o facto de este consórcio ter provocado algum zunzum no sector pode, para as próximas variedades que o COTTArroz se prepara para lançar, promover um despique para ver quem fica com a variedade A, B ou C. Será que vamos mesmo começar a falar a sério sobre arroz? Hoje, a conversa foi sobre o Caravela, mas daqui a algum tempo será sobre outra variedade. Portuguesa, sim, mas também estrangeira. Do Sado ao Mondego, temos excelentes variedades estrangeiras. O mais importante é falarmos de arroz como um espanhol fala de presunto ou um francês fala de queijo. Nós, portugueses, devíamos ser uns doutores em carolino.

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